8 de janeiro, a narrativa e os fatos

Por Percival Puggina (*)

Se por um instante você deixar de ver os acontecimentos do dia 8 de janeiro como são narrados, para vê-los como registrados pelos próprios olhos, notará enorme diferença.

Segundo as instituições, durante um par de horas, a nação periclitou frente ao abismo de uma ditadura fascista. No horizonte imediato, haveria fogo e ranger de dentes porque ali, a olhos vistos, transcorria o “pan demônio”, ou seja, a reunião de todos os demônios, do terrorismo ao golpismo. Felizmente, lhe dizem, a emergência foi debelada com os golpistas presos em ação fulminante e integrada dos bastiões da democracia, do estado de direito e das liberdades públicas.

Mil e quinhentas pessoas se envolveram na tal “intentona fascista”. Era uma ensolarada tarde de domingo. Sem banda, carro de som ou megafone, saíram do acampamento junto ao QG e marcharam em direção à Praça dos Três Poderes. Os homens, pela idade média, se militares, estariam quase todos na reserva; as mulheres eram intrépidas e ameaçadoras vovós e tias do Zap. Levavam cadeiras de praia, bandeiras, cartazes. Enquanto a República vivia momentos tão decisivos, cantaram hinos, tiraram selfies, perambularam pela vastidão do despovoado local. Era uma praça sem garrafinhas de água e sem pipocas. Apenas um inesperado vendedor de algodão doce veio do nada, com sua colorida mercadoria, para adoçar o “golpe”.

Em que pese tudo que se diz sobre os riscos de uma população armada, nenhuma pistolinha sequer foi vista e, menos ainda, ouvida. Cerca de 10% dos golpistas partiram para uma arremetida final contra a desguarnecida e vazia Bastilha brasiliense. Enquanto os demais, desde fora, gritavam “Não quebra! Não quebra!”, eles atacaram as vidraças republicanas e foram adiante, golpeando móveis e bens do patrimônio nacional. Dois dos três prédios invadidos já tinham sido objeto de tais crimes em outras ocasiões.

Enfim, pouco depois, um punhado de policiais militares do Distrito Federal surgiu e colocou todos a marchar de volta para a frente do QG onde, na manhã seguinte, embarcariam na segunda ratoeira de sua malsucedida “intentona”.

A imensa maioria dos que foram à Praça dos Três Poderes era movida por temor. Temiam o braço pesado de um Estado que se agigantava assustadoramente sobre a nação. Acabaram comprovando nas suas vidas as razões do temor que sentiam.

(*) Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

*Artigo de responsabilidade do autor.

Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o Brasília In Foco News

Foto: Reprodução

Deixe seu comentário