A bicharada quer mais espaço. O verde também

 

No Park Way, são rotineiros os flagrantes de animais silvestres atravessando as pistas

Na semana que passou, uma imagem nas redes sociais deixou muita gente deslumbrada. Às 3h da madrugada, um tamanduá-bandeira foi filmado atravessando a DF-480 (Gama-Plano Piloto), próximo à estação do BRT. A admiração das pessoas que assistiram o vídeoé, de um lado, pela beleza do animal e, de outro, pelo inusitado de encontrar um animal silvestre desse porte tão perto de instalações urbanas, dos carros e das pessoas.

O flagrante gravado por Matheus Silva, infelizmente, não é tão raro e se faz cada vez mais presente. Há pouco tempo, uma onça suçuarana morreu atropelada nas imediações da Área Alfa da Marinha, e um furão, também atropelado, perdeu a vida nas proximidades da Quadra 26 do Park Way. Na Estrada para o Aeroporto um bicho preguiça foi resgatado, o mesmo acontecendo com uma lontra nas imediações do Gilberto Salomão.

No Park Way, são rotineiros os flagrantes de raposas, saruês, macacos bugio, cobras, capivaras, teiús e perdizes atravessando as pistas. Muitos acabam atropelados, apesar do esforço da comunidade e da administração regional em sinalizar locais onde a travessias de animais é mais frequente. O bairro utilizado pelo Ibama para a reintrodução de animais silvestres não possui uma única passagem aérea ou subterrânea destinada a animais.
O Distrito Federal vivencia o drama do concreto ocupando o verde.

Em 1946, quando da vinda da Missão Polli Coelho ao Planalto Central, o diretor técnico da caravana, Francis Ruellan, alertava que, para assegurar o abastecimento d’água da cidade que seria erguida na década seguinte, era necessário preservar, ao menos, metade do Cerrado.
Mas, 58 anos depois da inauguração de Brasília, o retrato é outro: a mancha de vegetação original é cada dia menor. Fruto da expansão urbana oficial e, principalmente, da ocupação selvagem provocada pela grilagem, além do agronegócio.

Pegando Jacaré

Com espaço cada vez menor para a natureza, não são raras as imagens inusitadas que vivenciam moradores de localidades como os Lagos Sul e Norte, Jardim Botânico, Taquari e Park Way. Em 2018, dois jacarés do papo amarelo foram capturados pela diligente Policia Ambiental. Um deles se deleitava numa piscina residencial.

Não faz muito tempo, moradores da Quadra 17 receberam a visita nos jardins de um condomínio de um Tamanduá-Bandeira, que deve ter se sentido oprimido pela existência cada vez maior de concreto em seu habitat.

Legalizar o ilegal – Até o final de outubro deste ano, foram resgatados em instalações urbanas 3.632 espécimes selvagens. Isso sem contar com aves antes mais raras e hoje cada vez mais comuns nos centros urbanos, tais como as curicacas e tucanos. Até mesmo os valentes gaviões carcarás deixaram a caça de lado e preferem fuçar as lixeiras em busca de comida.

Com menos de 60 anos de vida Brasília se defronta com uma triste realidade de não saber se cuidar ambientalmente. Não realiza coleta seletiva e lixões clandestinos afloram nos novos espaços urbanos que se se multiplicam sem muito planejamento ou análise de impacto. Em muitos casos, prevalece a política de legalizar o ilegal.

Ilusão passageira

Se hoje as autoridades comemoram o transbordamento dos reservatórios d’água, essa alegria se deve muito mais a São Pedro do que a mudanças estruturais, seja no abastecimento da cidade, seja em medidas de captação e preservação das águas pluviais, seja no comportamento de consumo da população. É bom lembrar que a ligação de Corumbá 4 ao DF ficou para meados do próximo semestre. Mesmo assim, segundo os especialistas, a água que virá de Goiás deve assegurar o abastecimento no DF apenas até 2030.

Certo é fazer errado

Esta é a prática comum no DF. A justiça proibiu a ocupação clandestina do setor Arniqueiras, mas o GDF, com ajuda da MP da Grilagem, vai regularizar um setor vital para a produção hídrica. Em Arniqueiras, será possível existir lotes de 125 m², dos quais 100² poderão ser ocupados por obras de até três andares, a 50 metros de um curso d’água. É assim na recente decisão de reduzir quase à metade a Floresta Nacional e comer uma grande fatia do Parque Nacional de Brasília. Tudo para legalizar ocupações urbanas irregulares.

Vicente Pires é uma grande demonstração da política que o certo é fazer o errado. Se dá mal quem respeita a lei. Chacareiros que se negaram a fracionar ilegalmente suas propriedades, agora vêem suas terras sendo confiscadas pelo GDF para poder legalizar os lotes criados pelos grileiros.

 

Fonte: Jornal Brasília Capital

Por Chico Sant’Anna

Fotos: Reprodução

 

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