A culpa dos inocentes, ou Sobre o abuso do poder.
Por Percival Puggina (*)
Fiquei na dúvida sobre qual o melhor título. Por isso, vão os dois.
Sei e dou de barato que o poder seja sedutor e, nem sempre, bom conselheiro. A lógica determina, então, que lhe sejam impostos arreios e freios, como se faz com cavalos chucros. O pior erro que uma sociedade pode cometer é facilitar, pela tolerância, a vida do poder chucro. A uma força assim, voluntariosa, empenhada em impor supremacia, jamais faltarão razões ou criação de fantasmas para, por conta própria, impor arreios e freios à sociedade e a seus representantes. Sem freios nem contrapesos, tem-se o poste rebelado, se me faço entender.
Aprendi de pequeno que os poderes devem ser limitados. Acompanhei, primeiro em preto e branco e, depois, a cores e ao vivo, a história da segunda metade do século XX. Vi nascerem como criaturas de canteiro ditaduras e totalitarismos. Nossa! Há entre elas um traço de união: a imposição, que logo se converte em impostura, de um reitor de fatos, normas e limites que se aplicam a todos, exceto a si mesmo e aos seus. Não há ideologia nisso. A ideologia, quando se manifesta, funciona de modo instrumental, como meio. Raramente como causa ou fim.
Indivíduos assim (tomo Stalin por referência) impuseram medo à sociedade, submeteram o Estado, usaram o poder para proteger sua imagem, exibiram como trunfo a própria arrogância, perseguiram opositores e os submeteram a penas infamantes. Ser opositor era um ato doloso por definição. A nenhum faltou apoio de indivíduos cuja covardia, fraqueza ou ganância era inversamente proporcional à temeridade e ausência de compaixão do líder.
Nem todas as tiranias são iguais, claro, porque dependem de circunstâncias históricas, ou seja, de fatores causais e casuais. O que descrevi, porém, é recorrente, permitindo identificar a realidade pela conduta dos agentes. Apelarei ao depoimento de um stalinista convicto e reconhecido – Bertolt Brecht.
Quando estavam em curso os Processos de Moscou, nos quais eram julgados supostos inimigos de Stalin, os comunistas mundo afora discutiam os casos. Numa dessas conversas em que o teatrólogo alemão estava presente, alguém comentou que muitas daquelas pessoas seriam inocentes, ao que Brecht contestou com uma frase terrível: “Quanto mais inocentes são, mais merecem ser fuzilados”. O autor desse relato é o filósofo esloveno Slavoj Zizek num texto com o título: Brecht: a verdadeira grandeza do stalinismo. Para Brecht, na interpretação de Zizek, a inocência dos acusados era reflexo do seu fascismo.
Pense nisso.
(*) Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
*Artigo de responsabilidade do autor.
Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o Brasília In Foco News
Foto: Reprodução