A fotografia como recurso terapêutico para resgatar a autoestima de mulheres que romperam o ciclo da violência

Por Ísis Dantas (*)

Em pleno 2024, quantas de nós, mulheres vitimadas pelas mais diversas violências, já fomos ou continuamos sendo silenciadas?

Silenciadas por medo do julgamento, por temor por nossas vidas e a vida dos nossos, por imaginar cair em total descrédito ou mesmo para não ser revitimizada.

Infelizmente, esse silenciamento é mais comum do que imaginamos, fruto de uma sociedade que ainda objetifica os corpos femininos, que trata as mulheres como seres de segunda ordem. Uma sociedade na qual a cultura do estupro ainda é tão presente e de certa forma permitida.

Ser mulher é algo para seres fortes, pois ser mulher no mundo em que vivemos, ainda tão marcado pelo patriarcado, pela misoginia e pelas tantas e tão cotidianas violências que nos atravessam é um ato de CORAGEM!

Como bem disse Simone de Beauvoir: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. E tornar-se mulher é cada vez mais necessário numa sociedade que insiste em nos subestimar; na qual ainda ganhamos menos que os homens, mesmo exercendo as mesmas funções. Sociedade que nos culpabiliza pelas violências das quais somos vítimas, seja em razão de nossas vestimentas ou mesmo por ingerimos alguma bebida alcoólica. No fundo parece que sempre somos culpadas.

“Ela deu motivos!” “Ela provocou!” São tantas as justificativas para algo injustificável que nos fechamos, silenciamos nossas dores e deixamos a ferida sempre aberta. A dor não cessa, apenas ameniza. Ela está lá, lateja.

Segundo a 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em julho de 2024, apenas no ano passado, 1.467 mulheres foram mortas no país simplesmente por serem mulheres. Desses crimes, 90% foram cometidos por homens, geralmente companheiros ou ex-companheiros das vítimas. Infelizmente, essa violência brutal continua a tirar vidas de mulheres dia após dia, com maior incidência entre mulheres negras (64%) e na faixa etária de 18 a 44 anos (71%).

Os dados também apontam que, em 2023, o DF teve a 5ª maior taxa de feminicídios do país, com um aumento de 73% em relação a 2022. Já em 2024, até agosto, foram registradas oito vítimas de feminicídio, além de 36 tentativas.

Foi pensando em ajudar a transformar essa triste realidade que criei o Projeto Marias da Penha. Uma iniciativa que utiliza a fotografia como instrumento terapêutico para auxiliar mulheres que já romperam o ciclo de violência a se enxergarem e se perceberem em potência.

O olhar delicado, amigo e sem julgamentos de outra mulher, também vitimada, reforça os laços, inspira confiança e permite a criação de um espaço de refazimento e inspiração.

Além dos ensaios fotográficos, essas mulheres contam suas histórias para incentivar outras mulheres, que ainda estão em situação de violência, a romperem o ciclo. É elevando a autoestima dessas ex-vítimas – mulheres que apesar da dor e das marcas deixadas pela violência, conseguiram, mesmo com todas as dificuldades, romper o ciclo e ajudando-as a se perceberem fortes e potentes que eu, que também já fui uma vítima, me curo, crio conexões e ajudo essas mulheres a iniciarem esse processo de valorização, cuidado, acolhimento e autocura.

O Marias da Penha, que teve início em 2019, busca auxiliar cada vez mais mulheres a exporem suas dores, criarem ou fortalecerem redes de apoio e seguirem, juntas, na construção de um mundo no qual meninas e mulheres tenham direito às suas vidas.

E num mês tão simbólico, no qual é realizada a campanha do setembro amarelo, iniciativas singelas como o projeto nos lembram da situação de fragilidade psíquica que muitas vítimas de violência enfrentam. Além disso, nos faz atentar para a necessidade de apoio e atenção à saúde mental das mulheres que já sofreram ou sofrem algum tipo de violência.

Sabemos que não é um processo fácil dar um fim às violências, mas trata-se de uma questão de sobrevivência. As mulheres que conseguem dar um basta e romper o ciclo acabam se tornando testemunhas vivas de que após a violência há vida! Por isso, é tão urgente falar, denunciar, expor. Para que mais vidas de meninas e mulheres não sejam ceifadas, para que mais famílias não chorem a ausência de mães, de filhas, de irmãs.

O caminho é longo, mas de mãos dadas, em rede, é possível sonhar com o dia no qual não seremos mortas apenas por sermos mulheres! Marias renascidas, Marias da Penha, mulheres que superaram e superam diariamente a violência e ajudam outras mulheres a fazerem o mesmo. Vamos juntas! Há muito que se avançar, mas não podemos desistir!

Apenas transformando nossas dores em força e nos unindo é que iremos conseguir mudar essa triste e cruel realidade.

(*) Ísis Dantas é jornalista, fotógrafa e criadora do Projeto @mariasdapenha

Fonte: Ísis Dantas

Foto: Ísis Dantas para @mariasdapenha

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