“A Justiça do Trabalho nunca foi tão importante como agora”, defende Carolina Gralha

O site Justiça Em Foco realizou uma entrevista com a presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV), Carolina Gralha. A magistrada conversou sobre o atual cenário da Justiça do Trabalho e os principais desafios a serem enfrentados por esse ramo do Poder Judiciário. Dentre os pontos abordados, a representante dos juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul dissertou de maneira técnica sobre a Reforma Trabalhista (Nº 13.467/2017), que impactou na atuação de toda a Justiça do Trabalho. 

A seguir, trechos da entrevista:

Justiça em Foco: Quais são os principiais pontos críticos e contraditórios que surgiram com a aprovação da Reforma Trabalhista? 
Carolina Gralha:
 A Reforma Trabalhista foi aprovada com duas grandes bandeiras: combate ao desemprego e busca da segurança jurídica. Passados 18 meses da profunda alteração da legislação do trabalho, o que temos é aumento do desemprego e da informalidade e um cenário de bastante insegurança jurídica. Afinal, houve a modificação de mais de cem artigos sem contar com quaisquer regras de transição ou um debate mais aprofundado de sua aplicação e dos impactos em uma sociedade já bastante fragilizada. 

Então, a Reforma, em sua integralidade, apresenta muitos problemas técnicos e não entregou aquilo que prometeu, pelo contrário. No texto, especificamente, identificamos novas figuras críticas como o contrato intermitente sem a adequada regulamentação, como no teletrabalho. Ainda, há enaltecimento da atuação dos sindicatos ao definir o negociado sobre o legislado e, ao mesmo tempo, retira dele a forma de subsistência. Tal como reconhece a Justiça Gratuita ao trabalhador, mas lhe impõe a sucumbência, diferente do que acontece no processo civil, por exemplo.

Justiça Em Foco: A Reforma Trabalhista trouxe tópicos prejudiciais aos Direitos Sociais?
Carolina Gralha:
 Os direitos sociais estão associados a conquistas históricas de patamares mínimos de dignidade, como marcos civilizatórios alcançados pela e para a população. Contudo, em uma avaliação absolutamente equivocada, os direitos sociais acabaram sendo considerados um custo que impede o crescimento econômico. No momento em que se tem profundas alterações como as perpetradas na lei trabalhista – legislação de caráter social que tem como propósito o equilíbrio das relações -, evidentemente que há retrocessos o que gera, inclusive, impacto na sociedade. Exemplo destas situações é a imposição de trabalho às grávidas e lactantes em ambientes insalubres (trecho declarado recentemente inconstitucional pelo STF), restrição de acesso à Justiça, o contrato intermitente sem qualquer limitação, entre outras situações que impactam na Previdência, inclusive, outro direito social. 

Justiça Em Foco: Existem diversos empreendedores que detêm postura ilibada nas relações trabalhistas. Como essa Reforma pôde ser prejudicial a esse grupo de pessoas [empresários]? 
Carolina Gralha: 
A Reforma Trabalhista, como já referido, não entregou – e nem poderia entregar – o que prometeu. Estamos vivendo um grande empobrecimento geral da população o que tende a se agravar pelo largo número de desempregados e desalentados, pelo crescente fechamento de postos de trabalho e desvalorização dos empregados. A consequência imediata é a redução do consumo de serviços e produtos e, a médio prazo, uma forte recessão econômica atingindo todos os setores. A Reforma – como um pacote e não pontualmente em alguns aspectos- não trouxe benefícios a nenhuma das partes da relação, tanto que há poucos anos tínhamos pleno emprego, economia galopante e uma legislação carimbada como rigorosa ou antiquada.

Justiça Em Foco: Com a Reforma Trabalhista em vigor, houve queda expressiva no número de ações judiciais?
Carolina Gralha:
 De fato, houve uma redução nacional em torno de 30% das ações trabalhistas. Contudo, a redução tem múltiplos fatores. As infrações à legislação trabalhista persistem, tanto que 58% das demandas postulam verbas rescisórias, ou seja, o trabalhador é despedido e não recebe os direitos mais básicos decorrentes do término da relação, tais como aviso prévio, férias, 13º salário e FGTS com 40%, tendo que se socorrer da Justiça do Trabalho para vê-los satisfeitos. Assim, a redução das ações se dá tanto pelas novas regras processuais de sucumbência e gratuidade da Justiça, mas também pelo alto índice de desemprego (não há novos contratos para serem discutidos na Justiça) e pela adaptação de todas as novas regras pela comunidade jurídica. Vale registrar que, no ano de 2019, os números de novos casos vêm aumentando em comparação ao ano de 2018.

Justiça Em Foco: Sobre o cenário jurídico atual, como a senhora avalia a situação da Justiça Trabalhista? 
Carolina Gralha:
 A Justiça do Trabalho nunca foi tão importante como agora. Em época de desaceleração da economia e de recessão é fundamental uma instituição fortalecida e que presta seu serviço de forma célere e eficaz, mantendo assim o equilíbrio das relações. Em cenário de possibilidade de crescimento de exploração desmedida da mão de obra, como nos casos de trabalho escravo e infantil, de despedidas em massa, de recuperações judiciais e de falências, é o ramo especializado que está apto a acolher e solucionar os casos de forma justa e equânime. Para o próprio capitalismo a Justiça do Trabalho é fundamental, combatendo, inclusive, a concorrência desleal entre as empresas.

Justiça Em Foco: E sobre os rumores de extinção da Justiça do Trabalho, proposto recentemente, de que maneira seria prejudicial à sociedade?  
Carolina Gralha:
 A extinção da Justiça do Trabalho levaria a nossa sociedade ao caos. Muitas mentiras são ditas sobre a Justiça do Trabalho – que ela apenas existe no Brasil, que nosso país concentra o maior número de ações, que custa muito ou que é ideológica -, e é nosso papel restabelecer a verdade. 

Como referido, a Justiça do Trabalho tem papel fundamental no combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo, na prevenção de acidentes do trabalho, na mediação de greves e despedidas em massa, além de prestar a jurisdição de forma mais célere, conciliadora e eficaz em relação aos demais ramos do Poder Judiciário. É uma Justiça Especializada no exame dos conflitos decorrentes das relações de trabalho, tanto individuais e coletivos e, ao extingui-la, esses conflitos não deixariam de existir, apenas seriam objetos de julgamento na esfera da Justiça Comum – que já está assoberbada de processos. A transferência dos processos para outro ramo, portanto, levaria a uma longa espera, espera de quem precisa de imediata resposta, de quem precisa subsistir.

Justiça Em Foco: A Justiça do Trabalho, em toda a sua estrutura, precisa de alguma reestruturação ou ela já é a mais moderna dos ramos da Justiça brasileira? 
Carolina Gralha:
 A Justiça do Trabalho está totalmente informatizada, em todas as suas unidades e regiões e conta com uma estrutura que atende diversas comunidades, com a necessária capilarização.  Contudo, há um déficit bastante considerável de juízes e servidores em razão dos cortes orçamentários que vêm ocorrendo desde 2016 (corte discriminatório, pois muito superior aos demais ramos do Poder Judiciário) e que tendem a agravar ainda mais no ano de 2020, impossibilitando até a manutenção das unidades.

Justiça Em Foco: Um fenômeno que tem chamado a atenção nas relações trabalhistas é a Terceirização, ou popularmente chamada de “Pejotização”. Quais são os pontos positivos e negativos deste fator? 
Carolina Gralha:
 A Reforma Trabalhista possibilitou a terceirização em todas as atividades da empresa (não se limitando apenas à atividade meio como até então ocorria), o que acreditamos ser bastante prejudicial, precarizando as relações. Verificamos na pessoa do empregado terceirizado – constatado por estatísticas – aquele sujeito facilmente substituído (sem sequer ser percebido), que mais trabalha em horas extras, que mais se acidenta no ambiente do trabalho e, ainda, o pior remunerado. Ainda, muitas empresas que prestam serviços terceirizados acabam encerrando suas atividades sem qualquer garantia de pagamento dos direitos básicos de seus empregados, deixando-os desamparados. Pode eventualmente haver alguma prestação de serviço mais independente da intervenção estatal, mas esta não é a regra que a Justiça do Trabalho se debruça diariamente.

Justiça Em Foco: A senhora é a presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV). Quais são as principais bandeiras de atuação da Amatra IV na atualidade e sua sintonia de trabalho com a nova presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto? 
Carolina gralha:
A principal responsabilidade da Amatra é a representação de seus associados atuando na defesa de suas prerrogativas e na busca de melhores condições de trabalho o que, por consequência, tem como propósito uma eficaz e independente prestação jurisdicional para toda a sociedade. De igual sorte, atua nas pautas cidadãs como no combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo, prevenção de acidentes do trabalho e na defesa do direito do trabalho e da Justiça do Trabalho. Quanto à Anamatra e a sua nova Presidente, Noemia Porto, temos absoluta confiança na sua competência e capacidade de liderança para enfrentar momentos tão turbulentos do nosso país, contando com nosso total apoio, destacada a sua Vice-Presidência ocupada pelo nosso brilhante colega gaúcho, Luiz Antonio Colussi.

Justiça Em Foco: Sobre esse atual cenário de incertezas sobre o Direito do cidadão e do Trabalhador, qual a mensagem que a senhora deixa para os seus representados?
Carolina Gralha:
Aos juízes do trabalho do Rio Grande do Sul deixo a mensagem que o trabalho de vocês faz a diferença em uma sociedade tão desigual e desalentada. O medo e a esperança não ocupam o mesmo lugar e ser juiz é ter a coragem de, com altivez, enfrentar os ataques daqueles que buscam o descrédito de uma instituição fundamental para o Estado Democrático de Direito; prestando a jurisdição a todos que dela necessitam com a imparcialidade e dedicação que o cargo exige.

Justiça Em Foco: Para finalizar, apesar da sua imensa experiência na magistratura a senhora ocupou o cargo de juíza titular há menos de dois anos. Quais são os principais desafios para quem deseja ser juiz na atualidade? 
Carolina Gralha:
 Após 14 anos do exercício da magistratura trabalhista, percebo que os desafios vão se modificando com o tempo e de acordo com a evolução da carreira. Após o árduo e, às vezes longo, período de estudo e dedicação, vem a aprovação e ao assumir o cargo, há situações a serem enfrentadas: desde a distância a ser percorrida para atender as unidades, a complexidade e os dramas envolvidos em cada processo, a solidão do ato de julgar, a administração do tempo para também atender as demandas pessoais e familiares, até as críticas de alguns segmentos. Contudo, a vocação, o amor pelo trabalho, a associação e os colegas fortalecem o sentimento de Justiça e não deixam ninguém esmorecer. Siga em frente e faça o que você acredita de verdade.

Fonte: Justiça Em Foco – Por Mário Benisti – Foto: JC/RS

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