‘A lista tríplice é uma garantia fundamental de autonomia na atuação do MPF’, avalia Fábio George

Com pouco menos de um mês na presidência da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George tem um amplo desafio pela frente: preparar a eleição de escolha da lista tríplice que culmina na escolha do Próximo Procurador-geral da República (PGR). A lista com os nomes escolhidos será entregue ao presidente da República, Jair Bolsonaro, para a escolha do próximo PGR. O nome escolhido ainda passa por uma sabatina no Senado Federal.

Na entrevista, Fábio George falou um pouco sobre os desafios da instituição no atual contexto brasileiro e o cenário do Poder Judiciário. Um dos tópicos abordados foi a questão da lista tríplice para a escolha do PGR, criticada por grupos de procuradores. 

A seguir, trechos da entrevista:

Justiça Em Foco: Como o novo representante da ANPR avalia o atual cenário jurídico brasileiro?
Fábio George: 
Temos um cenário complexo, de muitas questões importantes sendo discutidas na Justiça ao mesmo tempo. Um cenário em que é preciso defender e apoiar o Poder Judiciário, sem o qual qualquer ideia de Estado Democrático de Direito não passa de uma grande ilusão, de um risco n’água. O Brasil precisa de um Poder Judiciário forte, já que esse é o Poder de controle por excelência, exercendo, ainda, um importante papel contramajoritário, de resguardo das minorias e dos direitos fundamentais. 

Defender o Poder Judiciário e os direitos fundamentais não significa, claro, concordar com eventuais atos ilegais ou inconstitucionais ali adotados. Na defesa da legalidade e da constitucionalidade, o Ministério Público jamais pode silenciar, da mesma forma que o Poder Judiciário está exatamente aí para corrigir eventuais equívocos e ilegalidades adotados pelo Ministério Público. Essa relação de harmonia entre os Poderes, mantendo a independência de agir de cada um deles, em controles recíprocos que se alternam, é vital para a consolidação das instituições e, portanto, da própria democracia.

Justiça Em Foco: Quais serão os desafios a serem enfrentados para garantir a união de toda a classe dos subprocuradores-gerais?
Fábio George: 
Essencialmente, é necessário promover o diálogo entre os procuradores que pensam de maneira diferente e, particularmente, entre os colegas mais experientes e os mais jovens, e, principalmente, desenvolver a empatia. Precisamos fazer a ponte entre as nossas lideranças históricas, que construíram, com muita luta e competência, essa instituição essencial ao país, e os jovens, que nela ingressaram mais recentemente, trazendo todo o frescor e o vigor das novas ideias e de um novo olhar sobre quase tudo. 

É desse diálogo, fundamental, que surge o nosso imenso potencial de evolução, que só poderá ser bem aproveitado se houver, realmente, a sincera vontade de compreender o outro, de afastar preconceitos, de não rotular. Precisamos enfrentar esse choque geracional com inteligência e compaixão e, num mundo de alta velocidade e em constante evolução, precisamos ousar em busca de soluções tecnológicas que permitem, ao mesmo tempo, melhorar a prestação dos nossos serviços e a nossa qualidade de vida.

Justiça Em Foco: Alguns integrantes do MPF têm criticado a indicação do Procurador-geral da República pela chamada tríplice por criar o chamado “estabilhsment de poder”. O senhor acredita que esse modelo de escolha seja eficaz?
Fábio George:
 A lista tríplice é uma garantia fundamental de autonomia e independência na atuação do Ministério Público Federal, ao propiciar a escolha de alguém com representatividade e liderança institucional. Também é uma garantia de acompanhamento e escrutínio da imprensa e da própria sociedade sobre quem se dispõe a exercer um dos cargos mais importantes do país, na medida em que a postulação pública dessas candidaturas permite, através das campanhas, entrevistas e debates realizados, uma avaliação e crítica do preparo, das opiniões e dos compromissos desses candidatos. 

Quem acompanha, de perto, o histórico de realização da lista tríplice no Ministério Público Federal sabe que é uma completa falácia essa alegada correlação do procedimento com o atendimento de demandas eminentemente corporativistas pelos procuradores-gerais que acabaram sendo eleitos e nomeados. Nos últimos 16 anos, do procurador-geral Cláudio Fonteles até a atual, Raquel Dodge, todos escolhidos em listra tríplice e com longa folha de serviços prestados ao país, nenhum deles, sem exceção, ostentou no exercício de suas funções um perfil corporativista. A lista tríplice serve, portanto, ao fortalecimento da democracia interna e, também, como mecanismo garantidor de transparência externa.

Justiça Em Foco: O Ministério Público deveria reformular a sua maneira de atuação?
Fábio George:
 O Ministério Público precisa aperfeiçoar, constantemente, a sua atuação, como todas as demais instituições que compõem o sistema de justiça em nosso país. Por isso, o processo de reformulação deve ser constante, permanente. O Ministério Público tem a missão de contribuir, diariamente, para o fortalecimento da cidadania em nosso país. Muito temos feito. Mas muito ainda há por fazer, em um país com tantas carências e desigualdades.

Justiça Em Foco: Como a sociedade brasileira pode contribuir para uma atuação eficaz do Ministério Público e da ANPR?
Fábio George: 
O Ministério Público brasileiro tem a feição, única no mundo, de representar a sociedade nas mais diversas áreas de defesa coletiva. A instituição não existe e não tem razão de ser se não estiver próxima, em sincronia e atenta às demandas da sociedade. Somente podemos exercer bem o nosso papel de defensores dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis se compreendermos bem isso. 

Nas últimas décadas, o Ministério Público avançou muito em relação ao combate à corrupção, à defesa do meio ambiente, dos direitos fundamentais, do patrimônio público, histórico e paisagístico, entre outros. Isso se deu, principalmente, por ter a sociedade como parceira e fiadora da instituição. A força que a sociedade nos dá é essencial para que possamos agir, enquanto instituição, em prol dela.

Justiça Em Foco: Sobre o atual cenário político brasileiro, como fica a atuação do MP em um cenário de polarização política?
Fábio George: 
Vivemos em um período, no mundo, em nosso país, e por que não dizer também na nossa instituição, muito complexo. Tempo de polarização, de conflitos aguçados, de dificuldade de diálogo e de obtenção de consensos. Diante desse cenário, precisamos seguir dialogando e juntos, caminhar unidos, deixar eventuais divergências de lado. Abrir mão de vaidades, projetos pessoais, pensar no coletivo, no fortalecimento institucional. 
Ninguém é indispensável no Ministério Público Federal.

Indispensável é a instituição para o país, somos todos nós juntos. Em segundo lugar, em qualquer época, mas especialmente em período de crises, não podemos esquecer que há valores fundamentais que guiaram a nossa caminhada, os nossos passos, até aqui. São nossas raízes, o que sustenta a nossa força, o que ajudou a construir a nossa história: os valores humanos, democráticos e republicanos.

Justiça Em Foco: De qual maneira a ANPR estuda a possibilidade de modernizar na atuação em ações de combate ao crime, como a Operação Lava-Jato, por exemplo?
Fábio George:
 A ANPR não atua diretamente no combate à corrupção, por ser uma entidade representativa, mas oferecemos todo o apoio e a defesa necessários para que os procuradores da República, categoria que representamos, exerçam suas funções com independência e da melhor maneira possível. Também buscamos auxiliar a Administração do MPF com ideias sobre modernização e desburocratização dos processos de trabalho, bem como dialogamos com os demais Poderes, como o Legislativo, para que ocorra o aperfeiçoamento da legislação em nosso país, de forma a propiciar um melhor exercício de nossas funções.

Fonte: Justiça Em Foco – Por Mário Benisti – Foto: ANPR/Flickr


 

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