A três dias do fechamento, catadores resistem ao fim do Lixão da Estrutural

Faltam três dias para o fechamento do aterro da Estrutural, o maior da América Latina. Galpões de reciclagem em fase de estruturação e perspectiva de menor rendimento fazem com que catadores resistam à nova fase do lixo

A três dias do fechamento do Lixão da Estrutural, o destino dos cerca de 2 mil catadores que sobrevivem do lixo segue incerto. Os cinco galpões onde eles trabalharão ainda estão em fase de estruturação. Representantes da categoria reclamam da falta de maquinário e da chegada de material insuficiente para que os trabalhadores consigam uma renda.  Enquanto isso, o aluguel desses locais, que começou a ser pago no ano passado, custou até agora R$ 630 mil ao Governo do Distrito Federal. Além disso, o Executivo local gastou mais de R$ 1,6 milhão em equipamentos, em fase de implementação.

 A ideia de utilizar os galpões surgiu no fim do ano passado. Eles ficam no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), no Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA), no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (SAAN) e em Ceilândia, único que ainda não está em funcionamento, mas que deve ser inaugurado hoje. São sete cooperativas contratadas para explorar os depósitos, que devem comportar cerca de 1,1 mil trabalhadores. O contrato de aluguel é de um ano, mas pode ser prorrogado.

A tentativa de desativar o Lixão ocorre há anos na capital. O depósito é considerado irregular desde 1981 pela Política Nacional do Meio Ambiente e, desde 1998, pela Lei de Crimes Ambientais. O processo de fechamento começou em 2015 e estava previsto para ser concluído em outubro de 2017. No entanto, o prazo precisou ser adiado porque o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) fechou um acordo com cooperativas de catadores de materiais recicláveis em atuação no local. À época, o valor pela tonelada de materiais era de R$ 92 e subiu para até R$ 350.

Mesmo com o encerramento, o Lixão continuará a receber resíduos da construção civil e materiais que não comprometam o meio ambiente. De acordo com o Serviço de Limpeza Urbana (SLU), após 20 de janeiro, o local ficará fechado por oito dias para o aterramento dos rejeitos. Será reaberto no dia 29. O órgão ressalta que só transportadoras cadastradas poderão fazer o descarte no local, com pagamento por tonelada.

A presidente da Central de Cooperativas de Materiais Recicláveis do DF (Centcoop-DF), Aline Sousa da Silva, afirma que os catadores enfrentam dificuldade para se adaptar aos galpões. “A gente sabe que o Lixão precisa ser fechado, até por uma questão ambiental. Mas as condições que os catadores precisam para trabalhar não estão sendo oferecidas de forma efetiva”, comenta. Segundo ela, o material que chega a esses espaços é insuficiente para que os trabalhadores atinjam a meta diária para ter a remuneração, que é de 70kg.

Para ela, o número de catadores independentes pelas ruas do DF também deve aumentar a partir do fechamento do Lixão. “Há um número muito maior de pessoas em busca de materiais recicláveis pelas ruas desde o ano passado, quando fizeram o anúncio do fechamento. A tendência é crescer”, alerta. Aline defende que o ideal seria a implementação da coleta seletiva na capital federal. Com isso, os materiais chegariam aos galpões e garantiriam o trabalho para os catadores. “Hoje, muitos vão trabalhar nas novas instalações e ficam sem fazer nada por falta de demanda”, queixa-se.
Sustento

Do Lixão da Estrutural, Leopoldina dos Santos Ferreira, 57 anos, se mantém desde 1999. Com o dinheiro arrecado lá, a catadora construiu uma casa e criou os filhos. Além disso, ela criou laços. Tiazinha, como é conhecida, montou um grupo de sete mulheres que, diariamente, vão até as montanhas de lixo tirar o sustento. Apesar das condições insalubres, a notícia do fechamento arranca lágrimas da catadora. “Comecei a trabalhar no peito e na raça e agora não sei o que vou fazer. Construí a minha vida na invasão da Estrutural e com o lixo que vem do resto do DF. Muita gente aqui vai ficar sem chão”, lamenta.

Leopoldina se recusa a trabalhar nos galpões fornecidos pelo GDF. Segundo ela, o valor pago é inferior ao que eles conseguem no Lixão. “Aqui, eu ganhava até R$ 1,5 mil por mês. Não posso ir para um lugar que não pagará nem o que eu vou gastar de passagem”, reclama. Ela é viúva e tem uma filha com deficiência auditiva. Os outros dois filhos se casaram e foram morar em outros pontos do DF. Porém, as condições desfavoráveis não tiram a fé da catadora. “O diabo fecha uma porta e Deus abre outra. Tenho certeza de que vou dar um jeito, só ainda não sei como”, emociona-se.

O casal Damião Firmino de Oliveira, 43, e Damiana Florência Barbosa, 42, chegou à capital em 2011 e, desde então, encontra no Lixão uma oportunidade para sobreviver. Ambos também não trabalharão nos galpões de reciclagem do governo. “Temos família na Paraíba e vamos voltar para lá. A gente consegue um serviço de um ou dois dias e vamos nos virando”, diz Damião. Eles consideram baixo o valor pago aos catadores dos novos depósitos.

Ainda assim, o catador Vantuil Costa, 44, vai aderir ao trabalho nos galpões. Ele nasceu em Minas Gerais e cresceu em fazendas de Goiás. Veio para o DF em 2008. “Não tenho opção. Tenho três filhos, a minha mulher está desempregada e preciso de uma colocação”, desabafa. Ele reconhece que as condições de trabalho serão melhores, mas há dúvidas quanto à remuneração. “Consigo ganhar até R$ 2 mil quando o material que chega é bom. Agora, vou receber bem menos. Se não der certo, vou voltar para o Goiás e tentar outro tipo de ocupação”, revela.

 

Fonte: Correio Braziliense – Foto: Equipe CB

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