Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Por Percival Puggina (*)
“Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. Compromisso proferido pelos congressistas no ato de posse.
A imensa parcela da nação que tem juízo, trabalha, paga impostos e respeita as leis se perturba ante a conduta de tantos deputados e senadores. Afinal, pronunciaram tais palavras perante seus eleitores, tendo por orgulhosas testemunhas os próprios familiares! A maioria deles, porém, jogou as promessas aos ventos e a Constituição jaz indefesa, no chão dos interesses políticos, mera caixa de ferramentas de um regime que se deformou e ficou irreconhecível.
E agora, senhores? Feitas as louváveis exceções depositárias de nossas esperanças, tendes os pés enfiados na lama do descrédito, depreciais a democracia, não defendeis a Constituição nem as leis que votais. Para escândalo da pátria, numa expiação às avessas, jogais no precipício as virtudes que ela civicamente reclama. O parlamento é o principal poder de Estado, representante legítimo do povo. Vossas omissões lesam gravemente a sociedade.
Nada diferente se espere do lado direito da Praça dos Três Poderes. Ali, o STF é um poder não eleito, cuja ampla maioria foi escolhida a dedo pelo poder instalado do lado esquerdo ao longo de muitos anos. Quando faz política, sempre excede os próprios limites.
Para o grupo dirigente do país, quanto pior, quanto mais nanico, quanto mais comercial for o parlamento (R$ 30 bi em emendas até as “democráticas” eleições de outubro), melhor para o Palácio do Planalto. Sabem por quê? Porque aquele poder, em tudo que realmente interessa, é igualmente nanico, reles e perdulário. O que tem ocorrido no Brasil é incompatível com um legislativo que se desse o respeito.
Esse mal já contamina a nação. Poderosos veículos de imprensa, tendo perdido parcela importante de mercado e de anunciantes para o jornalismo que atua nas redes sociais, se tornaram dependentes do Estado como aqueles milhões do Bolsa Família cuja pobreza tanto a ele convém. Quanto maior for a censura às redes sociais, maiores os louvores dessa mídia ao Supremo e ao governo.
Como consequência, também, das omissões do Congresso, milhões de brasileiros escarnecem e riem tresloucados quando sabem que o Brasil tem mais presos políticos do que Cuba. Mas foi nessa toada que Clezão morreu, que uma jovem mãe de família, com filhos pequenos, está presa há quase 500 dias por haver escrito, com toco de batom, “Perdeu Mané” na estátua da deusa Têmis! Ela é acusada, perante o STF, de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. Tenha dó e não ria porque não tem graça!
Berram aos sentidos humanos a desproporção, a conduta perversa, a perda do senso de humanidade desses julgamentos pelo STF. Berra, também, a omissão do presidente do Senado e seus fiéis seguidores perante o que juraram fazer. Sabemos que o Senado é um paraíso onde não se entra de folha de parreira, mas de gravata. Como está vossa testosterona, senhores? Como estão vossos sentimentos maternos, senhoras? Cumpram o juramento que fizeram! Não subscrevam essa forma de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” através das instituições da República.
É o que está acontecendo pela anulação do Congresso e mediante o arbítrio e a violência praticados contra seres humanos reais, cidadãos comuns, pessoas humildes arrebanhadas nos dias 8 e 9 de janeiro do ano passado, que estão sendo julgadas, tratadas e condenadas de um modo desproporcional e cruel.
(*) Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o DF In Foco News
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