Alvo da Panatenaico, Via vence pregão para refazer viaduto que caiu
A empreiteira apresentou o menor preço e ganhou concorrência do DER, que é questionada no Tribunal de Contas do DF
Proibida em 25 de abril deste ano pela Justiça Federal de fechar contratos com o poder público, a Via Engenharia ganhou o pregão para reconstruir o viaduto sob a Galeria dos Estados, no Eixão Sul, que desabou no dia 6 de fevereiro. Um dos alvos da Operação Panatenaico, a empreiteira apresentou o menor preço entre as cinco concorrentes e venceu o certame ocorrido nesta quinta-feira (16/8), na sede do Departamento de Estradas de Rodagem (DER).
A empresa se propôs a fazer a obra por R$ 10,9 milhões, R$ 1,9 milhão a menos do que o preço estimado pelo governo. Em abril deste ano, a juíza Pollyana Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, da 12ª Vara Federal no DF, aceitou denúncia contra 12 investigados pela Polícia Federal no âmbito da Panatenaico, conforme revelado pelo Metrópoles. Entre eles, o dono da Via Engenharia, Fernando Márcio Queiroz. A magistrada também proibiu a empreiteira de fechar contratos com o GDF.
“Conseguimos reverter a decisão há muito tempo”, disse o representante da Via no pregão, o gerente de Orçamentos Rafael Ferreira Meireles, sem dar mais detalhes. A empresa consta como credenciada no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf) do Ministério do Planejamento, que permite o registro cadastral gratuito dos fornecedores dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, indireta, autárquica e fundacional.
A pregoeira Ana Hilda Carmo da Silva destacou, enquanto avaliava a documentação da empresa, que não havia nenhuma ocorrência ativa relacionada à Via Engenharia no Sicaf, portanto, foi acatado o menor preço. O DER promete se manifestar por meio de nota oficial sobre a escolha.
No pregão, ganha quem apresentar a proposta com menor preço. A expectativa do GDF é fechar contrato com a vencedora de 15 a 20 dias após a divulgação do resultado. O tempo previsto para execução da reforma do elevado do Eixão é de cinco meses, ao custo de até R$ 12,8 milhões.
Panatenaico
Segundo a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, a Via está envolvida em um dos maiores esquemas de corrupção da capital do país, que desviou recursos nas obras de reforma do Estádio Nacional Mané Garrincha para a Copa do Mundo de 2014. Orçada em R$ 600 milhões, a arena brasiliense custou mais de R$ 1,6 bilhão. Estima-se que R$ 900 milhões tenham sido superfaturados.
Fernando Queiroz, dono da Via, é um dos 12 réus da Panatenaico, assim como os ex-governadores José Roberto Arruda, Agnelo Queiroz (PT) e o ex-vice-governador do DF Tadeu Filippelli (MDB). A partir das delações premiadas de ex-executivos das empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht, foram identificados repasses aos três políticos, que chegaram a ser presos na época da operação.
Ainda de acordo com os delatores, as empreiteiras, incluindo a Via, fizeram acordos de mercado, combinação de preços, cobertura de licitação. As práticas ilegais do chamado Clube das Empreiteiras – grupo formado pelas maiores construtoras do país e que teve a atuação investigada pela Operação Lava Jato – foram replicadas pelas companhias que tocaram importantes obras no Distrito Federal, como a reforma do Mané Garrincha e a construção do BRT e Centro Administrativo (Centrad).
Concorrentes vão questionar
As concorrentes da Via Engenharia no pregão desta quinta foram: Concrepoxi Engenharia, Construtora LDN, Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia e Construtora Concretiza. A partir do resultado, as companhias têm até três dias úteis para entrar com recurso.
Duas empresas prometem questionar o certame. “O preço foi muito abaixo. Eu tinha um valor mínimo para chegar”, avaliou o diretor comercial da Concrejado, Ronaldo Ritti. O sócio-diretor da Concrepoxi, Luiz Eduardo Pessoa de Melo, disse vai entrar com recurso para ver se há algum erro na parte contábil e na documentação da vencedora. A empresa dele ficou em segundo lugar na disputa, com preço oferecido de R$ 10.950.000.
O Metrópoles acionou a área jurídica da Via, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
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Imbróglios
Desde 6 de fevereiro, quando desabou o viaduto, surgiram embaraços relacionados à responsabilização pelo desastre e ao projeto de recuperação da estrutura. Seis meses depois, o pregão para a escolha da empresa foi contestado.
O argumento é que legislações vigentes proíbem expressamente a contratação de serviços de engenharia por meio da modalidade, como estabelecem os Decretos nº 3.555/2000 e 5.450/2005.
Uma representação exigindo a suspensão do Edital nº 01/2018-DER/DF foi protocolada no Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) na tarde de terça-feira (14) pelo deputado distrital e vice-presidente da Câmara Legislativa, Wellington Luiz (MDB). O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) também se posiciona contra os trâmites empregados para a seleção da construtora. A Corte deu cinco dias para o GDF se manifestar sobre o questionamento.
O processo para aprovação do projeto teve impasses logo no início. A primeira versão foi rejeitada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-DF), pois previa uma mudança arquitetônica nos pilares de sustentação da estrutura. O GDF optou por grandes colunas a fim de tentar evitar a demolição total do viaduto, mesmo sendo alertado dos riscos por uma comissão formada por especialistas da UnB. Três dias depois, o governo distrital apresentou novo planejamento, dessa vez readequando o desenho, medida que resolveu o imbróglio.
Decisão contestável
Passados meses da queda, a pressa para a contratação da empresa em realizar a obra tem uma razão: um acordo selado pela Justiça Federal em 14 de junho, resultado de uma ação civil pública proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil do DF (OAB-DF), que acusava o governo local de ser inerte e apontava riscos de novos desabamentos. A decisão deu ao GDF prazo até 15 de setembro de 2018 para que seja iniciada a reconstrução do viaduto, caso contrário, teria de pagar multa diária de R$ 20 mil.
Na ocasião do acordo, a juíza Diana Wanderlei, da 5ª Vara Federal Cível, dispensou licitação para realização da obra, considerando tratar-se de situação de emergência com riscos à população. Embora o DER tenha acrescentado ao certame o trecho da audiência a fim de justificar a dispensa de concorrência pública, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) recorreu à mesma Lei de Licitações para contestar a celebração de convênios com construtoras por meio de pregão.
Vice-presidente do Confea, o conselheiro federal Edson Alves Delgado explica que o tema é discutido desde 2007, sendo tal modalidade não considerada segura pelo Conselho.“ O pregão pode encontrar o melhor preço, mas ele não está atrelado à qualidade e à segurança da obra. É uma economia que não garante qualidade”, afirma.
O engenheiro e ex-professor da Universidade de Brasília João Carlos Teatini também contesta a contratação via pregão e afirma: o edital foi feito de forma “irresponsável”. “Considero uma forma quase clandestina”, disse.
Chama atenção o posicionamento do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-DF) em relação ao episódio. A entidade alega não ter pedido a impugnação do pregão “dada a circunstância judicial envolvendo o viaduto”. No entanto, em 30 de julho, o Crea-DF resolveu socorrer-se da legislação para suspender o Pregão Eletrônico nº 16-2018, que se propunha a escolher empresa de engenharia de pavimentação para asfaltar os acessos da Central de Abastecimento do DF (Ceasa-DF).
Quem engrossa o coro daqueles que consideram o edital ilegal é o ex-diretor do DER e ex-presidente do Confea e do Crea-DF Henrique Luduvice: “Registro que não há previsão na legislação, seja em leis, decretos ou jurisprudências, para que se realize qualquer contratação de obras de engenharia utilizando-se a modalidade pregão”, disse. “Surpreende o fato de que o DER, até recentemente uma referência junto ao TCDF em processos licitatórios, apresente à sociedade, nesta gestão, uma ilegalidade desta magnitude”, completou.
Outro lado
O DER informou que, segundo decisão judicial de 14 de junho de 2018, houve dispensa da licitação para as obras do viaduto. A escolha pelo pregão presencial, segundo o órgão, tem como objetivo garantir a competitividade, transparência e economicidade no processo, sem perder a celeridade. O DER não respondeu se considera a obra um “serviço comum”.
Michael Melo/Metrópoles
Fonte: Metrópoles
Foto: Michael Melo/Metrópoles