Artistas e comerciantes criam estratégias para driblar Lei do Silêncio
Em entrevista ao Metrópoles, músicos e donos de bares exigem rapidez na votação da reforma da legislação, que segue parada na CLDF
Modificações estruturais, mudanças nos horários dos shows e política de boa vizinhança. Enquanto a Câmara dos Deputados protela a votação do Projeto de Lei nº 445/2015 – pauta que flexibiliza a Lei do Silêncio (nº 4.092, de 2008) – artistas e comerciantes de Brasília resistem, como podem, para manter vivo o som da capital.
Após mais de 200 estabelecimentos fecharem nos últimos dois anos, segundo informações divulgadas pelo Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes (Sindhobar) do Distrito Federal, a quantidade de espaços com música ao vivo reduziram drasticamente. Os que insistem em oferecer programação dessa natureza, entre eles, o Feitiço Mineiro (306 Norte), Bar Brahma (201 Sul) e o Zepelim (Guará II), acabaram tornando-se reduto disputado pelos artistas – reféns de um mercado cada dia mais inchado.
“A dificuldade tem sido grande, sem lugares para tocar, muitos cantores e instrumentistas precisam ir atrás de outras maneiras de sustento, pois viver só de música não está sendo possível”, afirma o produtor cultural Breno Alves. De acordo com o sambista, os músicos viram na união uma forma de passar pela crise imposta pela lei. “Nos mobilizamos para produzir nossos próprios projetos, em espaços distantes de áreas residenciais, e temos buscado o auxílio de investimento público, como o FAC”, completa.
Para Renato Azambuja, integrante da banda Surf Sessions, a Lei do Silêncio priva o crescimento empresarial e artístico da capital federal. O percussionista conta, ainda, que para não perderem as poucas oportunidades, eles tentam se enquadrar nas novas configurações dos bares. “Brasília corre o risco de se transformar numa cidade burocrática e sem graça”, pontua.
“A adaptação à realidade da lei parte das casas e dos bares, que precisam se adequar para ter uma programação. Os músicos, paralelamente, se enquadram na logística em prol do estabelecimento e da carreira” Renato Azambuja
“Músico não é vagabundo”
A cantora Renata Jambeiro, umas das responsáveis por levar o nome de Brasília a vários estados, diz que a demora na votação do projeto de lei é mais um engodo político. “É de uma deselegância e um descompromisso mortal com os artistas”, ressalta.
Jambeiro considera essencial um debate mais amplo entre a classe artística, os comerciantes e a população. “As pessoas estão sem trabalho, se estapeando por palcos. A sociedade precisa entender que músico não é vagabundo”, pondera a cantora. A artista relembra o legado de nomes como a Legião Urbana. “Eles eram livres para tocar e transformaram Brasília na Capital do Rock”, ressalta.
Por conta dos rígidos limites da Lei do Silêncio, o choro tornou-se o principal ritmo exportado pela cidade, com destaque para Dudu Maia, Ian Coury e Fernando Cesar. Boa parte do sucesso desse gênero se deve à forte programação de resistência do Clube do Choro (Eixo Monumental).
Outro lugar de luta é o Zepelim (Guará II). O local abre espaço de terça a domingo para artistas autorais de todo o Distrito Federal, mas vê com tristeza a diminuição do público, devido às medidas necessárias para abafar o som. O proprietário, Guilherme Allmind, instalou uma porta de vidro para se adequar aos limites do volume, porém, a mudança impossibilita acompanhar os shows da varanda do estabelecimento.
Allmind vê nas bandas as maiores prejudicadas. “Aqui nós damos 100% do valor arrecadado com o couvert ao músico, se diminui a quantidade de frequentadores, reduz o cachê”, pondera. Jambeiro corrobora: “Muitas vezes, os músicos recusam convites, pois não vale a pena financeiramente”.
Mais tolerância de todos os lados
De acordo com avaliação do diretor executivo do Grupo Ferreira, responsável por lugares como o Feitiço Mineiro e o Bar Brahma, Mauro Calichman, o maior problema é a intolerância bilateral. Depois de ver seus estabelecimentos autuados e interditados, percebeu que precisava apenas de uma conversa sincera com os moradores para acabar com os protestos.
“Engessaram Brasília muito cedo. O tombamento tem esse lado perverso, mas o caminho é o do diálogo, da boa vontade” Mauro Calichman
O executivo relata ter ido até a casa de um dos reclamantes e dado seu telefone pessoal para que o aposentado ligasse primeiro para ele, em vez de procurar direto o Instituto Brasília Ambiental (Ibram). “Ele entra em contato e nós abaixamos o som imediatamente. Depois disso, viramos amigos e ele passou a frequentar a feijoada com samba que organizamos”, relata Mauro.
Até mesmo um dos “mais problemáticos” moradores da quadra passou a frequentar o estabelecimento. “Também tenho filhas pequenas e não gosto de barulho embaixo da minha janela. Mas é preciso um consenso, equilíbrio e respeito mútuo. Nenhum dos lados age por falta de caráter”, garante Mauro Calichman.
Falta coragem!
Autor do projeto de lei estacionado na Câmara Legislativa, o deputado Ricardo Vale (PT) lamenta ver três anos de debate não terem chegado a uma conclusão. “O prejuízo está provado social e economicamente, sobretudo na questão do emprego. Acontece que a pressão das eleições intimidou o setor mais conservador da casa”, reclama.
Já para Agaciel Maia (PR), integrante da base do governo, houve um desarranjo muito grande no projeto original. A proposta em tramitação permite que, à noite, possam ser emitidos sons até 70 decibéis e, de dia, até 75. A lei do silêncio, hoje em vigor, permite a emissão de até 55 decibéis durante a noite, e até 65 de dia. “Essa deformação no conteúdo dificultou avançar a matéria. A pauta se transformou em uma proposição de apenas um deputado”, pontua Agaciel.
Fonte: Metrópoles
Arte: Kacio Pacheco/Metrópoles