Auditoria da CGU aponta irregularidades de quase R$ 75 milhões na UnB
Devassa explica, em parte, a situação da universidade em 2018, quando ameaçou suspender as aulas por causa da crise financeira
Relatório preliminar de auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) aponta diversas irregularidades na Universidade de Brasília (UnB), que somam quase R$ 75 milhões. O valor pode ser ainda maior, levando-se em conta que algumas falhas encontradas não foram quantificadas, como a generalização da flexibilização da jornada de trabalho e a redução do horário de expediente sem o devido desconto no contracheque.
A auditoria foi realizada no exercício de 2017 e explica, em parte, a situação da universidade em 2018, quando ameaçou suspender as aulas por causa da crise financeira. Há cinco meses, a estimativa era fechar o ano com um rombo de R$ 92,3 milhões.
O principal problema encontrado pela CGU foi a falta de pagamento pelo Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe, o antigo Cespe) de R$ 64 milhões pelo uso de bens móveis e imóveis da Fundação Universidade de Brasília (FUB). Já na folha de pessoal, foram encontradas “inconsistências” com “prejuízo potencial ao erário” de R$ 4 milhões, por pagamento de benefício indevido aos servidores.
Outra questão grave apontada pelos auditores é a concessão de espaços da universidade por valores bem aquém dos praticados pelo mercado. Neste caso, a instituição teria deixado de arrecadar cerca de R$ 5 milhões. Por outro lado, o levantamento revelou que, na hora de contratar locais para abrigar suas unidades, a UnB nem sequer fez pesquisas mercadológicas, e isso pode ter causado prejuízo de pelo menos R$ 1,2 milhão aos cofres públicos.
“Consideram-se graves os apontamentos relativos às deficiências na gestão imobiliária da FUB, alguns dos quais com relevante impacto patrimonial. As análises realizadas evidenciaram a necessidade de melhorias na gestão de uso do espaço físico da universidade” Trecho do relatório da auditoria
Segundo a CGU, parte significativa das impropriedades possuem origem em gestões anteriores, “algumas das quais perduram por décadas”.
O documento, de 112 páginas, revela ainda que, durante a auditoria, a FUB foi “intempestiva” na apresentação de informações e não demonstrou parte dos processos solicitados, especialmente aqueles relacionados à gestão de espaço físico na universidade, devido principalmente à ausência de formalização dos processos de outorga desses locais.
Cebraspe
A situação mais grave é a do Cebraspe. Foi apurado débito de R$ 16.574.759,50 a ser pago pela banca organizadora de concursos, a título de cessão onerosa dos bens imóveis de propriedade da FUB correspondente ao período de fevereiro de 2014 a janeiro de 2018, prevista em contrato.
Além disso, segundo registros contidos em relatório de auditoria interna, apurou-se que a FUB deveria receber do Cebraspe R$ 59,3 milhões, relativos ao Cespe, pelo uso de seu patrimônio intangível. Porém, teriam sido pagos apenas R$ 24,7 milhões até maio de 2017, sem a quitação do débito.
Espaços no campus
A auditoria verificou também que não houve procedimentos licitatórios prévios à concessão de espaço físico, nem a devida manifestação da Procuradoria Jurídica da UnB, em nenhum dos 18 processos analisados. Em outros 14 casos, não constavam contratos vigentes, denotando situação de informalidade das outorgas.
Nos processos de outorga de espaços físicos constantes da amostra analisada, observou-se ausência de laudos técnicos ou levantamentos de valores realizados pela FUB a fim de verificar a compatibilidade das quantias cobradas dos outorgados com as praticadas no mercado.
“É válido ressaltar que foi realizado, por meio de consultoria especializada contratada em 2015, um levantamento de valores mínimo, médio e máximo passíveis de serem cobrados aos outorgados de espaços físicos na FUB, no entanto, nos processos analisados, não houve qualquer registro de licitação, repactuação ou mesmo de negociação para que os valores pagos correspondessem aos de mercado. Fazer a avaliação de um imóvel a fim de alugá-lo é fundamental para estipular um preço justo para o espaço” Trecho do relatório
Também entrou no crivo dos auditores a cessão do espaço onde funciona atualmente um posto de combustível dentro do campus Darcy Ribeiro, na Asa Norte. Segundo o documento, em 2005 foi fixado valor de R$ 7 mil como contrapartida pecuniária mensal a favor da FUB. Com base nos comprovantes de repasses realizados no exercício de 2017, verificou-se que a quantia mensal paga em dezembro daquele ano foi de R$ 11.558,89.
Porém, de acordo com laudo elaborado a pedido da Secretaria de Gestão Patrimonial da UnB, o valor locatício estimado em 2013 para o posto foi de R$ 38.283 e, em 2015, o aluguel mínimo estimado para a área foi de R$ 55.658,31. Ou seja, a UnB está recebendo quase cinco vezes a menos.
Ao analisar o pagamento feito por outros 23 permissionários (bancas, lanchonetes e quiosques), a análise indicou que os montantes pagos estavam abaixo do valor mínimo de mercado estimado por consultoria contratada pela própria UnB em 2015.
“Dessa forma, considerando a comparação de valores realizada por permissionário, entre o que foi recebido e o estipulado como valor de mercado, observou-se – para a amostra selecionada – uma diferença de valor total a receber por mês de, no mínimo, R$ 101.003,20. Considerando os exercícios 2016 e 2017, projeta-se uma diferença total a receber de, no mínimo, R$ 2,4 milhões”, destaca o relatório.
Folha de pessoal
De acordo com a auditoria, as irregularidades continuam na folha de pagamento dos servidores. Ao todo, foram registradas 211 ocorrências de indícios de problemas. Constatou-se, por exemplo, diversas impropriedades nos processos que tratam da flexibilização da jornada na FUB, concedidas de “forma generalizada para todos os seus servidores”.
De acordo com os auditores, “descontando-se os servidores com função ou cargo em comissão, dado que, por decreto, estão impedidos de terem essa flexibilização, chega-se ao percentual de 99% de servidores com horário flexibilizado dentre os setores com processo aprovado”.
Para regularizar todos os problemas, a CGU deu prazos que variam entre 30 e 180 dias à Universidade de Brasília. Além disso, determinou o cancelamento de pagamentos de vantagem indevida a 199 servidores, que oneraram em R$ 4 milhões as despesas com pessoal na instituição, e a suspensão imediata da flexibilização da jornada de trabalho no âmbito da FUB.
O outro lado
Em nota, a UnB informou que o relatório é relativo às contas de 2017, “mas abrange período superior a 25 anos”. De acordo com a instituição, o documento será respondido até o final desta semana, e “muitas das questões levantadas decorrem de pedidos de auditoria e de providências da atual administração da universidade”.
Em relação aos apontamentos relativos à folha de pagamento, “algumas questões haviam sido identificadas pela equipe de gestão de pessoas da universidade e já foram sanadas. Outros achados descritos no relatório referem-se a processos muito antigos e estão sendo devidamente averiguados”.
Sobre o contrato de gestão do Cebraspe, assinado em 2014, “estão sendo feitas tratativas com a direção do Centro para resolver pendências e divergências existentes de ambas as partes”.
Quanto ao pagamento de taxa de concessão pela utilização dos espaços físicos, a UnB, segundo nota, “segue sistemática definida pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Ainda assim, a administração vem pedindo auditorias e revisões em muitos contratos, como é o caso do posto de gasolina – atualmente, em fase de rescisão”.
Para a universidade, “alguns dados e interpretações do documento, entretanto, possuem equívocos que foram relatados à equipe de auditores. Esses apontamentos farão parte das respostas que a UnB dará à CGU nos próximos dias”, finaliza a nota.
Fonte: Metrópoles
Por Maria Eugênia / Nathália Cardim
Foto: Reprodução