Aumentar salário de juízes é desconhecer realidade, diz economista

 

Especialista em distribuição de renda, ele afirma que os servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público estão no topo da pirâmide brasileira

defesa do aumento de 16,38% nos salários de juízes e procuradores federais demonstra falta de sensibilidade e desconhecimento da realidade brasileira, na avaliação do economista Carlos Góes, que esteve na SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) até o último dia 10.

Especialista em estudos sobre distribuição de renda, ele afirma que os servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público estão no topo do andar de cima da pirâmide brasileira, com rendimentos que permaneceram intactos mesmo durante o pior período da recessão, quando boa dos trabalhadores viu sua renda derreter.

“Temos uma limitação orçamentária, que nos obriga a fazer escolhas. Talvez a melhor escolha não seja fazer um gasto para aumentar os rendimentos de quem já está no 0,5% mais rico”, afirmou.

– O reajuste de 16,38% a juízes e procuradores deve aumentar a desigualdade?

Vai aumentar, sem dúvida. O impacto direto do reajuste é nos juízes e procuradores, mas há o impacto indireto, por meio do aumento do teto do funcionalismo.

Na medida em que esse teto sobe, todas as carreiras de elite de servidores podem ter aumento em seus rendimentos.

Os funcionários públicos federais são desproporcionalmente concentrados entre os mais ricos no Brasil – 6 em cada 10 estão entre os 10% mais ricos.

Entre os trabalhadores do setor privado, essa proporção é de 1 em cada 10. Além disso, houve um descolamento nos últimos 15 anos no comportamento dos salários do funcionalismo público e os do resto dos trabalhadores.

 Que descolamento?

O salário real do funcionalismo aumentou mais do que o salário real médio dos trabalhadores do setor privado.

Entre 2005 e 2015, o salário real dos servidores aumentou cerca de 40%, e o do setor privado médio 20% [apenas os trabalhadores formalizados, com carteira de trabalho assinada].

Portanto, uma vez que se tenha esse novo aumento proporcionalmente maior, há efeito sobre a desigualdade.

Mesmo controlando por características de região, indústria, gênero, nível gerencial e escolaridade, uma das coisas que encontramos no nosso trabalho é que existe um prêmio para o trabalhador com as mesmas características mudar do setor privado para o público.

Esse prêmio varia de 20%, para os trabalhadores de nível superior, até 50%, para os trabalhadores de mais baixa qualificação. Ou seja, existe um prêmio para um trabalhador com as mesmas características se mover do setor privado para a área pública.

 É diferente em outros países?

O prêmio do funcionalismo existe em outros países, mas o Brasil está acima da média. Nos EUA, por exemplo, os prêmios são de 5% e 10%.

– Por que o salário do funcionalismo ganhou mais do que o do setor privado?

Vários motivos, entre eles a dinâmica de negociação. Há sindicatos muito fortes no serviço público e passamos um por um boom econômico, em que o governo tinha muitas receitas.

Poderíamos ter feito outras coisas com essas receitas, investido no ensino básico ou ampliado o superavit primário para abater a dívida, mas na dinâmica política uma das coisas que se disputa é o ganho salarial do funcionalismo.

Isso é um problema, porque tivemos um aumento cíclico de receitas, que tinha a ver com com a expansão e a valorização das commodities. Mas o aumento do salário do funcionalismo é permanente.

Então quando se chega a uma situação de crise, como agora, quando a receita cai e a despesa é permanente, há um desequilíbrio fiscal forte.

– Olhando apenas o funcionalismo, juízes e procuradores estão no topo da renda desse grupo?

O funcionalismo federal de um modo geral já está na elite. E, dentro dessa elite, membros do judiciário estão mais ainda nessa elite.

Todo ano, a Receita divulga os grandes números da declaração do Imposto de Renda com os rendimentos de diversas categorias. Juízes e procuradores sempre estão entre as primeiras [em 2016, foram a segunda e a terceira, atrás apenas de titulares de cartório].

Os dados de 2007 a 2016 mostram que os rendimentos totais dessas ocupações, já ajustados pela inflação, são em média de R$ 52.000 mensais. Isso conta todos os rendimentos tributáveis (salários e investimentos privados) e não tributáveis (auxílio-moradia, verba indenizatória, diárias).

Neste período, eles conseguiram manter os rendimentos estáveis, ou seja, não houve perda real. Além disso, seus rendimentos estão em nível muito alto para a realidade brasileira. A renda média no país é de pouco mais de R$ 2.000 mensais.

Obviamente, se der aumentos para quem já está no 0,5% mais rico, isso terá um efeito deletério sobre a desigualdade. Precisamos ter uma preocupação ainda maior no momento em que o país vive uma crise fiscal.

Temos uma limitação orçamentária, que nos obriga a fazer escolhas. Talvez a melhor escolha não seja fazer um gasto para aumentar os rendimentos de quem já está no 0,5% mais rico.

– E como se comportou o rendimento do restante dos trabalhadores?

Varia muito por categoria. A renda média da população que declara IR é de R$ 6.000 a R$ 7.000 mensais.

No setor privado em geral, o que vemos é que houve um aumento nos rendimentos até 2014 e depois começamos a ver o efeito [negativo] da recessão. São realidades muito distintas.

Surpreende a falta de sensibilidade e o descolamento da realidade quando ouvimos um ministro do STF falar em “penúria extrema” de aposentados do Judiciário, que recebem R$ 30 mil por mês. Talvez porque Brasília esteja descolada do resto do Brasil em termos de realidade financeira.

A renda média familiar per capita na capital é o dobro da de São Paulo. As pessoas em Brasília acham que um salário de R$ 8.000 é baixo. Para quem está em São Paulo, é um salário muito bom. Isso deriva da deturpação criada pelos rendimentos do funcionalismo público.

Esquecem que 42% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade, ou seja, são mais suscetíveis a receber menos que um salário mínimo e tem poucos direitos.

 É possível projetar quanto vai aumentar a desigualdade?

O que posso dizer é o que aconteceu no passado. Entre 2004 e 2014, se não tivesse havido aumento no salário real do funcionalismo, teríamos registrado uma queda da desigualdade 30% maior do que a que tivemos.

Enquanto o aumento da escolaridade, a formalização no mercado de trabalho e os programas sociais, como o bolsa família, contribuíram para reduzir a desigualdade, a evolução da renda do funcionalismo público atuou no sentido oposto.

Se não fosse isso, em vez de uma queda de 0,005 pontos no índice de Gini [um dos medidores da desigualdade de renda] teríamos tido uma queda de 0,008 pontos.

RAIO-X

CARLOS GÓES

IDADE 32 anos

FORMAÇÃO

Graduado em economia pela UnB, mestre pela Universidade de Johns Hopkins e doutorando pela Universidade da Califórnia (EUA)

ATUAÇÃO

Foi pesquisador do Fundo Monetário Internacional (2013 a 2017). No ano passado, integrou a equipe de economistas da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), posto que deixou no último dia 10.

É pesquisador chefe do think tank Instituto Mercado Popular, fundado em 2016, e ativo usuário das redes sociais, onde tem mais de 8,5 mil seguidores em perfil que aborda temas econômicos. Com informações da Folhapress.

 

Fonte: Notícias Ao Minuto

Foto: Pixabay

 

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