Brasilienses querem a monarquia

 

Grupos de jovens defendem a volta do poder moderador no Brasil para combater a corrupção e o desgaste da República

Eles propõem um retorno de 129 anos na história. Defendem que a forma de Estado seja a monarquia e o sistema de governo, o parlamentarismo. Dessa forma o Brasil foi administrado até 1889, quando se proclamou a República em um golpe militar. Mais de um século depois, simpatizantes da história imperial articulam-se para voltar ao poder. Na capital federal, quase 12 mil pessoas participam de grupos em redes sociais que compartilham essa ideologia — o maior do DF possui sozinho 6,5 mil curtidas. Em ano eleitoral, eles têm pretensões audaciosas: montar um partido e até a promulgação de uma nova constituição.

Durante 10 dias, o Correio acompanhou a mobilização dos monarquistas na capital federal para entender o que querem e o que pensam do momento político brasileiro. Foram mais de 20 entrevistas com lideranças do movimento, militantes, historiadores, cientistas políticos, sociólogos e professores. Ainda não se pode dizer onde este grupo chegará. A única certeza é de que eles estão se articulando para protagonizar ou pelo menos incomodar a política brasileira e a República presidencialista, regime pelo qual o país é administrado. Eles recrutam associados, que pagam R$ 65 mensais ao grupo.

Na última quinta-feira, cerca de 70 pessoas se reuniram na 913 Norte para formular estratégias políticas a fim de encorpar o movimento. Como persuadir a sociedade e de onde tirar dinheiro para financiar a empreitada foram alguns dos temas em debate. O encontro, organizado pelo Movimento Brasília Capital do Império, tem o apoio da Casa Imperial — instituição que representa a família monarca brasileira Orléans e Bragança. Este é o segundo evento do tipo. Em setembro passado, eles realizaram um simpósio com a participação do príncipe dom Bertrand, 77 anos, primeiro na linha sucessória do Brasil.

O que mais chama a atenção é o perfil daqueles que inflamam a ideia monarquista. São jovens entre 20 e 30 anos, com alta escolaridade e comumente de classe média. Um detalhe: intitulam-se conservadores. Na plateia, um adolescente vestido com o uniforme do Colégio Militar de Brasília (CMB), um soldado do Exército e até crianças. A participação feminina é discreta: sete mulheres — fora lideranças, uma palestrante e uma fotógrafa do evento. Ao fim da cerimônia, ganharam uma rosa amarela em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Cinco bandeiras imperiais marcavam o território. Toda a decoração é na cor verde-oliva.

Ética

Qual o combustível desse grupo? Um argumento ganha destaque e se repete entre todos os simpatizantes. Pôr fim à corrupção. Para eles, o poder moderador de um rei ou imperador resgataria a ética e a honestidade dos parlamentares. “A crise de legitimidade da República aproxima o jovem da monarquia. Não é uma crise de um partido, as pessoas associam a política a algo ruim. Aos olhos da população, a República não tem legitimidade”, explica a presidente do movimento Brasília Capital da Monarquia, Júlia Bittencourt, 23 anos, estudante de direito. Há três anos, ela virou monarquista.

Breno Fernandes Sobreira, 22, estudante de relações internacionais, explica como o regime atuaria. “Há uma divisão de poder entre o chefe de Estado, o chefe de governo e o parlamento eleito pelo povo. O poder moderador tem a função de vigilância das instituições e também de evitar vícios, como o aparelhamento da máquina pública”, explica o morador do Setor Militar Urbano (SMU).

O estudante de engenharia florestal Israel Soares da Silva, 28, reforça: “A monarquia é a solução para o país a longo prazo. Existe plano de estado e de governo separadamente. Na República, é concentrado na mesma pessoa. O poder moderador faz contrapeso em relação ao parlamento”, detalha o morador de Taguatinga.

Família e religião

A defesa da religião (quase sempre cristã) e da família (tradicional) une os jovens. Pela segunda vez, a estudante de medicina Suzana Marques, 23, participa do encontro. Ela segue os passos do pai e do irmão, que são engajados no movimento. “Os monarcas são movidos pelo amor ao país”, explica a moradora da Asa Norte. Questionada se votaria em um candidato monarquista, ela não titubeia. “Votaria. Ele traria alguns aspectos que eu acredito necessária para a reconstrução do país”, conclui.

São 20h, e o evento vai começar. Todos ficam de pé para ouvir o hino do Império do Brasil. Já podeis da pátria filhos/Ver contente a mãe gentil/Já raiou a liberdade/No horizonte do Brasil. Uma longa salva de palmas é ouvida. Os participantes olham com certa desconfiança para a reportagem. Alguns tentam ouvir as perguntas feitas aos entrevistados. Outros apertam os olhos para ler as anotações do repórter. Apesar disso, a maioria se mostra simpática.

A grande parcela dos homens está de terno. As mulheres, de roupas sóbrias. Frases de afirmação aparecem ao longo dos discursos que se estendem por quase duas horas. “Partir para o ataque”, “ocupar espaços nas universidades”, “fazer o resgate de valores”, “difundir o pensamento conservador” foram as mais repetidas. O pré-candidato ao governo do DF general Paulo Chagas (PSL) participou do evento e foi bastante aplaudido. “Precisamos de um Brasil novo e não mais do mesmo”, discursou.

Plebiscito, críticas e militância

Em 1993, os brasileiros rejeitaram a monarquia parlamentarista como forma de governo. Apenas 10% dos brasileiros apoiaram o regime — ficou em último lugar. No DF, à época, 11,2% defenderam a monarquia e 36,6%, o parlamentarismo. A comissária regional Círculo Brasileiro Monárquico, Analta Suely da Silveira, destaca que, atualmente, “não venceríamos ainda, mas teríamos mais apoiadores. A monarquia precisa ser difundida para a população entender o que é e como funciona. No plebiscito, a família real sequer pôde ir para a televisão se apresentar”. No Senado, um referendo pela restauração da monarquia parlamentarista no Brasil tem 28 mil assinaturas.

Militantes, o professor de inglês Geraldo Marques, 36 anos, e o professor de história Malcov Terena, 27, concordam com Suely. Na última segunda-feira, eles estiveram na redação do Correio para defender os ideais monarquistas. Antes da entrevista, que durou uma hora, forraram a mesa com a bandeira imperial. “Há uma camada da população que tem um estereótipo da monarquia. Ninguém no Brasil vai dizer que a República deu certo. As pessoas estão em busca de alternativas, e nós somos a melhor”, defende Malcov, de Sobradinho. O discurso de Geraldo fala em “valores perpétuos”, como o conceito de família. “Os valores comuns à humanidade se provam positivos e vão passando gerações, e isso está sendo perdido atualmente”, avalia o morador do Núcleo Bandeirante.

Maria do Socorro Sousa Braga, professora de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), não acredita na monarquia como alternativa para sanar os problemas da política brasileira. “Fortalecer o Executivo com o poder moderador cria problemas para uma democracia representativa. Em um sistema fechado como esse, não há inclusão de demandas e muitos menos de setores. O poder fica concentrado com a elite e mais desigual”, pondera.

Autoritarismo

O professor Marcello Cavalcanti Barra do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) acredita que o crescimento do movimento está ligado ao “esgotamento do atual regime político”. A era republicana teve início em 1889, com o marechal Deodoro da Fonseca. O período é dividido em cinco fases: República Velha, Era Vargas, República Populista, ditadura militar e Nova República. “As raízes do autoritarismo brasileiro estão nesse período (o império), que foi trágico. Não concordo que seja positivo para o país, além de ser caro para a população”, explica.

O professor Antônio José Barbosa, do Departamento de História da UnB, especialista em política brasileira, é categórico. “Hoje, em todas as monarquias, o poder do rei é simbólico. É o parlamento que elege o governo, o gabinete de chefia e o primeiro-ministro. O nosso maior problema não é a forma de governo. O que falta no Brasil é se transformar em uma nação cidadã. A monarquia funcionou bem no Brasil, mas a vida política brasileira do século 19 é muito restrita e elitizada. Mais de 90% da população estava alijada dos assuntos políticos. Era um regime de exclusão total e absoluta”, pondera.

 

Fonte: Correio Braziliense

Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press

 

Deixe seu comentário