“Caciques” podem perder o controle dos partidos políticos. Entenda

A partir de 29 de junho, os partidos políticos deverão cumprir a norma do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determina a realização de eleições em diretórios partidários que mantém comissões provisórias. Com a nova regra (Resolução Nº 23.571/2018), que descentraliza o poder nas agremiações partidárias, velhas figuras conhecidas por ter nas mãos o comando partidário em estados e municípios terão que aderir a democracia interna e fazer valer a vontade da maioria dos filiados.

Com foco nessa nova regra, a equipe do Justiça Em Foco realizou uma entrevista exclusiva com o professor Alessandro Costa. Mestre em Ciência Política e especialista em Direito Eleitoral, o entrevistado é coordenador de curso de Pós-Graduação em Direito Eleitoral e atua profissionalmente como analista judiciário no TSE.

A seguir, trechos da entrevista:

Justiça Em Foco: Em resolução (Nº 23.571/2018), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que os partidos políticos com órgãos de direção provisórios com vigência superior a 180 dias têm até o dia 29 de junho para constituir órgãos definitivos. Como o especialista avalia essa nova portaria?

Alessandro Costa: O TSE está tentando regulamentar uma situação que por muito tempo os partidos entendiam que era “interna corporis” e segundo a Justiça Eleitoral, algo que precisa realmente de uma normatização. Embora a Constituição Federal (CF) estabeleça que é livre a organização interna dos partidos políticos, direito ratificado pela Emenda Constitucional Nº 97/2017, a Justiça Eleitoral entende que essa liberdade não é ampla e absoluta, principalmente nesse mister envolvendo as comissões provisórias. Estas que por sua vez, prestigiam uma certa centralização do poder em grupos políticos que dominam a comissão executiva nacional partidária ou até mesmo em nível estadual. E assim os partidos não realizam eleições e controlam, de uma forma pouco democrática, o funcionamento desse partido.

Então, entende a Justiça Eleitoral que essa questão das comissões provisórias contrariam a democracia partidária, estabelecida como o princípio eleitoral na democracia tanto externa quanto interna. Ou seja, a democracia partidária compreende tanto a possibilidade do pluripartidarismo, como também dentro dos partidos quando a minoria tenha voz e seja ouvida a partir das eleições de comissões das executivas estaduais e nacionais. Nesse caso da resolução, vai privilegiar uma democracia partidária, a partir dessa exigência de que as comissões provisórias não ultrapassem os 180 dias.

Justiça Em Foco: Antes, a maioria das executivas nacionais das siglas partidárias mantinham em muitos estados e municípios as chamadas “comissões provisórias”, para representar os partidos. Como deverá ser a partir de agora com essa resolução?

Alessandro Costa: Agora, os partidos passam a ter um prazo delimitado para essas eleições de comissões provisórias e aquela intenção de centralizar o poder de um grupo político para dominar essas comissões sem a necessidade de eleições passa agora a não ter tanta força. Os partidos terão que se adaptar a isso e realizar periodicamente as eleições para a escolha dos seus órgãos diretivos. A legislação estabelece o mês de junho para que todas as comissões em situação provisória tenham sua eleição, exceto aqueles casos específicos que a própria legislação estabelece. Desde que devidamente justificados, poderão pedir uma prorrogação desse prazo.

Em outras palavras, o que o normativo estabelece é que a regra agora são as eleições, e todos os partidos terão que se adaptar. Paulatinamente vamos ver o enfraquecimento dessa estratégia que era usada por muitos partidos para que grupos centralizasse o poder e controlasse os diretórios que agora terão certa dificuldade, pelo fato das legendas terem que seguir a resolução, sob pena de ter sansões, inclusive com a determinação de que o diretório não está na sua plena existência.

Justiça Em Foco: No artigo Nº 39 da resolução diz que “as anotações relativas aos órgãos provisórios têm validade de 180 (cento e oitenta) dias, salvo se o estatuto partidário estabelecer prazo inferior”. Como a norma pode repercutir dos diretórios estaduais, sobretudo aqueles que têm influência direta de “caciques” da política?

Alessandro Costa: É exatamente no sentido de que os partidos políticos realmente, com o seu grupo (citado na pergunta como caciques), dominaram por muito tempo e ainda dominam alguns estados e municípios a partir da estratégia de prorrogar as comissões provisórias, sem realizar as eleições. O que acontece: como esse tipo de comissão não é eleita predomina a força desses caciques locais para comandar esses diretórios.

Agora passa a ser exceção, pois esses caciques podem prejudicar as siglas caso elas derem continuidade a prorrogação das comissões provisórias e não realizarem as devidas eleições. Ultrapassado os 180 dias daquela comissão provisória sem a justificativa plausível para o pedido de prorrogação, a Justiça Eleitoral passa a entender que a legenda partidária não tem pleno funcionamento. Sem o seu pleno funcionamento, a sigla partidária não pode sequer realizar uma convenção para escolher e lançar candidatos para um pleito eleitoral.

Justiça Em Foco: Com a norma, que já está em vigor, os diretórios estaduais têm autonomia para realizar as eleições para representantes estaduais ou ainda precisam de autorização dos diretórios estaduais?

Alessandro Costa: Depende do Estatuto partidário. O que a resolução traz é o seguinte: há a obrigatoriedade da realização das eleições para os diretórios dos partidos políticos. Agora como elas [eleições] serão procedidas, a forma, tudo isso vai estar estabelecida no próprio estatuto do partido. O que a resolução e a própria lei dos partidos estabelece é que haja a possibilidade do processo democrático na realização das eleições para os diretórios estaduais e executivas nacionais. Mas o procedimento vai depender do regimento interno das siglas, que é a regra interna de cada agremiação partidária.

Justiça Em Foco: Quem hoje é presidente estadual de legenda, sendo provisório ou definitivo, pode disputar a reeleição para a presidência sem precisar de autorização da Executiva Nacional?

Alessandro Costa: O estatuto é quem vai delimitar. Pelo meu conhecimento, nenhum estatuto dos 35 partidos registrados atualmente no TSE tem limitações do tipo. As que existem são no sentido de eleições, quantidades possíveis de reeleições. Algumas siglas inclusive, limitando a reeleição. Mas para cada agremiação vai ter que se conferir o estatuto partidário, a regra interna do partido, e ver quais as limitações impostas para a eleição dos diretórios e da executiva nacional.

Justiça Em Foco: Com essa norma, os partidos políticos tendem a se tornar mais democráticos na escolha dos seus representantes nos estados e municípios?

Alessandro Costa: Essa é a intenção da resolução, fazer valer o princípio da democracia partidária. Na verdade, é fazer valer o princípio fiel da democracia que não tem sido cumprida por muitas agremiações partidárias, estas que se recusam fazer o processo democrático da eleição dos seus diretórios para manter sob o domínio de certas forças políticas, os chamados caciques políticos, o comando desses partidos.

Fonte: Da redação (Justiça Em Foco) – Por Mário Benisti – Foto: Reprodução

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