Câmara conclui votação de projeto que regulamenta a reforma tributária; texto vai ao Senado

Proposta cria regras para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)

A Câmara dos Deputados concluiu a votação do projeto que regulamenta a gestão e a fiscalização do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que vai substituir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). O Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/24 é o segundo texto de regulamentação da reforma tributária e será enviado ao Senado.

Entre outros pontos, o projeto também regulamenta a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) e permite o uso da contribuição de iluminação pública para custear câmeras de vigilância.

O Plenário da Câmara votou nesta quarta-feira (30) destaques apresentados pelos partidos na tentativa de alterar o texto do relator, deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE). Algumas das mudanças sugeridas foram incorporadas por ele com a aprovação de uma nova emenda, como a retirada da incidência do ITCMD sobre pagamentos de planos de previdência complementar (PGBL e VGBL). Essa medida foi proposta pelo deputado Domingos Neto (PSD-CE).

A emenda também prevê a exclusão de multas e a não representação fiscal para fins penais contra o contribuinte se o processo administrativo tiver sido resolvido a favor do Fisco por voto de desempate do presidente da câmara de julgamento.

Outro ponto aceito pelo relator e pelo Plenário é que não serão considerados fato gerador do tributo os atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para determinado sócio ou acionista sem justificativa “passível de comprovação” quando beneficiar pessoas vinculadas.

Um exemplo seria a transferência de controle acionário de um acionista prestes a falecer para outro da mesma família sem contrapartida que justifique a transação.

Por fim, a emenda aprovada prevê o recálculo da alíquota em um segundo momento de transmissão de bens por causa mortis se valores de aplicações financeiras tiverem sido transmitidos aos herdeiros em momento anterior, somando o valor total de bens transmitidos para fins de aplicação da progressividade de alíquota.

Mauro Benevides Filho, relator do projeto – Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

Pontos rejeitados

Foram rejeitados os seguintes pontos:

– emenda do deputado Ivan Valente (Psol-SP) que pretendia instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), classificadas como o conjunto de bens que passe de R$ 10 milhões; e

– destaque do PL que pretendia excluir trecho no qual se atribui ao comitê gestor a realização da avaliação, a cada cinco anos, da eficiência, eficácia e qualidade de políticas sociais, ambientais e de desenvolvimento econômico e dos regimes especiais de tributação do IBS.

Comitê Gestor

Segundo o texto aprovado, o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) reunirá representantes de todos os entes federados para coordenar a arrecadação, a fiscalização, a cobrança e a distribuição desse imposto aos entes federados, elaborar a metodologia e o cálculo da alíquota; entre outras atribuições.

O CG-IBS será uma entidade pública sob regime especial, dotada de independência orçamentária, técnica e financeira, sem vinculação a nenhum outro órgão público.

Embora a coordenação fique a cargo do comitê gestor, as atividades efetivas de fiscalização, lançamento, cobrança e inscrição em dívida ativa do IBS continuarão a ser realizadas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.

Conselho Superior

A instância máxima de decisões do CG-IBS será o Conselho Superior, a ser criado 120 dias após a sanção da lei complementar com 54 membros remunerados e respectivos suplentes (27 indicados pelos governos dos estados e do Distrito Federal e outros 27 eleitos para representar os municípios e o DF).

Com sede em Brasília, o Conselho Superior vai tomar decisões por maioria absoluta dos representantes dos entes. No caso dos estados e do DF, além da maioria absoluta será necessário o voto de conselheiros que, somados, representem mais de 50% da população do País.

Outros órgãos do comitê são:

  • diretoria-executiva, com ao menos nove diretorias;
  • secretaria-geral;
  • assessoria de relações institucionais e interfederativas;
  • corregedoria;
  • auditoria interna.

Para os estados, o titular do conselho deverá ser ocupante do cargo de secretário de Fazenda ou cargo similar. Em relação aos municípios, o representante poderá atender a um dos seguintes critérios:

  • ocupar o cargo de secretário municipal de Fazenda ou similar;
  • ter experiência mínima de dez anos na administração tributária; ou
  • ter experiência de quatro anos ocupando cargos de direção superior na administração tributária municipal.

No caso dos membros municipais do Conselho Superior do CG-IBS, eles não poderão ainda manter, durante a representação, vínculo de subordinação hierárquica com esfera federativa diversa daquela que o indicou na chapa das eleições. Assim, um servidor de carreira tributária de um estado que exerça o cargo de secretário de Fazenda municipal não poderá ser conselheiro.

Quanto ao conflito de interesses, o texto de Benevides traz exceções. Se um servidor indicado ou cedido para o conselho gestor por um determinado ente federativo praticar atos que não impliquem tratamento diferenciado exclusivamente para esse ente isto não será considerado conflito de interesses.

Alternância e mulheres

Além de vedar a reeleição para presidente e vice-presidentes do Conselho Superior, o texto prevê a alternância nos mandatos de dois anos entre o grupo de representantes dos estados e o grupo de representantes dos municípios.

A alternância deverá ocorrer também nos cargos de diretor-executivo e de outros diretores, da auditoria interna e da corregedoria.

Ao seguir exemplo da legislação eleitoral, o texto reserva 30% das vagas para as mulheres nos cargos da auditoria interna, nos cargos das diretorias da diretoria-executiva, nos cargos ocupados pelos servidores de carreira tributária do Comitê Gestor e nos cargos de todas as instâncias da estrutura de julgamento administrativo.

Eleições

O texto aprovado pelos deputados contém várias mudanças sobre o processo de eleição dos representantes dos municípios no conselho superior, como pleito por meio eletrônico com voto apenas do prefeito em exercício e garantia de representação de, no mínimo, um município de cada região do País, podendo o Distrito Federal representar o Centro-Oeste.

Dos 27 integrantes que cabe aos municípios indicar, 14 serão eleitos com base nos votos de cada prefeito, com valor igual para todos. Outros 13 serão escolhidos com votos ponderados pelas respectivas populações. Assim, municípios com população maior resultarão em voto com maior peso.

A eleição será realizada de uma única vez, com a apresentação de chapas para cada uma das duas modalidades (voto sem peso e voto com peso). As chapas serão apresentadas por associações de representação das cidades (como Confederação Nacional dos Municípios e Associação Brasileira de Municípios) cujos associados representem, no mínimo, 30% da população do País ou 30% dos municípios.

Todas as chapas devem ter o apoio de um mínimo de 20% do total de municípios brasileiros, e o nome indicado em uma chapa não poderá constar em outra. Cada titular será indicado com o nome de dois suplentes.

Se nenhuma chapa vencer no primeiro turno com mais de 50% dos votos válidos, haverá segundo turno entre as duas mais votadas.

Será proibido indicar representantes de um mesmo município para o grupo de 14 representantes e para o grupo de 13 representantes.

Diretoria-executiva

A diretoria-executiva cuidará das tarefas diárias de gestão, devendo ser nomeada pelo Conselho Superior para mandato de dois anos e deverá:

  • encaminhar atos decisórios para aprovação do Conselho Superior;
  • supervisionar a uniformização da interpretação e da legislação do IBS;
  • gerenciar e supervisionar sistemas de emissão de documentos fiscais, podendo implementar soluções integradas com a Receita Federal;
  • gerenciar o contencioso administrativo do IBS;
  • cuidar da infraestrutura de informática do CG-IBS, que vai integrar todos os estados e municípios brasileiros;
  • definir os procedimentos para determinação do montante e a sistemática de pagamento do cashback e prestação de contas dessa devolução; e
  • fazer a ponte do CG-IBS com a Receita Federal.

Ouvidoria

O texto aprovado atribui as atividades de ouvidoria à assessoria de relações institucionais e interfederativas. Na área de ouvidoria, além dos servidores deverá haver três representantes da sociedade civil escolhidos segundo critério do Regimento Interno do CG-IBS.

Crime de responsabilidade

Na mesma lei sobre o processo de impeachment contra o presidente da República e outras autoridades, o projeto inclui a possibilidade de o presidente do comitê gestor responder por crime de responsabilidade.

Vários atos poderão ser enquadrados como crime de responsabilidade do presidente do CG-IBS, tais como:

  • não prestar aos legislativos dos membros titulares do conselho superior as contas do exercício anterior em até 60 dias após a abertura dos trabalhos legislativos;
  • não prestar, dentro de 30 dias sem motivo justo, informações solicitadas por escrito à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal;
  • demais atos previstos na lei sobre o tema (Lei 1.079/50).

Os procedimentos de destituição seguirão o rito para o presidente da República, que prevê formação de comissão especial para emitir relatório sobre a denúncia, votação da autorização pelo Plenário com quórum mínimo de 2/3 dos deputados federais para que o processo siga ao Senado, onde o afastamento também tem de ser votado pelo Plenário com o apoio de 2/3 dos senadores.

Custeio do CG-IBS

Ao seguir determinação da Emenda Constitucional 132, de 2023, o projeto detalha percentuais da arrecadação do IBS para financiar as atividades do comitê gestor.

Durante o período de 2026 a 2032, os percentuais serão decrescentes devido à implantação gradual do imposto, substituindo o ICMS e o ISS:

  • até 100% em 2026;
  • 50% em 2027 e 2028;
  • até 2% em 2029;
  • até 1% em 2030;
  • até 0,67% em 2031; e
  • até 0,5% em 2032.

Financiamento inicial

Por causa da arrecadação menor no início do IBS, a União financiará as despesas de instalação do comitê no período de 2025 a 2028 com até R$ 3,8 bilhões.

O financiamento será remunerado pela taxa Selic até o momento do pagamento das parcelas: 20 semestrais sucessivas a partir de junho de 2029.

O custeio será progressivo, sendo R$ 600 milhões em 2025; R$ 800 milhões em 2026; R$ 1,2 bilhão em 2027; e R$ 1,2 bilhão em 2028.

No entanto, de 2026 a 2028 os aportes mensais da União serão deduzidos dos montantes de receita do IBS direcionados ao comitê gestor.

De 2025 a 2028, o orçamento do comitê gestor não poderá ser superior aos montantes previstos nesse período.

Receita base e inicial

O projeto de lei complementar introduz conceitos para diferenciar a receita obtida com o IBS em diferentes etapas. A receita inicial será o arrecadado, descontados os créditos apropriados pelo contribuinte no processo de não cumulatividade.

Desse valor, será descontado o que foi destinado à devolução de tributos para consumidor de baixa renda (cashback) segundo percentual a ser fixado pelo CG-IBS em cada período de distribuição mensal, com base em estimativas do valor da devolução geral do IBS e do valor total da receita inicial dos entes federativos. O percentual será o mesmo para todos os estados, o Distrito Federal e os municípios.

Na prática, isso significa que o cashback geral do IBS será financiado por todos os entes federativos, na proporção de sua participação na receita inicial.

Outro ajuste da receita inicial será quando o ente federativo fixar alíquota do IBS (alíquota padrão) diferente da alíquota de referência (fixada pelo Senado Federal no período de transição de 2029 a 2033).

No caso de a alíquota padrão ser superior à alíquota de referência, o aumento de receita assim obtido será deduzido da receita inicial do ente federativo.

Se a alíquota padrão for inferior à de referência, haverá redução da receita inicial decorrente da aplicação de alíquota menor, provocando um acréscimo a essa receita do ente federativo.

Distribuição dos recursos

Segundo o governo, esse ajuste é necessário por causa da norma da emenda constitucional sobre a transição na distribuição dos recursos. A repartição usará a arrecadação com base nas alíquotas de referência.

Outros ajustes deverão ocorrer em razão de créditos presumidos concedidos pela legislação.

Depois de todos os ajustes, o valor encontrado servirá de base para o cálculo da distribuição na fase de transição para evitar perdas de receita. No período de 2029 a 2077, percentuais de 80% (2029 a 2032), 90% (2033) e gradativamente menores (2034 a 2077) serão retidos para redistribuição com esse objetivo.

Depois dessa primeira retenção, outros 5% (de 2029 a 2077) serão separados para os entes federativos com maior perda de participação relativa na receita. De 2078 a 2097, o percentual será reduzido gradativamente até zerar.

Em ambas as retenções, o arrecadado com multas de ofício impostas pelo não pagamento de tributos ou descumprimento de obrigações acessórias (entrega de declarações, por exemplo) ficará de fora.

Créditos de ICMS

O PLP 108/24 define o destino dos saldos credores do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) existentes nas empresas. Como o ICMS deixará de existir a partir de 2033, o projeto permite às empresas pedirem a compensação desses créditos com valores devidos desse mesmo tributo se o estado concordar.

Outra opção é apresentá-los para o Conselho Gestor do IBS a fim de compensar valores a pagar do novo tributo.

A transferência a terceiros também será possível, mas a empresa que os receber poderá utilizá-los somente para compensar ICMS ou IBS. Caso o pedido de compensação não tenha sido analisado pela administração tributária dentro do prazo (24 meses ou, se mercadoria para ativo permanente, 60 dias), a transferência será chamada de tácita e somente poderá ocorrer a partir de 1º de janeiro de 2038.

Caso nenhuma hipótese de compensação seja possível, o titular do crédito poderá pedir ressarcimento a ser pago em 240 parcelas mensais. No entanto, o governo terá direito de atrasar o pagamento do mês em até 90 dias sem qualquer acréscimo, que começará depois desse prazo proporcionalmente à taxa Selic.

A novidade no texto aprovado é que, a partir de 2034, se houver aumento de arrecadação do IBS em montante maior que o registrado nos anos anteriores (atualizado pelo IPCA), os estados e o Distrito Federal poderão antecipar as parcelas de ressarcimento.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

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