Canabidiol: GDF descumpre ordem de compra para tratamento de criança

 

Família não consegue arcar com os R$ 2 mil mensais necessários para obter o derivado da maconha

A política antidrogas e a dificuldade de acesso ao canabidiol, medicamento importado derivado da maconha, tem tirado o sono da pedagoga Lídia Rosa de Carvalho, mãe do pequeno Uriel, de 2 anos. A mulher precisa do remédio para controlar as crises convulsivas do filho.

Cada caixa com três seringas do medicamento custa R$ 2 mil, e a família tem se desdobrado para garantir o tratamento do menino, pois Lídia não consegue as doses de que Uriel precisa, mesmo com uma ordem judicial obrigando o Governo do Distrito Federal (GDF) a providenciar a substância.

Acometido por uma doença hereditária gravíssima e muito rara, a hiperglicinemia não cetótica, Uriel vive em uma unidade de tratamento intensivo (UTI) móvel, que garante a ele o direito de ser tratado em casa e não precisar ficar internado num hospital.

Ele é o segundo filho da família diagnosticado com a doença. O primeiro, uma menina, não sobreviveu à intensidade e à gravidade das crises. A hiperglicinemia eleva manifestações neurológicas graves na fase neonatal, como convulsões de difícil controle, apneias e insuficiência respiratória, e está relacionada a óbito precoce.

Lídia criou uma página no Facebook na qual amigos e familiares acompanham a evolução do tratamento do menino. Na rede social, a pedagoga denuncia o descaso do governo no controle e na distribuição do derivado da maconha.

“Quanto vale a vida do seu filho? A do meu, só com uma medicação, vale um pouco mais de R$ 2 mil por mês, tirando todas as outras inúmeras medicações e afins que ele usa mensalmente. Estou falando apenas de uma medicação específica: o canabidiol, um remédio que ajudou a melhorar as cerca de 200 crises convulsivas que meu filho tinha por dia. Não curou, mas melhorou significativamente, trouxe mais qualidade de vida, e ele está prolongando seus dias”, desabafou a mãe.

Quanto aos outros fármacos, o acesso está garantido pelo plano de saúde, mas também foi preciso a Justiça intervir para assegurar a continuidade do tratamento.

Pai demitido por usar muito o plano de saúde
O pai de Uriel era operador de câmera em uma emissora de TV no Distrito Federal, mas foi demitido por usar demais o plano de saúde, conforme acusa Lídia. A família precisou acionar o Judiciário para garantir ao menino, mesmo sem o vínculo empregatício do pai, o direito de permanecer na operadora sob as mesmas regras e preço.

Em um relato emocionado, Lídia diz chorar toda vez que abre a geladeira e vê a última seringa do canabidiol pela metade, sem saber quando será a próxima oportunidade de o filho ter acesso ao medicamento e como ela fará para controlar a próxima crise convulsiva do menino.

Arquivo Pessoal

Arquivo PessoalAcometido por uma doença genética grave, Uriel vive numa UTI móvel em casa

 

“Ficamos desesperados por não termos condições de manter o uso todos os meses. Fazemos rifas, recebemos doações, mas chega uma hora em que não tem de onde vir. E um pai de família desesperado deixa de pagar as contas e fazer compras, para não ver o filho morrer. Uriel precisa do remédio de uso contínuo para se manter vivo ao meu lado, e eu sei que, sem ele, seus dias serão diminuídos. Já enterrei uma filha e não quero enterrar ele”, emociona-se Lídia.

Briga na Justiça
O processo se arrasta desde 2016, iniciado logo depois do nascimento de Uriel. A primeira decisão favorável veio rápido, apenas poucos dias após o pedido, em 27 de setembro de 2016. Desde então, a família vem tentando obrigar o GDF a arcar com a compra do canabidiol.

Na decisão mais recente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) determinou o sequestro de R$ 20,5 mil de verbas públicas a fim de comprar o remédio. Ao longo desses dois anos, o governo garantiu apenas dois meses e meio da prescrição.

Para a advogada Daniela Peon Tamanini, responsável pela defesa do processo que assegurou a uma família do Distrito Federal o plantio da cannabis para uso medicinal, esse problema nem sequer precisaria ser discutido se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tivesse regulamentado o cultivo para fins medicinais.

“As pessoas precisam plantar se elas necessitam [da substância]. Isso também impacta a pesquisa, porque é muito difícil o acesso legal, além de ser preciso que as instituições demonstrem mais interesse na causa. Já foi pior, mas o governo continua não fazendo a compra de maneira correta. O processo de aquisição leva até um ano, e as compras são feitas de seis em seis meses. Isso não garante o fluxo de estoques” Daniela Peon Tamanini, advogada

O outro lado
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Saúde informou que a aquisição do medicamento à base de canabidiol para Uriel está em andamento.

“A pasta já recebeu propostas de duas empresas e, no momento, o processo está no Núcleo Jurídico. Por se tratar de medicação importada, a compra pode ser finalizada em até 60 dias”, afirmou.

 

Direito ao cultivo
Segundo dados do Instituto Aliança Verde de Pesquisas Científicas e Medicinais das Plantas, entidade com sede no Distrito Federal, mais de 800 médicos prescrevem cannabis no Brasil, e 4,6 mil pacientes no país têm direito a importar o extrato, a um custo que varia de R$ 375 a R$ 7 mil por mês.

O diretor do instituto, Rafael Evangelista Ladeira, mestre em fitoterápicos pela Universidade de Paris, critica a criminalização da planta e condena a explosão de prisões por tráfico de drogas nos últimos anos.

“Desde 2006 percebemos um aumento exponencial nas prisões por tráfico de drogas. Portanto, é notável que a lei não atingiu o propósito a que se destinava. Trata-se de um modelo repressor e corrompido, que prende principalmente negros e pobres financeiramente, em sua maioria réus primários. Pelo nosso instituto estamos buscando legalmente o direito ao cultivo, exclusivamente para fins científicos e medicinais, para pacientes devidamente registrados, com laudo e prescrição médica”, afirma.

 

Fonte: Metrópoles

Foto: Arquivo Pessoal

 

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