Caso Samarco: Justiça exige depósito de R$ 10 bi para reparar danos
Dinheiro é para compensar prejuízos ambientais em municípios capixabas
A Justiça Federal determinou que as mineradoras Vale e BHP Billiton façam depósitos no total de R$ 10,34 bilhões para garantir a reparação de danos ambientais em municípios capixabas. As duas mineradoras são acionistas da Samarco, responsável pela barragem que se rompeu em Mariana, Minas Gerais, em 2015, causando 19 mortes e liberando uma avalanche de rejeitos que escoou pelo Rio Doce até a foz no Espírito Santo.
Os recursos devem ficar disponíveis para custear medidas de reparação em comunidades que as mineradoras relutavam em reconhecer como atingidas. A maioria delas está localizada nos municípios Aracruz, Linhares, São Mateus e Serra.
A decisão foi assinada na semana passada pelo juiz Michael Procopio Avelar, da 4ª Vara Cível e Agrária de Belo Horizonte. O depósito deve ser feito em dez parcelas mensais iguais, a primeira em 40 dias. Caso as mineradoras não efetuem o pagamento, será determinado bloqueio judicial do valor integral de uma única vez.
A Vale e a BHP Billiton informaram que ainda não foram notificadas da decisão e sustentam que 410,8 mil pessoas foram indenizadas até janeiro deste ano. As mineradoras acrescentam que destinaram R$ 28,42 bilhões para as ações conduzidas pela Fundação Renova, entidade criada para conduzir o processo reparatório conforme acordo fechado em 2016 entre as três mineradoras, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e a União. “A Companhia se manifestará oportunamente no processo sobre a decisão, contra a qual cabe recurso”, acrescenta nota ao mercado divulgada pela Vale.
A decisão atendeu parcialmente um pedido conjunto apresentado pelo governo capixaba, pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), pela Defensoria Pública da União (DPU), pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelos Ministérios Públicos de Minas Gerais (MPMG) e do Espírito Santo (MPES). Eles queriam o bloqueio imediato de toda a quantia por considerarem que a Fundação Renova vinha ignorando a determinação para que seus programas incluíssem as comunidades.
O acordo de reparação fechado em 2016 entre as mineradoras, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e a União listou, a princípio, 39 municípios afetados, além de definir um modelo de governança do processo reparatório. Foram estabelecidas as bases para a criação da Fundação Renova. Além disso, ficou instituído um Comitê Interfederativo formado por órgãos públicos sob a coordenação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ao qual caberia definir as diretrizes gerais dos programas a serem executados pela Renova.
Em março de 2017, o Comitê Intefederativo levou em conta novos estudos e aprovou a Deliberação 58, ampliando a área considerada como atingida na costa capixaba. Foi determinado que as medidas de reparação em curso fossem expandidas para outras comunidades, alcançando assim um total de 44 municípios. As mineradoras chegaram a contestar judicialmente a Deliberação 58 e pedir sua suspensão, o que não ocorreu.
“Passados sete anos do rompimento da Barragem de Fundão, a área costeira nunca foi atendida por ações de recuperação. Pode-se usar de maneira enfática a palavra ‘nunca’, porque pode até ser que, em um ou outro programa específico, tenha ocorrido alguma ação pontual em município litorâneo, mas foi uma ação foi esparsa e não é digna de nota dentro do cenário que o desastre ocasionou no Espírito Santo e diante da omissão das empresas e da Fundação Renova”, registrou o pedido.
Os autores da ação defenderam que os recursos fossem cobrados da Vale e da BHP Billiton por considerar que os grupos têm capital suficiente para atender o pleito e que a Samarco encontra-se em recuperação judicial. Eles citaram diversos estudos envolvendo amostras de solo e água e sustentaram que imagens de satélite atestaram o alcance da pluma de rejeitos no litoral capixaba. O juiz reconheceu que o pedido estava amparado em elementos técnicos. “Tais elementos foram produzidos pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, pela Secretaria Executiva – Comitê Gestor Pró-Rio Doce e pela Fundação Getúlio Vargas, evidenciando indícios contundentes de prejuízos em múltiplas áreas e níveis na qualidade de vida do povo do Espírito Santo, atingido pelo maior desastre ambiental da história do país”, escreveu o juiz.
Mais de sete anos após a tragédia, estão em curso negociações para uma repactuação do processo reparatório. A atuação da Renova é criticada por governos e por instituições da Justiça, que entendem que a fundação não tem a devida autonomia frente às mineradoras. O MPMG chegou a pedir judicialmente a extinção da entidade. Os impasses em torno da reparação geraram mais de 85 mil processos judiciais em todo o país. No entanto, mineradoras, governos e instituições da Justiça não chegaram a um consenso sobre os termos de um novo acordo.
Ação na Inglaterra
A decisão também menciona ação movida por atingidos fora do país. Trata-se do processo que tramita na Inglaterra cujo objetivo é obter indenização da BHP Billiton, que tem sede em Londres. O escritório anglo-americano Pogust Goodhead atua como representante de um grupo de milhares de atingidos, além de comunidades indígenas e quilombolas, empresas, municípios, autarquias de serviços públicos e instituições religiosas, incluindo a Arquidiocese de Mariana.
De acordo com o juiz Michael Procopio Avelar, a 4ª Vara Cível e Agrária de Belo Horizonte é considerada o juízo universal do caso conforme fixado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por esta razão, cabe a esta vara deliberar sobre o uso dos recursos destinados à reparação.
“Na eventualidade de que verbas da jurisdição estrangeira sejam disponibilizadas para reparar e compensar danos decorrentes do desastre ambiental, o juízo velará para que todo o numerário observe rigorosamente o interesse público primário, com mecanismos de controle pari passu a fim de garantir que os valores sejam implementados mediante comprovação de destinação específica e vocacionada à plena concretização dos direitos dos atingidos pelo rompimento da barragem”, escreveu Avelar.