Ciclovias em mau estado ameaçam segurança de quem pedala no DF

 

Falta de iluminação, pisos com rachaduras e descontinuidade de pistas exclusivas para bikes estão entre as principais queixas de quem pedala

Bruno Ângelo de Moura passa desconfiado pelo complexo de obras rodoviárias no fim da Asa Norte. Morador de Sobradinho, o vigilante de 33 anos usa diariamente a bicicleta no trajeto de 32 quilômetros entre sua casa e o Supremo Tribunal Federal (STF), onde trabalha. Enquanto as intervenções do Trevo de Triagem Norte (TTN) avançam, nem sinal de que haverá ciclovias no local. “A gente vê pistas sendo alargadas a todo vapor e nada para melhorar a vida de quem escolheu se locomover sem carro”, reclama.

O projeto original do TTN, finalizado e licitado no fim da gestão de Agnelo Queiroz (PT), não previa nenhum espaço destinado aos ciclistas. Em 2016, a pedido da ONG Rodas da Paz, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF) e do Conselho Comunitário da Asa Norte, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) exigiu que o Governo do Distrito Federal (GDF) revisasse o plano.

O MPDFT recomendou a construção de ciclovias no conjunto de obras formado por pontes, viadutos e túneis feitos para distribuir o fluxo de veículos com destino ao Plano Piloto, levando-os ao Eixo Rodoviário Norte-Sul (Eixão), à W3, aos Eixinhos Leste e Oeste e à Via L2.

Para atender aos anseios dos moradores, dos ciclistas e da Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb), o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) adaptou a proposta e incluiu pistas exclusivas para quem usa bicicleta.

Veja o projeto revisado abaixo:

Apesar de a alteração ter sido feita há mais de um ano, as ciclovias ainda só existem na prancheta. O receio de quem pedala é de que a construção seja finalizada e os ciclistas fiquem a ver navios.

“Já se passou mais de um ano e nada foi feito até agora. Estamos com medo de as obras acabarem sem as ciclovias” Uirá Lourenço, servidor público, ciclista e autor do blog Brasília para Pessoas

Diante da situação, um grupo de ciclistas decidiu protestar, espalhando cartazes ao longo da Saída Norte, onde se concentram as obras. Um dos dizeres, irônico, rebatizou as intervenções de “Terrível Trevo Norte”.

Agora, o MPDFT, por meio da Prourb, anunciou que irá novamente requisitar esclarecimentos à Secretaria de Mobilidade (Semob).

 

Problemas no DF inteiro
Não apenas ciclistas passando pela BR-020 sofrem com a ausência de locais seguros para pedalar. Por todo o Distrito Federal, milhares de pessoas se arriscam todos os dias ao montarem em bicicletas. No coração de Brasília, a ciclovia que corta o Eixo Monumental está em boas condições, mas o problema é a precária iluminação pública.

O funcionário público Márcio Simões, 46 anos, de segunda a sexta-feira sai de Taguatinga, onde mora, e pedala rumo ao Ministério da Educação, seu local de trabalho. O trajeto, feito em cerca de 1 hora e 15 minutos, é recheado de adversidades. Embora a Estrada Parque Taguatinga (EPTG) seja o trajeto mais curto, o servidor prefere seguir pela Estrutural, que tem acostamentos mais largos.

Na volta para casa, além de dividir o espaço com carros na maior parte do caminho, ele passa com medo pelo canteiro central do Eixo Monumental. Em busca de menos riscos, Márcio prefere fazer o percurso de ida e volta na companhia do bancário Keilisson Ronchi, 38.

O maior temor dos dois no local é se tornarem vítimas de assaltantes. “É muito escuro. Se alguém mal-intencionado estiver à espreita, somos alvos fáceis”, relata Márcio.

Keilisson ainda conta que, após o assassinato do doutorando em física da Universidade de Brasília (UnB) e ciclista Arlon Fernando da Silva, 29 anos, o GDF instalou alguns postes, mas apenas perto de onde o crime ocorreu. “Parece que quiseram apenas dar uma resposta pontual. O restante da ciclovia continua mal iluminada e extremamente perigosa.”

O estudante foi executado a facadas em 7 de dezembro de 2017, quando pedalava na ciclovia, na altura da Câmara Legislativa. Pouco mais de um mês depois, a Polícia Civil prendeu o suspeito de ter cometido o latrocínio.

Falta de fiscalização
Na 708 Norte, a falta de senso de coletividade atrapalha quem trafega pela ciclovia que circunda o UniCeub, onde motoristas costumam estacionar justamente na pista exclusiva para bicicletas.

Sem alternativas e com tímida repressão do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), quem pedala não vê outra alternativa a não ser desviar para a faixa de rolamento e se arriscar em meio aos carros.

O servidor público Uirá Lourenço costuma deixar os filhos na escola de bicicleta. Todos vão pedalando. Segundo ele, sob o argumento de que faltam vagas, condutores acabam tirando o espaço das bicicletas. “Cansei de ligar e mandar e-mail para o Detran, mas praticamente não há respostas. É indignante, frustrante”, lamenta.

Sem retorno do poder público, Uirá e os filhos criaram uma forma criativa de protestar. Os garotos andam com “multas cidadãs”, que são sermões escritos pelas crianças em folhas de caderno e deixados nos vidros dos automóveis dos infratores. “Foi a forma que encontramos de constranger e ao mesmo tempo despertar a consciência de quem faz esse tipo de coisa”, explica.

Programa +Bike
Em agosto de 2017, o GDF anunciou o Plano de Ciclomobilidade de Brasília, o +Bike. Pelas projeções, a capital receberia mais 280 quilômetros de ciclovias até o fim de 2018. Outro objetivo seria resolver o problema da descontinuidade entre as ciclofaixas da cidade, conectando várias regiões do Distrito Federal.

Quase um ano depois, pouco foi executado. Até agora, foram entregues 32 quilômetros de ciclovias no DF inteiro. O investimento foi de R$ 14 milhões no período, incluindo nesse gasto as novas ciclofaixas, que somam 22,9 quilômetros.

O plano mais ambicioso, a construção da ciclovia da EPTG, caminha a passos de tartaruga. A entrega da obra foi anunciada para janeiro. Depois, prometida para julho deste ano e, agora, o governo deu um novo prazo: o segundo semestre de 2018.

O descaso com quem se locomove por meio da bicicleta também se manifesta com o abandono das ciclovias existentes. Na maior e mais populosa cidade do Distrito Federal, Ceilândia, não é preciso rodar muito para se encontrar espaço para bikes em condições degradantes. Na altura da QNN 17, uma parte da faixa especial desapareceu devido ao grande movimento de veículos que trafegam por cima dela.

O transtorno é motivado pelo projeto malfeito da ciclovia, que passa exatamente na entrada do movimentado Posto de Saúde nº 6 da região administrativa. Sem alternativas para chegar à unidade de saúde, motoristas são obrigados a dirigir por um trecho da ciclovia.

O estudante universitário Hugo Souza, 22 anos, conta que acidentes são comuns no local. “Como já conheço, redobro a atenção nesse ponto, mas pessoas inexperientes constantemente são atingidas por carros que entram de uma vez na ciclovia, em direção ao posto”, diz o rapaz.

Rafaela Felicciano/Metrópoles

Rafaela Felicciano/MetrópolesO estudante universitário Hugo Souza, 22 anos, reclama da situação precária de uma das ciclovias de Ceilândia Norte

Na mesma ciclovia, Hugo pedala e vai apontando falhas no piso. São buracos, rachaduras e ausência de sinalização. “Vieram fazer manutenção na rede, abriram buracos gigantescos na ciclovia e nunca voltaram para arrumar. É um desafio andar de bicicleta por aqui”.

Na vizinha Taguatinga, na altura da QND 50, a ciclovia é praticamente intransitável em alguns pontos, fazendo com que muitos ciclistas optem por circular nas vias.

 

Perigo na Rodoviária
O +Bike também mirava proteger quem anda de bicicleta na Rodoviária do Plano Piloto. Até houve um esboço de iniciativa para se minimizar os riscos no local, mas durou pouco.

A ciclovia do Eixo Monumental termina na entrada do terminal. Quem precisa atravessá-la e seguir pela Esplanada dos Ministérios é obrigado a fazer isso em meio ao intenso trânsito de ônibus, táxis e caminhões de descarga.

Uma ciclofaixa chegou a ser pintada ao longo do meio-feio, mas ela está apagada, quase invisível. Para piorar, é ocupada por táxis e caminhões de distribuição de produtos. Com o espaço “roubado”, resta aos ciclistas redobrarem a atenção para não serem atropelados.

O servidor público e coordenador-geral do Rodas da Paz, Bruno Leite, 37 anos, denuncia o descaso com quem não usa o carro como meio de transporte na capital do país.

“Os governantes decidiram que a cidade deve ser motorizada. Nos sentimos cada vez menos contemplados na política de mobilidade urbana do DF” Bruno Leite, servidor público e coordenador geral da ONG Rodas da Paz

Rafaela Felicciano/Metrópoles

Rafaela Felicciano/MetrópolesNa Rodoviária do Plano Piloto, ciclistas se arriscam em meio a ônibus, táxis e caminhões de carga e descarga

O outro lado
Sobre a ausência de ciclovias na Saída Norte, o Departamento de Estradas de Rodagem disse que, até novembro deste ano, serão abertos nove quilômetros de pistas exclusivas para bicicletas na região.

O GDF ainda garantiu que até dezembro deste ano conseguirá entregar à população 218 quilômetros de ciclovias. Atualmente, o Distrito Federal conta com 465 quilômetros. Apesar da promessa, apenas 65 quilômetros estão em obras.

 

Fonte: Metrópoles

Foto: Igo Estrela/Metrópoles

 

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