Ciro Chuta o Balde

 

Ciro voltou. O desabrido candidato pedetista entrou na fase final do pleito chutando o balde. Numa só fala jogou por terra a candidatura de seu adversário  Fernando Haddad, passou um pito no comandante chefe do Exército, general Eduardo Villas Boas, e lançou um epíteto confuso contra o candidato a vice-presidente de um antagonista, ao chamar o general Hamilton Mourão de “jumento de carga”, uma expressão que confunde o leitor contemporâneo, pois o nobre animal era um valente nos exércitos do passado. Ou seja: O “Cirinho Paz e Amor” tirou o boné e abriu caminho para o “Ciro Lança-Chispa”, que puxa do facão e sai dando pranchaços à torto e a direito.

Percebe-se pelo tom das respostas que o candidato falou mansamente, procurando disfarçar sua contundência. Entretanto o jornal O Globo botou para entrevista-lo um time de cobras criadas que soube pinçar das frases macias o vigor do discurso habitual do ex-governador cearense. Com isto, o matutino carioca imprimiu no papel uma reportagem que está causando furor nos meios políticos da Capital Federal.

É compreensível que Ciro procure desqualificar seu adversário, pegando seu ponto fraco, ou seja, sua total dependência do ex-presidente Lula em termos eleitorais. Nem o PT nem o candidato teriam a menor possibilidade sem a participação ativa do ex-presidente preso em Curitiba. Certamente, se o ex-prefeito de São Paulo for ao Segundo Turno, por si só já será um dos maiores feitos eleitorais da História política do Brasil. Assim Ciro levanta que Haddad não terá força para governar, esquecendo-se que ele próprio foi levado a seu primeiro governo no Ceará pelo apoio militante de seu antecessor, o atual senador Tasso Jereissati.

A acusação de “poste” é relevante. Todos os mandatários impostos por caciques acabaram mal. Basta lembrar o presidente eleito, mas nunca empossado, Júlio Prestes, “poste” do então presidente Washington Luís, derrubado por Getúlio Vargas na Revolução de 1930. O próprio Vargas criou um filhote, o ex-presidente João Goulart, derrubado sem apelação em 1964. Sem falar de Dilma Rousseff. Um chefe de Executivo, no Brasil, que não detenha o comando real de forças políticas está fadado ao emparedamento, é o argumento de Ciro Gomes. Por exemplo: os vice-presidentes Itamar Franco e Michel Temer, ambos chefes políticos incontestáveis dentro de seu partido, o MDB, governaram com o Congresso. Seria a instabilidade o futuro de Fernando Haddad? Esta é a pergunta que o pedetista lança ao eleitorado.

Outra comparação seguidamente levantada por críticos e analistas é a comparação entre Getúlio, que fez dois presidentes tirados do bolso do colete, e Juan Domingo Perón, que elegeu do exílio um justicialista, Hérctor Canora, com uma única palavra de ordem da campanha: “lealdad”. Não é por menos que Lula e Haddad estão com o mesmo vocábulo: “Lealdade”.

Entretanto, há diferenças. Vargas elegeu Eurico Gaspar Dutra, mas o marechal era uma expressão de um Exército vencedor de uma guerra contra nada menos do que a Alemanha de Hitler. Não é pouco. Dutra foi um presidente forte, embora não tenha feito seu sucessor. Getúlio também elegeu Juscelino, mas custou-lhe a vida tirar da UDN uma eleição ganha. A oposição udenista vinha com tudo, em 1954: seu candidato, o general Juarez Távora, era um galã, bem-falante, escrevia muito bem, popular veterano da ultra-heróica Coluna Prestes, cognominado Vice-Rei do Nordeste na Revolução de 1930 e, além de tudo, general numa época em que militares tinham grande apelo eleitoral.

Em contraposição, Getúlio estava com um governo enfraquecido por uma economia em começo de inflação ( a então chamada “carestia”), aliados políticos titubeantes, e um escândalo familiar sem precedentes, pois seu filho Lutero Vargas estava a ponto de ser acusado como mandante de um crime de morte, envolvendo um jornalistas e tendo como vitima um oficial da ativa da Aeronáutica, o histórico Major Vaz.

Abalado pessoalmente, cercado pela imprensa, Vargas marchava para uma derrota certa nas urnas. Entretanto, valendo-se de uma ameaça de deposição sem muita consistência (ele tinha um primo no governo gaúcho e JK em Minas, só para citar duas bases inexpugnáveis aos golpistas) Getúlio se matou. O abalo foi tão grande que as acusações a Lutero foram esquecidas e seu candidato aplicou uma sova na oposição integrada por Távora e pelo então ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, os dois principais candidatos contra seu mineiro Juscelino. O “poste” de Vargas foi eleito e tomou posse debaixo de um levante da Força Aérea, a rebelião de Jacareacanga. Hoje figura entre os maiores estadistas na História. Logo, não era poste, mas um político em ascensão.

Tudo isto está por detrás das advertências e setas disparadas por Ciro Gomes nessa entrevista marcante. Estes episódios seriam as referências subjacentes. É para tais perigos que o candidato do PDT chama atenção. Os entrevistadores, sem distorcer as palavras da fonte, pinçaram o essencial. O PT deve reagir com fúria.

Já chutes nas canelas dos militares estão fora de propósito e de contexto. Ciro deveria ter contornado as cascas de banana, em vez de pisar sem cuidados.

O general Villas-Boas tem falado para apaziguar. Então dizer que os militares histéricos que soltam ameaças de “prendo e arrebento” são “cadelas no cio”, é criar uma frase muito boa para radicais perigosos usarem contra a democracia. Este mês está fazendo 50 anos que o deputado-jornalista Márcio Moreira Alves repetiu uma expressão romana na tribuna da Câmara e atraiu sobrea Nação o AI-5, que só esperava um empurrãozinho para ser editado. Teria dito Marcito: “perco o mandato, mas não perco uma frase”, parafraseando seu colega Carlinhos Oliveira que teria dito “perco um amigo, mas não perco a frase”. Bravata: Ciro não prende nem demite Villas-Boas e o general está se lixando para a provocação.

Por fim, o “jumento de carga”, expressão incompreensível em nossos tempos de exércitos motorizados armados com mísseis inteligentes. Entretanto, o “jumento de carga” ainda é um meio usado nos exércitos terrestres. Veja-se os Boinas Verdes norte-americanos no Afeganistão.

Há uma semana a Rede Bandeirantes mostrou uma reportagem sobre a Serra da Mantiqueira, entre São Paulo e Rio de Janeiro. Lá em cima, alguns de seus picos somente são alcançados por jumentos. Nos exércitos é a mesma coisa. Na Segunda Guerra Mundial, em Monte Castelo, o Exército Brasileiro era abastecido de munições e comida, nos picos dos Apeninos, por jumentos de carga conduzidos por partizans  filiados ao Partido Comunista Italiano (o PCI). Este é o sentido da expressão: aquele que vai até onde nada mais chega. Seria um elogio ao general Mourão se não fosse intensão matreira do candidato de fazer uma ofensa tendo uma resposta evasiva na ponta da língua. Entretanto, Mourão não pode reclamar: ele é candidato integrante de uma chapa agressiva. Deve estar preparado para ouvir o que não gosta. Ciro não atinge os militares como um todo, mas o adversário. Esta é uma ressalva importante, pois muitos analistas ainda insistem em situar o general como representante e integrante do comando das forças armadas. Ele é apenas um político no campo de luta.

A única novidade é que a campanha entra na reta final, com o segundo pelotão disputando por cabeça a vaga no segundo turno. Como melhor colocado, Ciro Gomes procura o protagonismo. A seu modo.

 

Por José Antônio Severo, Agência Digital News/ Blog Edgar Lisboa

Foto: Reprodução

 

Deixe seu comentário