Coluna – Dirigente crê em legado positivo da Surdolimpíada no Brasil
Presidente de comitê internacional vê país no radar de novos eventos
A 24ª edição da Surdolimpíada chega ao fim neste domingo (15), após duas semanas de disputas em Caxias do Sul (RS), envolvendo mais de 2,3 mil atletas com perda auditiva de ao menos 55 decibéis no melhor ouvido. Realizado desde 1924, o segundo multievento esportivo mais antigo do mundo, atrás somente da Olimpíada, ocorre pela primeira vez na América do Sul. Com 199 competidores, o Brasil tem a maior das 71 delegações na Serra Gaúcha.
Apesar de as modalidades terem adaptações, como sinais luminosos nas piscinas (para dar as largadas) ou bandeiras indicando marcações no futebol, as disputas entre surdos não integram os Jogos Paralímpicos, que são mais recentes (surgiram em 1960). Uma junção entre as entidades responsáveis pelos movimentos já foi proposta, mas não avançou. O aumento significativo no total de competidores na Paralimpíada (que só conseguiria ser equilibrado se alguns esportes fossem retirados) e a necessidade de um número razoável de intérpretes de libras, para diminuir barreiras de comunicação entre atletas com e sem deficiência auditiva, estão entre os entraves.
Curiosamente, os comitês internacionais são, atualmente, presididos por brasileiros. O paralímpico (IPC, na sigla em inglês) tem o carioca Andrew Parsons à frente, enquanto o de surdos (ICSD, na sigla em inglês) é comandado pelo gaúcho Gustavo Perazzolo. Há países onde as entidades nacionais são integradas, como na Ucrânia, líder do quadro de medalhas em Caxias do Sul. Em outros, caso do Brasil, órgãos diferentes gerem os movimentos paralímpico (CPB) e de surdos (CBDS).
“Não há como precisar em números exatos, mas aproximadamente 5% da população brasileira é surda e apenas uma minoria participa de eventos esportivos, em função da falta de incentivo e políticas públicas para fomentar o esporte surdo no país”, afirmou Perazzolo, à Agência Brasil.
A batalha por mais visibilidade e investimento ajuda a entender a diferença no histórico brasileiro nos eventos. Na Paralimpíada, o Brasil está no top-10 do quadro de medalhas há quatro edições. Na Surdolimpíada, as campanhas de destaque são recentes. O primeiro ouro só veio em 2017, na cidade turca de Samsun, com o nadador paulista Guilherme Maia. Ele, aliás, é responsável por sete dos 12 pódios do país desde a estreia, nos Jogos de Sofia (Bulgária), em 1993.
Presente em sete Surdolimpíadas (verão e inverno), seja como atleta ou membro da organização, o presidente do ICSD conversou com a Agência Brasil, por e-mail, sobre os desafios para realização do evento (que, aliás, acontece na terra natal do dirigente) em meio à tensão militar envolvendo Rússia e Ucrânia, o legado esperado para o movimento desportivo surdo e o balanço da participação brasileira nos Jogos. Até esta quinta-feira (12), o Brasil foi ao pódio quatro vezes em Caxias do Sul, com quatro bronzes: dois com Maia, na natação (100 e 200 metros livre), e dois no judô, com Rômulo Crispim (categoria até 66 quilos) e Alexandre Fernandes (até 90 quilos).
Balanço da Surdolimpíada
“Em função de pandemia e do conflito entre nações, tivemos uma redução considerável de delegações importantes. Mesmo assim, o nível técnico se mantém alto, visto que já tivemos quebra de recordes em diversas modalidades nesta edição. O público abraçou a competição e diversas arenas estão lotadas para assistir os jogos. As escolas também tem levado as crianças para assistir. Tem sido uma experiência incrível. Tenho certeza que Caxias do Sul deixará uma lembrança positiva para todos que aqui estão”.
Conflito Rússia e Ucrânia
“Acompanhamos, aguardamos os desdobramentos iniciais e tomamos a decisão, através do Conselho, de suspender Rússia e Belarus. Isso impactou na ausência de cerca de 600 atletas. Os ucranianos que já estavam fora de seu país em preparação para os Jogos tiveram auxílio de alguns países europeus para permanecerem onde estavam e assim conseguiram vir e hoje são a grande potência no quadro de medalhas”.
Convivência com o IPC
“Temos uma ótima relação, sim, com o IPC e o atual presidente. Por não ter uma deficiência motora, o surdo não compete com os paralímpicos. Por isso, cada um tem sua competição. Hoje, no Brasil, o esporte paralímpico tem muito mais apoio que o esporte surdo. Seus Jogos são muito mais conhecidos. Mas quero acreditar que com o legado positivo que deixaremos, o esporte surdo passe a ser mais reconhecido aqui, como já é em outros países desenvolvidos, que são as grandes potências do esporte para surdos”.
Desempenho do Brasil
“Até agora, o desempenho é positivo. O Brasil tem aqui sua maior delegação na história dos jogos. Certamente, o desempenho de nossos medalhistas surdolímpicos servirá de incentivo para que a comunidade se envolva mais no esporte para surdos”.
Futuro
“A próxima competição organizada pela ICSD será a Surdolimpíada de Inverno, na Áustria, em 2023. A Surdolimpíada de Verão, que estamos realizando aqui, terá sua próxima edição em 2025, em Tóquio [Japão]. Não temos confirmações ainda, mas com o sucesso do evento aqui, certamente o Brasil ficará no radar para sediar novas competições”.