Com doenças graves, servidores esperam há 2 anos que GDF pague pecúnia
Dívida do Executivo com os funcionários públicos ultrapassa R$ 500 milhões. Benefício é garantido pela Lei Complementar nº 840
A Licença-Prêmio por Assiduidade (LPA), direito garantido aos servidores do Governo do Distrito Federal (GDF) pela Lei Complementar nº 840, deu origem a uma dívida milionária por parte do GDF com os funcionários públicos. Segundo a legislação, o benefício deveria ser pago em até 60 dias, contados da data da aposentadoria, mas a espera pelo dinheiro já ultrapassa os dois anos. O débito da gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB) com os trabalhadores está na casa dos R$ 500 milhões.
Com uma média de 18 servidores saindo de atividade por dia, conforme dados do Instituto de Previdência do DF (Iprev), os pagamentos têm obedecido à ordem cronológica das aposentadorias. Quem passou para a condição de inativo na segunda quinzena de maio de 2016 ainda está sem receber. Muitos dependem do dinheiro para dar sequência a tratamentos de saúde.
É o caso da ex-professora Maria Dilma Rodrigues Bezerra, 49 anos. Diagnosticada com um câncer na região torácica em 2014, a funcionária pública da Secretaria de Educação (SEE) precisa do montante referente a seis meses de licença-prêmio para dar continuidade ao tratamento. Ela já enfrentou sessões de quimioterapia e radioterapia para tentar se livrar da doença.
Até descobrir que os sintomas apresentados eram causados por um tumor, Maria Dilma passou por diversos médicos e chegou a ser tratada por um alergista ao apresentar coceira no corpo, tosse e falta de ar. “Eu fiquei 20 dias internada no Hran [Hospital Regional da Asa Norte] por causa de uma trombose. Depois me transferiram para o Hospital de Base, porque tinha risco de morte. Lá, eles me fizeram uma cirurgia para o exame de biópsia e já comecei com a quimioterapia. Depois de alguns meses, passei para a radioterapia. Agora, faço acompanhamento de quatro em quatro meses”, relata.
Atualmente, a aposentada conta com um plano de saúde e dá continuidade ao tratamento na rede particular. Em 17 de agosto de 2016, depois de 22 anos na pasta, a professora viu-se obrigada a deixar o serviço público após a avaliação da junta médica do governo emitir laudo recomendando a aposentadoria por invalidez.
Prioridade
Doente renal crônica, com apenas 11% de funcionamento da capacidade renal e na fila por um transplante, a professora Maria Eunice Coimbra da Silva, 51, deixou o ambiente escolar em setembro de 2016. Com problemas de saúde desde quando estava na ativa, ela conseguiu gozar do benefício em quatro ocasiões ao longo de 27 anos de serviço, pois não se sentia apta a retornar ao trabalho e pediu o afastamento para descansar. Mesmo assim, ainda lhe restam quatro meses de LPA, o equivalente a R$ 40 mil.
Colega de profissão, a professora Lindalvani Pereira Moreira, 52, ficou 25 anos em sala de aula até se aposentar em setembro de 2016. Em julho de 2017, descobriu que tinha câncer no pulmão. Sintomas generalizados em várias partes do corpo enganaram os médicos, até finalmente ela receber o diagnóstico definitivo e começar um tratamento de quimioterapia. Hoje, Lindalvani responde bem aos medicamentos, mas se sentiu desamparada quando descobriu a doença.
“Teve um momento em que eu fiquei muito apreensiva, porque já tinha me aposentado e não fazia ideia de quanto custava o tratamento e se eu teria dinheiro para isso. Hoje, eu tenho um plano de saúde com coparticipação e não cheguei a comprometer o dinheiro das pecúnias”, conta a servidora, que tem direito a receber o equivalente a oito meses do último salário.
Reclamação unânime entre as professoras é a vedação ao direito de se gozar a licença-prêmio por falta de pessoal. Todas as aposentadas ouvidas pelo Metrópoles disseram ter pedidos negados ao menos uma vez, durante a vida profissional, por falta de quem as substituísse. “É uma economia burra, porque o governo poderia colocar um contratado no lugar e não teria de pagar o valor do último salário de um professor efetivo, que custa muito mais ao Estado”, critica a diretora do Sindicato dos Professores (Sinpro), Rosilene Corrêa.
Após completar 60 anos, Edinalda Menezes pediu preferência para receber o benefício. A docente de história já trabalhou em escolas de várias regiões administrativas do DF e, após 25 anos de magistério, tem direito a receber nove meses do último salário. Marilene Coelho, 52, e Sônia Lemos, 54, não atendem aos critérios para tratamento prioritário, mas apoiam que pessoas com doenças graves passem na frente. Como as duas aposentaram-se no segundo semestre de 2016, elas esperam ser contempladas apenas em 2019. “Ele [o governador] está demorando três meses para quitar um”, reclama Marilene.
Legislação
Com base na Lei 6.037, de 21 de dezembro de 2017, a servidora pediu prioridade no pagamento da licença. A lei remete a duas normas federais e disciplina sobre a prioridade em procedimentos administrativos.
Para Rosilene Corrêa, do Sinpro, a legislação aprovada por Rollemberg é inócua, pois não produz os efeitos desejados para os casos em que o pagamento deveria ser prioritário.
“A lei foi sancionada em dezembro do ano passado e foi para a Seplag [Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão] regulamentar. Mas a norma vai além de pessoas com doenças graves e abrange aquelas com deficiência e idosos. Ampliou de tal forma que não seria possível administrar. Nós temos insistido nessa cobrança, e o governo não fez nenhum movimento e não está olhando para as pessoas nessa dificuldade”, critica.
Colaboradora do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (SindSaúde), Silene Almeira acompanha de perto a situação dos aposentados na Secretaria de Saúde. Para ela, a abrangência da lei que poderia beneficiar inativos doentes esbarra num dispositivo da própria norma. Ao incluir idosos na mesma categoria prioritária de deficientes e pessoas com doenças graves, o regulamento abarca praticamente a maior parte do universo de aposentados.
Advogado do Sindicato dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, Autarquias, Fundações e Tribunal de Contas do DF (Sindireta), Clécio Marciano diz que é preciso avaliar cada caso individualmente. “Muitas vezes, a Justiça é tão morosa que compensa esperar administrativamente”, aconselha.
A Secretaria de Fazenda informou que a dívida com pecúnias para servidores aposentados de todas as categorias do Governo do Distrito Federal está em cerca de R$ 500 milhões. Apesar de R$ 346,70 milhões terem sido pagos na gestão Rollemberg, o pagamento foi feito a conta-gotas: cerca de R$ 11 milhões ao mês – não é suficiente para a redução dessa cifra. O valor devido a um único inativo pode ultrapassar os R$ 500 mil, sobretudo em categorias nas quais é comum receber o teto salarial do GDF, como a carreira médica.
Fonte: Metrópoles
Foto: Igo Estrela/Especial para o Metrópoles