Com uma mão, BRB deu a empresários. Com a outra, tirou de servidores
Ao longo dos últimos anos, banco teve imagem manchada por esquemas de corrupção. Enquanto isso, correntistas sofrem com superendividamento
O escândalo de corrupção envolvendo a cúpula do Banco de Brasília, escancarado pela Operação Circus Maximus, expôs histórico de favorecimento e poderes ilimitados do alto escalão do BRB, distanciando-o da verdadeira missão de uma instituição bancária pública. Enquanto seus dirigentes abriram os cofres para dilapidar o patrimônio dos investidores e acionistas, aliando-se a grupos de interesses duvidosos de olho em dinheiro fácil e propina, milhares de correntistas foram tratados com mão de ferro após serem induzidos a contrair empréstimos e comprometer integralmente os salários.
A voracidade com que o BRB avançou sobre seus clientes, a maioria servidores públicos, fez multiplicar a quantidade de superendividados. Muitos deles chegaram a ter 65%, 70% – e em alguns casos, 100% – da remuneração comprometida com empréstimos consignados e outros produtos adquiridos no banco. A negociação, geralmente conduzida de forma draconiana pela instituição brasiliense, é o maior empecilho para tirar da situação de miséria quem vive para pagar dívidas a juros exorbitantes.
O banco não revela quantas pessoas estão nessa circunstância, mas, na última vez em que divulgou os dados, em 2016, havia cerca de 1,3 mil correntistas com 100% do salário retido pelo BRB. Muitos desenvolvem doenças graves, como depressão, e há até casos de tentativa de suicídio.
Os superendividados reclamam que não há espaço para negociarem seus problemas financeiros. Contam que não é dada a eles a mesma flexibilização oferecida aos “amigos” dos dirigentes mais graduados.
Servidor da Secretaria de Saúde há 22 anos, João* precisa fazer bicos e trabalhar três turnos para conseguir se sustentar. Técnico do banco de sangue de um hospital público, ele tem salário de R$ 6.800, mas 85% da remuneração está comprometida com empréstimos: dois em folha, dois pelo BRB. “Este mês, recebi R$ 800. Tenho dois filhos, pago pensão. A dívida virou uma bola de neve”, lamentou.
O homem de 43 anos afirmou só ter percebido a gravidade de sua situação financeira quando não conseguia mais sair dela. “Quando você entra no serviço público, não tem noção de economia. Sofremos um assédio do banco para aderir a empréstimos. Aí eu pensava: sou servidor público, tenho estabilidade, mas não é assim. Não podemos aceitar tudo”, disse.
Luana*, 51 anos, não consegue sair do vermelho. Toda vez que vai renegociar a dívida, o BRB propõe a ampliação do prazo. “Vou morrer sem pagar”, dispara. Ela ficou indignada ao saber das denúncias de corrupção no banco: “Pelo que soube, liberaram milhões de reais sem garantia. Para a gente, só sobra o rigor da lei. Nunca pode nada”. Joabe*, 39, deve cerca de R$ 200 mil em empréstimos consignados ao BRB e não esconde a revolta.
“Não estamos pedindo perdão de dívida. Apenas condições razoáveis de pagamento. Só que a proposta sempre favorece ao banco. Bem diferente quando envolve figurões e rola propina. Aí, o banco nem se preocupa em perder milhões de reais” Joabe, servidor do GDF endividado
Maria*, também de 43 anos, passa pela mesma situação. Porém, ela ainda não conseguiu trabalhos extras para se recompor. Técnica da Procuradoria-Geral do DF (PGDF), a servidora deve hoje 60% da remuneração mensal ao banco. “O pior é que esse percentual não é considerado superendividado. Então, a negociação fica ainda pior. Eles propõem ampliar o prazo de pagamento, sendo que não há redução nas parcelas. Os juros ficam nas alturas”, afirmou.
Ela e os colegas têm um grupo de servidores com 50 pessoas superendividadas. Eles se ajudam e já chegaram a fazer vaquinha para os que estão em pior situação comprar comida e materiais básicos. “As propostas de negociação do banco são indecentes. As parcelas só aumentavam. Estamos elaborando um documento com soluções viáveis”, explica uma das representantes dos servidores, a agente jurídica da PGDF Edilce Barbosa dos Santos.
Um peso, duas medidas
O tratamento rigoroso reservado a eles é totalmente oposto ao dado àqueles que estão dispostos a trocar propina, favores e agrados por transações nem sempre vantajosas para o banco, conforme constatou um dos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) que investigam a existência de suposto esquema criminoso sangrando o BRB. “É inegável o desprezo que os envolvidos têm sobre as consequências dos próprios atos, pois o esquema se iniciou quando a Operação Lava Jato já havia sido deflagrada”, diz Frederico Siqueira.
De acordo com o MPF, ao longo dos anos empresários e agentes financeiros vêm deitando e rolando no dinheiro do banco, cometendo crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e gestão temerária, para citar apenas alguns. Os procuradores avaliam que centenas de milhares de investidores e participantes de fundos administrados pelo BRB foram lesados.
O esquema desnudado na última terça-feira (29/1), que levou 13 pessoas para a prisão, gerou prejuízo em investimentos que somam aproximadamente R$ 400 milhões. Na outra ponta, porém, rendeu propinas estimadas em R$ 40 milhões.
Uma prática que, se confirmada, não é nova. Pelo menos no BRB. Em 2007, por exemplo, a Operação Aquarela, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), revelou a existência de organização criminosa instalada na cúpula do BRB, sustentada com a lavagem de dinheiro envolvendo contratos sem licitação entre o BRB e a Associação Nacional de Bancos (Asbace), durante o governo de Joaquim Roriz.
As investigações e ações penais propostas pelo MPDFT comprovaram os crimes imputados e evidenciaram o favorecimento do ex-presidente do banco Tarcísio Franklim de Moura, que presidiu a instituição entre 1999 e 2007. De acordo com a Justiça, ele provocou prejuízo de R$ 4,3 milhões à instituição – e acabou condenado a 26 anos de prisão. Com Tarcísio, foram investigadas outras 19 pessoas. Naquela época, o prejuízo calculado para o banco chegou a mais de R$ 5 milhões.
Durante as investigações da Aquarela, foi descoberta outra transação suspeita dentro do BRB. O caso ficou conhecido como o escândalo da Bezerra de Ouro. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça flagraram conversas entre Tarcísio Franklin, o ex-governador Joaquim Roriz e o ex-presidente da empresa Gol Linhas Áreas, Nenê Constantino, fazendo acerto para partilhar um cheque de R$ 2,2 milhões.
Na época, Roriz se defendeu alegando que as conversas gravadas do trio diziam respeito a um empréstimo de R$ 300 mil feito com Constantino para a compra do embrião de uma bezerra, na Universidade de Marília, interior de São Paulo. Ao então presidente do BRB, Roriz, que estava no primeiro ano de seu mandato no Senado, teria pedido para descontar o cheque, do Banco do Brasil, no caixa do BRB. A irregularidade levou o então senador a renunciar o mandato antes mesmo de sofrer um processo por quebra de decoro.
Outro negócio envolvendo o banco já está na mira dos órgãos de controle, como o Ministério Público de Contas (MPC) e o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Trata-se da recomposição, em ações do BRB, usadas pelo governo Rollemberg para restituir R$ 531 milhões retirados do Instituto de Previdência do DF.
Foi identificada diferença entre as quantias negociadadas em Bolsa e os usados como referência para a transferência das ações do banco. Segundo as análises já feitas, o valor “pago” pelo instituto em 2017 foi o triplo do que o mercado estaria disposto a desembolsar pelas mesmas ações. Conta que ameaça a aposentadoria dos servidores públicos, prejudicados em uma transação na qual o BRB e os intermediadores da transação foram os grandes beneficiários.
Transações suspeitas
Passados 12 anos, a Circus Maximus voltou a colocar a direção do BRB na rota das fraudes e irregularidades. Ricardo Leal, arrecadador de campanha do ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB), é apontado pelo MPF como líder da organização criminosa.
Leal seria o responsável por indicar boa parte da diretoria que hoje está sob investigação. Entre eles, o agora ex-presidente do banco Vasco Gonçalves. O escândalo teve repercussão nacional e internacional, sendo noticiado até pelo jornal The New York Times.
Três transações suspeitas realizadas pelo BRB estão citadas em processo movido pelo MPF: o Edifício Praça Capital, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA); o LSH Lifestyle Hotel, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro; e a reestruturação da dívida do jornal Correio Braziliense, que tem sede no Setor de Indústrias Gráficas (SIG).
Preocupação
O governador Ibaneis Rocha (MDB) disse estar preocupado com a situação. Ele afirmou ter o compromisso de não privatizar o banco e de valorizar o funcionalismo.
“Meu compromisso com o servidor é integral, e nós vamos encontrar uma saída para resolver os problemas de endividamento. O BRB pode ter uma linha de crédito especial para isso, mas não é a única alternativa” Governador Ibaneis Rocha
Na quinta (31), o novo presidente do BRB tomou posse com a missão de discutir e solucionar os problemas. Por meio de nota, a instituição informou que “o banco lançará, na próxima semana, programa voltado a essa temática (superendividados)”.
*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados
Fonte: Metrópoles
Por Manoela Alcântara
Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles