Comércios à margem de rodovias do DF descumprem lei e vendem bebidas alcoólicas
Lei distrital proíbe venda de álcool em lojas nas ‘faixas de domínio’. G1 flagrou cinco infrações em trecho a 3,5km do DER; fiscalização fica a cargo do órgão gestor das rodovias.
A cada latinha de cerveja ou dose de cachaça vendida, bares e quiosques às margens de rodovias do Distrito Federal descumprem, ao mesmo tempo, uma lei federal e uma lei distrital. Em vigor há 10 anos, a legislação proíbe qualquer tentativa de facilitar o hábito – arriscado e imprudente – de motoristas que insistem em combinar álcool e direção.
A discussão sobre a eficácia da lei veio à tona após o acidente com o motociclista que morreu, no início do mês, após bater de frente com um carro na BR-020. De acordo com testemunhas, José Dimas Ribeiro dos Santos, de 50 anos, saiu embriagado de um bar na altura do km 57 e teria percorrido cerca de 10 quilômetros na contramão. O momento do acidente foi filmado, e as imagens fortes ganharam repercussão na internet.
Para conferir se a prática se repete em outros pontos do DF, o G1 percorreu algumas das principais rodovias que cortam o DF na última segunda-feira (22). Pelo menos cinco quiosques e restaurantes, naquele dia, vendiam bebidas alcoólicas. Alguns estão a menos de 3,5km de distância de um posto do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), responsável pela fiscalização.
Escondidas e à mostra
Em um dos estabelecimentos à margem da Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB, ou DF-075), a reportagem simulou interesse na compra de cerveja. A garrafa não estava à vista do consumidor, mas escondida em um freezer, atrás de garrafas de água e latas de refrigerante.
Já uma pastelaria à beira da mesma rodovia, em outro trecho, também comercializava bebidas alcoólicas. Desta vez, mais de 50 garrafas de cachaça estavam à mostra sobre um balcão.
O G1 não conseguiu confirmar se esses comércios da EPNB têm autorização para funcionar. Segundo o DER-DF, mesmo que haja alvará, eles não poderiam vender nenhum tipo de álcool porque estão na chamada “faixa de domínio” do órgão.
“Podemos fazer concessões para quiosques que estão dentro da faixa de domínio, mas a lei proíbe a venda de bebidas alcoólicas”, afirma o superintendente de operações do DER, Murilo Santos.
Legislação no DF
A “faixa de domínio” – onde é proibido vender bebida alcoólica, segundo a lei distrital – está relacionada às rodovias declaradas como “de utilidade pública”, e a extensão varia de acordo com cada estrada.
No caso da via em questão, a EPNB, a área de proibição de bebidas alcoólicas se estende por até 130 metros (65 metros contados a partir do eixo central, em cada lado). Em outras rodovias, esse perímetro pode chegar somente a 40 metros.
De acordo com a legislação, é proibida a distribuição, comercialização e consumo de bebidas, com “qualquer teor alcoólico, em estabelecimentos comerciais localizados em terminais rodoviários ou rodoferroviários e às margens das rodovias sob jurisdição do Distrito Federal”.
Fiscalização
Ainda na EPNB, na altura do Riacho Fundo, um carro de fiscalização do DER passou ao lados dos quisoques supostamente irregulares enquanto o G1 fazia a “blitz”, na última segunda. Apesar do percurso frequente em direção à sede do 3º Distrito, Santos afirma que os agentes do departamento não são responsáveis por esse tipo de abordagem cotidiana.
Questionado sobre a fiscalização, o superintendente explica que, normalmente, uma equipe de servidores percorre as vias do DF com o objetivo específico de fiscalizar essas condutas. Mas, durante a explicação, ele citou o baixo efetivo de agentes.
“São quatro equipes de 12 servidores para o DF [todo]”.
No ano passado, o departamento apreendeu 300 vasilhames (litros e garrafas) de bebidas alcoólicas que eram comercializados irregularmente. A maior parte foi encontrada na DF-001 (Santa Maria) e na DF-025 (Lago Sul).
Pouca fiscalização
Com o balanço de apreensões em 2017 em mãos, o G1 questionou ao DER se o número não seria considerado baixo em relação à quantidade de quiosques e traillers que ocupam as margens de rodovias locais.
O DER não foi claro na resposta, mas afirmou que age, normalmente, a partir de denúncias recebidas na Ouvidoria do órgão. O departamento também ressaltou que a fiscalização acontece apenas para ocupantes de áreas específicas, as “faixas de domínio”.
“Aos autorizatários que desobedecerem as condições do termo firmado, a multa é de R$ 472,90.”
Em caso de reincidência, a multa aplicada corresponde ao dobro do valor anterior. A autuação vale também para donos de comércios que ocupam a área sem autorização, independentemente do que esteja sendo vendido.
E nas BR’s?
Apesar de a Lei 2.098/1998 tratar apenas de estradas distritais (DF-XXX, na sigla), uma outra regra, a Lei Seca, também proíbe o comércio de bebidas que contenham álcool em rodovias rurais sob domínio federal, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Neste caso, a fiscalização e a aplicação de multas nas BRs ficam a cargo da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
A legislação nacional proíbe a “venda varejista ou o oferecimento de bebidas alcoólicas para consumo no local”. A regra vale para a faixa de domínio de rodovias federais e, ainda, para terrenos dessa faixa que deem acesso direto à rodovia.
Ao G1, a PRF destacou que a proibição só vale para os trechos rurais das rodovias. “No DF, grande parte das rodovias federais estão situadas em áreas urbanas”. Ou seja, em trechos da EPIA, por exemplo, a norma não teria validade.
No entanto, o DER – que responde apenas pelas rodovias distritais – afirma que no conceito técnico, “toda rodovia é uma estrada rural, de ligação entre uma cidade e outra, e passa também por áreas urbanas”.
A violação da norma em rodovias federais implica multa de R$ 1,5 mil. Em caso de reincidência dentro do prazo de 12 meses, o valor também é multiplicado por dois.
O que dizem especialistas
Tendo em vista a complexidade da lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas às margens de rodovias distritais e federais, o G1 procurou especialistas para comentar a eficácia, ou não, da legislação na redução de acidentes com motoristas bêbados.
Em 2016, no DF, 14 mil motoristas foram flagrados dirigindo sob efeito de álcool. No ano passado, 24 mil foram notificados – 10 mil casos a mais. Na média, o índice passou de 38 para 66 autuações ao dia.
Considerando os números, o professor da Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Instituto de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte, afirma que a proibição imposta a estabelecimentos à beira de rodovias é “ineficaz” e de “difícil fiscalização”.
“O foco não é o bar ou supermercado que vende, mas a responsabilidade do motorista, que não pode beber e dirigir.”
“O que tem que fiscalizar é se tem condutor dirigindo, ou não, sob efeito de álcool. Essa fiscalização tem tido eficácia, mas não tem sido eficiente”, pontua.
Quando cita “fiscalização”, Duarte se refere às blitzes de trânsito. Para o pesquisador, a operação nas ruas deveria investir na investigação se o motorista apresenta suspeita de ter bebido, ou de estar falando ao celular.
“No DF, a gente fiscaliza basicamente com blitzes. Não que sejam negligenciáveis, mas é uma forma de fiscalização que retém o tráfego, que é de fácil detecção por quem está dirigindo.”
Sobre a Lei Seca, em vigor há 10 anos, David Duarte diz ver eficácia e, inclusive, mudança de comportamento por parte dos motoristas. “Tem muita gente com medo de beber e dirigir”.
Fonte: G1
Fotos: Equipe G1