Democracias encarceram, depõem ou levam ao suicídio presidentes
Por Luiz Flávio Gomes (*)
Finalmente o povo, os parlamentos, os tribunais e a mídia estão acordando e levando suas elites corruptas e vorazes ao cárcere ou à deposição. Noticia o jornal mexicano El Universal (ver Moisés Naím, Estadão) que dos 42 presidentes que, entre 1990 e 2018, exerceram a presidência de Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá, 19 foram ou ainda estão presos.
É de se lamentar que essa revolução histórica esteja sendo feita ainda de forma muito seletiva e mais contra alguns políticos, que normalmente não passam de escudos indecentes dos seus financiadores que pertencem às elites econômicas e financeiras.
O sistema de prestação de contas, sem caça às bruxas e dentro da legalidade, precisa chegar o mais pronto possível nesse andar de cima, porque é aí que mora a opressão, o saque e a rapinagem de todas as classes sociais (de A a E), que formam os “ferrados da nação” (desde o industrial cuja indústria está se desindustrializando até o trabalhador cujo trabalho está sendo precarizado).
No Peru, Kuczynski (ex-presidente deposto em 2018) está sob prisão preventiva domiciliar. Humala e sua mulher foram presos. Alejandro Toledo e sua mulher são foragidos da Justiça. Keiko Fujimori, líder da oposição, está com mandado de prisão expedido. Seu pai (Alberto Fujimori) ficou encarcerado muitos anos. Alán García, no momento da prisão, se suicidou. Deposição, encarceramento e morte.
Na Itália, Berlusconi foi condenado pelos tribunais e cumpriu prestação de serviços à comunidade. Em Israel, os quatro últimos primeiros-ministros estão sob investigação por corrupção. Em Portugal, pelo menos um primeiro-ministro já foi preso.
Na Coreia do Sul, Park Geun-hey, ex-presidente, foi deposta e está cumprindo pena de 24 anos de prisão. Lee Myung-bak, ex-presidente também, está condenado a 15 anos de prisão. Outro ex-presidente, Rot Moo-hyun, acusado de corrupção, cometeu suicídio.
Tailândia, Malásia, Indonésia, Sudão do Sul, Paraguai, Argentina e tantos outros países também contam com ex-presidentes na cadeia ou processados ou depostos.
Onde os partidos políticos já não mantêm nenhum tipo de conexão decente com a população, porque prostrados de joelhos diante das elites econômicas e financeiras, frequentemente corruptas e vorazes, lá estão surgindo marés de cidadãos ferrados e indignados (nas ruas, nas redes e nas urnas), que levam os tribunais e até mesmo os parlamentos a agirem contra as elites saqueadoras da nação.
No Brasil, considerando apenas os presidentes da redemocratização, Lula está na cadeia e Temer ficou preso vários dias. Quando suas condenações em série chegarem, deve voltar para o encarceramento. Dilma está sendo investigada. Collor está na iminência de uma grande condenação, a mais de 20 anos (pediu o Ministério Público). Sarney e FHC só não estão na cadeia porque seus vários crimes prescreveram (corrupção, compra de votos, emenda da reeleição e por aí vai). Itamar já faleceu e Bolsonaro está em exercício na presidência.
Os escombros institucionais das democracias liberais (embora trucidadas e devastadas pelas suas elites da rapina) se transformaram em máquinas de devorar políticos e empresários corruptos (veja o caso de Marcelo Odebrecht). Isso é muito salutar, enquanto tudo fique dentro da legalidade. Dois presidentes brasileiros sofreram impeachment: Dilma e Collor.
Como se vê, a deposição e o encarceramento de presidentes já não causam surpresas. Fazem parte do jogo institucional reminiscente, que seria muito mais eficaz se não fosse vergonhosamente manipulado pelas elites selvagens.
Tudo passa pelas oligarquias (elites saqueadoras) que dominam o poder. Quando algum presidente ou ex-presidente envolvido com a rapinagem é expulso do clube das elites corruptas, seu risco de deposição ou encarceramento é muito grande. A Justiça não atua contra todos igualmente. Apresenta muita seletividade. A proteção das elites e dos tribunais ainda deixa muitos presidentes na impunidade.
Em tempos passados, eram os militares que tiravam os presidentes do poder. Hoje, as próprias democracias e suas instituições se encarregam disso. O País continua, depois das prisões e deposições, com seus problemas costumeiros. Os sistemas eleitorais amadureceram. As instituições também.
Hoje se pode dizer que faz parte das democracias liberais tanto eleger como deseleger, retirar ou encarcerar. Embora massacradas, as democracias liberais ainda estão funcionando.
O lugar dos militares golpistas de antigamente foi ocupado pelo povo (nas urnas, nas redes e nas ruas), pela mídia, pelos parlamentos e pelos tribunais (império da lei). A força do povo ou da lei elimina chefes de Estado do poder (via deposição, encarceramento ou, tragicamente, morte), salvo quando as elites dirigentes põem em marcha as indevidas proteções.
O que ainda está por acontecer como novidade nessas democracias expurgatórias é a deposição (impeachment) de juízes das cortes supremas, que se comportam como políticos (que fazem politicagem). Eles estão na marca do pênalti. É a nova onda que se avizinha.
Por que tudo isso está ocorrendo? Porque o povo ferrado de todas as classes sociais (de A a E) não suporta mais tanta desigualdade incrementada pelo capitalismo financeiro improdutivo e voraz; é muita miséria, frustração com a economia estagnada, indústria se acabando, comércio fechando, agronegócio travando, empreendedorismo falindo, serviços públicos indecentes, desemprego, precarização no trabalho, corrupção, medo do futuro e incertezas. O povo, do industrial à servidora doméstica, se tornou um forte repelente das suas próprias elites espoliadoras.
Governos com fraco desempenho (que não atacam os problemas reais da população, que não melhoram sua qualidade de vida) ou corruptos estão sempre com a corda da deposição ou do encarceramento no pescoço. Os ferrados de todas as classes sociais já não estão aceitando ficarem como mosca, batendo contra o mesmo vidro o tempo todo. O cenário é de desalento e, paradoxalmente, também de esperança. Algo está mudando.
A máquina de trucidar políticos, de esquerda ou de direita, populistas ou não populistas (máquina composta pelo povo, mídia, parlamentos e tribunais), aprendeu a defenestrá-los (devorá-los). Farão isso cada vez com maior frequência, sobretudo quando falta habilidade, confiança, inteligência e honestidade aos governantes despreparados. A raiva (o veneno) que elege os políticos, populistas ou não, é a mesma que os tira do poder.
Em defesa de todos os ferrados da nação – pelas suas elites corruptas e vorazes – é que temos que lutar, porque o combate contra a desigualdade abissal e a injustiça é o desafio que mais faz sentido para a existência humana em toda a História.
Sobre Luiz Flávio Gomes: Titular da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania) e Suplente na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime organizado. Criador do movimento de combate à corrupção, “Quero um Brasil Ético”. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri. Mestre em Direito Penal, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Foi Delegado de Polícia aos 21 anos, Promotor de Justiça aos 22 e Juiz de Direito aos 25, exerceu também a advocacia. Fundou a Rede LFG, democratizando o ensino jurídico no Brasil. Doutor em Direito Penal, jurista e professor. Publicou mais de 60 livros, sendo o seu mais recente “O Jogo Sujo da Corrupção”. Foi comentarista do Jornal da Cultura. Escreve para sites, jornais e revistas sobre temas da atualidade, especialmente sobre questões sociais e políticas, e seus desdobramentos jurídicos. Em 2018 candidatou-se pela primeira vez com o objetivo de defender a Ética, a Justiça e a Cidadania. Eleito Deputado Federal por São Paulo – PSB com 86.433 votos.
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Fonte: Assessoria de Imprensa – Por Fernanda Müller
Foto: Arquivo Pessoal