Disparidade de armas!
Por Percival Puggina (*)
Quando postulam em juízo contra a desigualdade de condições a que consideram expostos seus clientes, os advogados usam a expressão “disparidade de armas”. Usarei então esse bordão para apontar o que vejo acontecer no Brasil com a liberdade de expressão no exclusivo e patrulhado território da opinião política.
O problema já começa por aí. Você pode opinar livremente sobre economia, psicologia, filosofia, temperatura dos mares, arquitetura esquimó, inteligência artificial ou boçal, mas se for falar sobre política nacional, quanto mais seus pés forem mantidos firmes no chão dos fatos, maior será o zelo de sua mente em relação ao que vai dizer. Na minha opinião, isso é muito ruim para a democracia.
O leitor deve lembrar que durante a campanha eleitoral, a censura funcionou a pleno. Verdadeira multidão de influenciadores digitais foi penalizada. Empresas de comunicação digital, não alinhadas com as ideias da esquerda, foram submetidas a várias formas de censura (inclusive prévia), ameaças, multas, desmonetizações e cancelamento de seus espaços, sob a alegação de estarem influenciando de modo indevido a opinião pública em detrimento de um dos candidatos.
Por quê? Porque há na lei eleitoral um impedimento ao custeio de campanhas por empresas privadas. Então, produções que gerassem benefícios de opinião a um candidato (sempre o mesmo) eram equiparadas a um aporte financeiro. As empresas que não quisessem um governo de esquerda, então, que não tratassem mais de política, enquanto as demais seguiram com sua campanha.
Desde o período eleitoral de 2018 e nos anos subsequentes, as mais poderosas empresas de comunicação do país agiram em aberta campanha contra um dos lados que se antagonizaram politicamente. Eu nunca vira algo tão intenso e escancarado. Foi assim durante a totalidade do mandato de Bolsonaro e assim seguiu durante a inteira campanha eleitoral. A memória nacional não registra, durante quatro anos, qualquer fiapo de matéria produzida pelo grupo conhecido como o “Consórcio” que contivesse meio adjetivo favorável ao então presidente da República. Nem se fale em “paridade de armas”.
A patrulha era realmente zarolha. As lunetas dos snipers da censura patrulhavam o espaço digital em busca de palavras porque estavam ali seus alvos: as malditas redes sociais que haviam levado Bolsonaro ao poder.
Sempre deixei claro que considerava isso muito ruim para a democracia, porque ela não prescinde da liberdade de opinião.
Houve quem, ingenuamente, imaginasse que findo o pleito, consolidada a situação conforme desejada pelos donos do poder, a liberdade de expressão poderia retornar à normalidade própria das democracias. No entanto, para isso, seria imprescindível haver uma democracia.
As duas melhores provas de que ela morreu à míngua são:
1ª – as propostas já formalizadas para acabar com o que ainda resta de relevância nas redes sociais, únicos veículos utilizáveis pelos eleitores oposicionistas;
2ª – o fato de que agora, em tempo comum, os líderes da oposição, que falam por 59 milhões de eleitores, são ignorados pela velha imprensa e só são entrevistados pelos mesmos canais que foram politicamente silenciados durante o processo eleitoral.
De modo bem visível por quem tem olhos de ver, a liberdade e a democracia se aviltam com a disparidade de armas e aos golpes dos que se proclamam seus defensores.
(*) Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
*Artigo de responsabilidade do autor.
Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o Brasília In Foco News
Foto: Reprodução