Dívida do Vale do Amanhecer com a TIM é investigada pelo MPDFT
Inquérito ainda deve apurar parcelamento ilegal do solo, débitos de IPTU, falhas na prestação de contas e possíveis ilícitos criminais
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu inquérito para investigar irregularidades na instalação de uma antena de celulares da TIM no Vale do Amanhecer. Por causa de uma dívida da Ordem Espiritualista Cristã (Osoec) com a empresa de telefonia, o templo, erguido há quase meio século, pode estar com os dias contados. Isso porque, para quitação do débito, a Justiça determinou a penhora e acena com o leilão do terreno, avaliado em R$ 5,2 milhões. O caso foi revelado pelo Metrópoles em 10 de fevereiro.
A abertura do inquérito civil foi publicada na edição de 5 de abril do Diário Oficial da União. O documento aponta valores depositados indevidamente pela TIM em favor da Osoec. A investigação também deve apurar “a instalação e o funcionamento da antena, a suspeita de parcelamento irregular do solo, possíveis práticas de ilícitos criminais, dívidas com Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e eventual falta na prestação de contas”.
Os problemas começaram em 5 de março de 2014, quando a TIM depositou, equivocadamente, R$ 581 mil na conta da Osoec. Ao tentar reaver o dinheiro, a telefônica recebeu apenas R$ 300 mil. A entidade foi condenada a restituir os R$ 281 mil restantes com correção monetária e juros de 1% ao mês. Em 2016, considerando a dívida adquirida com a empresa de telefonia, a Justiça penhorou imóveis da Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) cedidos às atividades da entidade que administra o Vale do Amanhecer.
O MPDFT pediu a vários órgãos do Distrito Federal que se manifestem quanto à situação do Vale do Amanhecer. À Secretaria de Cultura, o Ministério Público solicitou informações acerca do valor cultural do lugar. A Secretaria de Fazenda foi acionada para informar sobre dívidas com IPTU.
Já a Terracap deve esclarecer a situação fundiária do Vale do Amanhecer. O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e a Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth) estão incumbidas de repassar os documentos de autorização para a instalação da antena e o licenciamento ambiental.
De acordo com nota do Palácio do Buriti, os órgãos citados responderão ao MPDFT diretamente nos autos. A TIM informou que ainda não foi notificada e prestará as informações solicitadas no inquérito.
Entidade achou que erro era “doação”
O impasse teve início em 5 de março de 2014. À época, a TIM Celular S.A. alugava, havia 10 anos, um terreno de 144m², pelo qual pagava R$ 952,67 mensais. Porém, nessa data, transferiu R$ 581 mil para a conta bancária de Nitya Santos Zelaya Castro, filha do presidente da Ordem, Raul Oscar Zelaya Chaves. Ele é um dos quatro filhos da fundadora do Vale do Amanhecer, a clarividente Neiva Chaves Zelaya (a Tia Neiva), e pai de Nitya.
Conforme parte de sentença do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), onde tramita o caso, a TIM solicitou a devolução do montante em 1º de abril daquele ano, alegando equívoco. Entretanto, no dia seguinte, a Ordem, após confirmar o recebimento do valor, restituiu à empresa R$ 300 mil, sob argumento de ter gastado o restante “com reformas, benfeitorias e pagamentos de débitos que se encontravam em atraso pela entidade”.
Zelaya Chaves alegou ter acreditado que o valor depositado se tratava de doação e sugeriu o abatimento do valor do aluguel como forma de reembolsar os R$ 281 mil devidos à empresa. A telefônica recusou a proposta, pois demoraria 24 anos para recuperar os recursos. Hoje, por causa da correção monetária e juros de mora, o valor da dívida supera os R$ 500 mil. Diante do impasse, a TIM, então, recorreu à Justiça.
Em março de 2016, a juíza de direito da 18ª Vara Cível do TJDFT determinou a penhora dos 10 blocos da Ordem – incluindo o templo-mãe – e o estacionamento. Nem mesmo comerciantes do local escaparam da decisão. Um deles é o artista plástico Joaquim Silva Vilela, proprietário de uma loja no terreno. Ele chegou ao Vale do Amanhecer há 40 anos e decorou diversas partes do lugar, inclusive o santuário principal.
“A doutrina pode ser arrematada por alguém que não liga para espiritualismo, que pode acabar com tudo. Toda a área circundando o templo está arrolada, é algo assustador. O Vale do Amanhecer gira em torno disso” Joaquim Silva Vilela, artista plástico
Apesar da preocupação, Vilela, frequentador do santuário, demonstra alívio. Isso porque ele interpôs ação de embargos de terceiro após a Justiça ter determinado o leilão da área. Ou seja, argumentou que seu imóvel não deve ser penhorado como os outros blocos, pois o ganhou da fundadora do Vale do Amanhecer. Isso culminou na suspensão do processo, o qual já estava em fase de execução, porém a ação principal só deveria prosseguir após julgamento do embargo, de acordo com o entendimento do tribunal.
Dália Castro da Silva também pleiteia exclusão da penhora. O ganha-pão dela, um restaurante, entrou na sentença como parte do Bloco D. “Moro no Vale há 51 anos, sou parte da história desse lugar. Meu imóvel, foi Tia Neiva quem me deu, tenho cessão de direitos”, afirmou.
História
Em 1969, a médium clarividente e caminhoneira Tia Neiva fundou a doutrina Vale do Amanhecer, ordem espiritualista que mescla diversas religiões. Entre elas, a católica apostólica romana e crenças africanas, como umbanda e quimbanda.
Tia Neiva morreu em 1985. Desde então, o Vale expandiu e, hoje, abriga cerca de 30 mil pessoas. Aproximadamente 400 delas praticam diariamente a fé no templo espiritualista.
O local é aberto integralmente à comunidade e acolhe pessoas necessitadas. Inclusive, moradores de rua. Além disso, o Vale atrai visitantes do restante do Brasil e do exterior, de países como Estados Unidos, Portugal e Japão.
Fonte: Metrópoles
Foto: Hugo Barreto/Metrópoles