Drácon: Cardoso e Intensicare viram réus por improbidade
Decisão da Justiça acolhe pedido do MPDFT. Os três têm prazo de 15 dias para apresentar defesa
A 3ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) transformou em réus o ex-diretor do Fundo de Saúde do DF Ricardo Cardoso e a empresa Intensicare, que administra a unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). Eles passam a responder à acusação de improbidade administrativa por fatos revelado pela Operação Drácon, deflagrada em agosto de 2016 (foto em destaque). O ex-secretário de Saúde Fábio Gondim não é réu da Operação Drácon e figura apenas como testemunha.
A decisão, proferida pelo juiz Jansen Fialho de Almeida, acolhe representação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Agora, os três réus terão 15 dias para apresentar as respectivas defesas. O ex-corregedor da Secretaria de Saúde Flávio Dias de Abreu, também denunciado pelo MPDFT, teve a acusação arquivada pela Justiça e não responderá a processo. O valor da causa é de R$ 5 milhões.
De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, Ricardo Cardoso teria autorizado, em 31 de dezembro de 2015, “pagamento indevido” à empresa Intensicare.
No caso da Intensicare, a companhia, segundo o MPDFT, “não estava oferecendo médicos diaristas, pelo menos para a UTI Adulto, em número suficiente para cumprir a legislação sanitária vigente, nem mesmo para os leitos ativos”.
Os recursos para o pagamento faziam parte de uma emenda parlamentar aprovada pela Câmara Legislativa (CLDF) em 15 de dezembro. A destinação dessa verba, que totalizou R$ 30 milhões, é alvo de investigação da Operação Drácon, a qual apura suposto favorecimento de empresas de saúde mediante o pagamento de propina a distritais.
Quebra na ordem cronológica
O pagamento recebido pela Intensicare tinha, ainda de acordo com o MPDFT, o objetivo de quitar parte de uma dívida de R$ 7,5 milhões, referente à locação de leitos de UTI e à terceirização de médicos no HRSM.
O repasse no último dia de 2015, contudo, teria sido feito de forma irregular: legalmente, era preciso quitar a dívida com os prestadores de serviços de 2014, antes de pagar os débitos de 2015.
Para o MPDFT, apesar de não ter relação direta com os pagamentos, Fábio Gondim foi omisso quanto às investigações e à apuração das denúncias, causando prejuízo aos cofres do Distrito Federal.
A mesma acusação havia sido feita ao ex-corregedor da pasta Flávio Dias Abreu. Entretanto, na decisão do juiz Jansen Almeida, o magistrado reconhece que, antes de pedir exoneração, Dias havia solicitado investigação nos contratos da Intensicare com a Secretaria de Saúde por indícios de irregularidades.
Leitos de menos
O MPDFT apontou outras irregularidades. De acordo com a denúncia, o contrato entre a Secretaria de Saúde e a Intensicare previa o funcionamento de 100 leitos de UTI, mas esse total não foi alcançado.
Entre os motivos apontados, estava a falta de estrutura física, insumos e servidores para atender todos os leitos. Ainda assim, os pagamentos – com sobrepreço de 15%, segundo o Ministério Público – foram realizados como se todos eles estivessem em funcionamento, com profissionais suficientes para atendê-los.
A contratação dos chamados “médicos diaristas” também foi questionada pelos promotores. No primeiro momento, porque a lei, até o momento, não permite a terceirização da atividade-fim – como no atendimento em UTIs. Depois, porque metade dos profissionais do HRSM não teria especialização para atuar na área.
O outro lado
Procurado pela reportagem, o ex-secretário de Saúde Fábio Gondim protestou contra a decisão e criticou a postura da Justiça, uma vez que, na opinião dele, não há como impedir “servidores mal-intencionados” de cometerem crimes.
“Esse é o tipo de coisa que tem afastado os bons gestores. As pessoas fazem denúncias e o Judiciário acaba acatando, para só depois você se defender. Para um gestor isso é ruim, pois você passa anos respondendo a uma ação – e depois acaba sendo inocentado!?”, defendeu-se Gondim, que recorrerá.
O ex-diretor do Fundo de Saúde Ricardo Cardoso afirmou não ter sido notificado da decisão e que só irá se pronunciar sobre ela após conversar com sua defesa sobre o teor da denúncia.
O ex-corregedor de Saúde Flávio Dias disse estar aliviado por ter o nome excluído do processo. “No momento dos fatos ocorridos, eu já não era mais corregedor. E, quando estava no cargo, havia determinado a investigação das relações dessa empresa com o poder público. A apuração foi feita, e as irregularidades, divulgadas. Cumpri com o meu dever funcional, nunca fora da lei”, ressaltou.
O que diz a Intensicare
Já a Intensicare disse que, em 10 anos de serviços prestados no Distrito Federal, “nunca praticou qualquer ato lesivo ao erário ou de improbidade administrativa, e que agora vai se manifestar nas esferas cabíveis”.
De acordo com a Intensicare, a empresa ganhou processo licitatório de maneira regular em 2009 para atuar no DF. Em 2011, assumiu a fase final de transição da Real Sociedade, até então responsável pela gestão da UTI. A partir daí, começou a atuar no Hospital Regional de Santa Maria. Uma ordem judicial exigiu que a companhia mantivesse os profissionais da Intensicare nos leitos de UTI até o Governo do Distrito Federal assumir o serviço.
Em 2015, a Intensicare mantinha 90 médicos no HRSM. Com atrasos salariais sucessivos, esses profissionais optaram por entrar em greve caso não recebessem. Em dezembro daquele ano, eles não haviam recebido dois meses de remuneração nem o 13º salário. “Esse valor de R$ 5 milhões foi para pagar esses profissionais. Não há o que se falar de quebra da ordem cronológica de pagamentos. O dinheiro entrou especificamente para esse fim, para evitar a paralisação”, afirmou um executivo da Intensicare ao Metrópoles.
Segundo ele, à época havia um empenho de R$ 30 milhões para pagar outros hospitais – o valor é a emenda parlamentar aprovada na CLDF. Diante da gravidade que um movimento paredista de médicos poderia provocar, o governo retirou R$ 5 milhões desse montante e efetuou o pagamento.
“A gente não sabia de onde vinha o dinheiro. Apenas recebemos do governo. Nossa missão era prestar um bom serviço, e os números de pesquisas das vidas que salvamos mostram que a cumprimos”, ressaltou.
Hoje, o Executivo ainda deve para a Intensicare o equivalente a nove meses de trabalho dos profissionais contratados. Os valores são referentes aos anos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017. “Nunca oferecemos benefício a ninguém. Está tudo documentado e na nossa defesa prévia. Agora, vamos apresentar nossa justificativa na Justiça e tenho certeza de que seremos absolvidos”, concluiu.
A Secretaria de Saúde não havia retornado o contato da reportagem até a última atualização deste texto.
Fonte: Metrópoles
Foto: Michael Melo/Metrópoles