Em Minas, fiéis denunciaram “barbaridades” de bispo preso no Entorno
Em documentos aos quais o Metrópoles teve acesso, eles acusam dom José de falta de transparência, desmandos e de proteger jovens infratores
Antes de comandar a Diocese de Formosa e de ser preso por supostamente comandar um grupo criminoso que pode ter desviado mais de R$ 2 milhões em dízimos e taxas de paróquias do Entorno, o bispo José Ronaldo Ribeiro atuava em Janaúba, município mineiro de 80 mil habitantes. Lá, os fiéis não sentem saudade dele. Pelo contrário. É visto como “mau pastor”. O religioso tornou-se alvo de denúncias encaminhadas à Igreja Católica.
Dom José Ronaldo foi designado para Janaúba no dia 6 de junho de 2007, nove meses após o falecimento do primeiro bispo da diocese da cidade, dom José Mauro Pereira Bastos. Em 24 de maio de 2010, fiéis encaminharam uma carta ao núncio apostólico do Brasil, dom Lorenzo Baldisseri.
No documento, ao qual o Metrópoles teve acesso, católicos leigos definem o bispo como “uma pessoa ausente e distante da comunidade”. Segundo eles, dom José Ronaldo teria levado para a cidade 15 jovens de Brasília que teriam se envolvido com crimes graves, como furtos, assaltos e tráfico de drogas.
Os católicos fizeram um abaixo-assinado com 19 mil assinaturas para tirar o religioso da diocese, mas isso só ocorreu anos depois, em 2014. “O povo cansou de presenciar as barbaridades cometidas por esse bispo. Ele nunca prestou contas para o clero e age com atitudes de coronelismo diante dos sacerdotes”, diz trecho do documento.
Conhecidos no município como “filhos do bispo”, primeiro, os jovens, que seriam dependentes químicos, teriam se hospedado na casa episcopal. Depois da insistência do clero, foram transferidos para uma residência alugada pelo religioso.
Entre os crimes atribuídos a um dos membros desse grupo, há o assalto contra uma ministra da eucaristia. Ela estava ajoelhada, rezando, quando o rapaz (“filho do bispo”) se aproximou e pegou a chave do carro dela sem que percebesse. Ainda roubou a bolsa, com documentos e dinheiro, achados posteriormente na casa episcopal.
“O bispo acobertou os erros desses jovens”, ressalta outro trecho da denúncia. Ainda segundo o documento, após o assalto, o rapaz ficou pouco tempo preso e teria dito na cadeia que “só estava esperando seu namorado” (referindo-se ao bispo, de acordo com a ocorrência) para tirá-lo de lá.
Os católicos voltaram a pedir providências à Igreja Católica em 2013, dessa vez em carta encaminhada ao núncio dom Giovanni D’Aniello, mas somente em 22 de novembro de 2014 houve uma reação. Dom José Ronaldo foi transferido para Formosa, a contragosto dos fiéis da cidade do Entorno, que, já sabendo das denúncias de Janaúba, também fizeram um abaixo-assinado para impedi-lo de atuar na região.
“Quando anunciaram a transferência dele, nossa cidade fez festa. Ele foi para Formosa e eu pensei: coitado do povo! Agora, quando chegou a notícia aqui em Janaúba, muitas pessoas ficaram felizes pela verdade ter vindo à tona e ajudado a população de Formosa.” Ramon Alexandre
Dossiê
Em 2012, uma comissão com cinco membros da Igreja chegou a montar um dossiê contra o bispo. Na época, um dos líderes desse movimento, Ramon Alexandre, era ministro de música da Igreja Católica. Hoje, é vereador da cidade, pelo PMDB. Ele foi proibido de exercer qualquer função pastoral ou movimento religioso em Janaúba. Se quisesse voltar, deveria se retratar com dom José em público, o que não aconteceu.
Nas denúncias, os fiéis dizem que o bispo assumiu a diocese com dinheiro em caixa e, em pouco menos de um ano, acumulava dívidas. Além disso, eles questionam eventos como a realização de um grande show do padre Fábio de Melo, no qual haveria sorteio de um carro. Todo o valor arrecadado seria destinado à construção da catedral – mas, segundo Ramon Alexandre, não houve prestação de contas do dinheiro, tampouco benfeitorias. Até hoje, a obra não foi iniciada. “Se a Igreja tivesse tomado providências naquela época, não teria ocorrido isso em Formosa”, disse Ramon.
De acordo com a promotora Fernanda Balbinot – uma das responsáveis pela Operação Caifás, a qual colocou dom José Ronaldo e outros oito suspeitos atrás das grades –, o MP acionará as autoridades locais se, durante essas investigações, surgirem elementos comprobatórios que confirmem práticas irregulares denunciadas pelos fiéis da cidade do interior mineiro.
Janaúba ficou conhecida nacionalmente após um incêndio criminoso matar 10 crianças e três professoras em outubro do ano passado. Antes de ir para lá, dom José Ronaldo atuou no Distrito Federal. Como padre, comandou a Igreja Nossa Senhora Imaculada Conceição, em Sobradinho, durante 22 anos.
Na cidade do Entorno do DF, as lembranças sobre ele não são tão ruins. “Até que se prove o contrário, ele é inocente. Que investiguem”, disse, em entrevista recente, o padre espanhol Manuel Perez Candela, atual pároco da igreja. Em 2002, dom José Ronaldo chegou a receber o título de Cidadão Honorário de Brasília por meio de proposta do ex-deputado distrital Paulo Tadeu, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Em Janaúba, também foi agraciado com a mesma honraria.
Acionada para falar das denúncias em Janaúba, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) orientou a reportagem a entrar em contato com a Nunciatura do Brasil. Por e-mail e telefone, o Metrópoles não obteve resposta até a última atualização desta reportagem. A defesa do religioso também não se pronunciou.
Os promotores que comandam a Operação Caifás ouviram, nessa quinta-feira (22/3), em Formosa, o bispo dom José Ronaldo, o vigário-geral da diocese e segundo na hierarquia, monsenhor Epitácio Cardozo Pereira, e o juiz eclesiástico Thiago Wenceslau. Por orientação da defesa, os três calaram-se diante de muitas perguntas formuladas pelo Ministério Público. Nesta sexta (23), a promotoria deve oferecer denúncia contra os acusados.
O Vaticano decidiu também investigar sobre o caso. A Justiça de Goiás autorizou o Ministério Público a dar acesso total à Santa Fé ao material apreendido e aos depoimentos dos envolvidos.