Emendas parlamentares bancam shows, mas deixam de lado crise hídrica
Dos R$ 21,4 mi em emendas destinados à cultura, ao menos R$ 5,8 mi patrocinaram shows. Nada foi gasto no combate ao desabastecimento de água
Nem um centavo dos R$ 139,6 milhões liquidados em emendas parlamentares individuais em 2017 foi destinado para combater a crise hídrica atormentando os brasilienses. Grandes obras que prometem pôr fim ao problema estão em andamento, mas nenhuma delas contou com suporte financeiro por parte dos deputados da Câmara Legislativa (CLDF). Em contrapartida, os distritais se empenharam em bancar shows e festas por todo Distrito Federal: foram ao menos R$ 5,8 milhões apenas para eventos, de um total de R$ 21,4 milhões gastos com o setor cultural.
A Casa Civil do DF e a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) confirmaram ao Metrópoles: não houve indicações de recursos por parte dos distritais para ajudar a contornar a crise hídrica mais grave da história da capital. A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) também não recebeu verba originária de emendas parlamentares.
Para as intervenções, a Caesb buscou financiamentos. A captação no Bananal, por exemplo, precisou de R$ 20 milhões do Banco do Brasil para ser viável. Em 31 de outubro, distritais deram o aval para o GDF contrair empréstimo internacional de US$ 41,1 milhões para ações de combate à falta de água, mas não houve destinação de emendas para o setor.
Embora alguns deputados aleguem empecilho legal para enviar emendas parlamentares diretamente para a Caesb, por se tratar de uma empresa pública, especialistas avaliam existir alternativas. Um dos caminhos é alocar as verbas para a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos. A pasta poderia, então, fazer um convênio com a Caesb para os recursos chegarem até a companhia, explicou ao Metrópoles um consultor de orçamento da CLDF que pediu para ter o nome preservado.
A ausência de emendas para combate à crise hídrica se repetiu em nível federal. De acordo com o coordenador da bancada do Distrito Federal no Congresso Nacional, Hélio José (Pros), a culpa é do Executivo local – que, segundo o senador, nunca se relacionou bem com os parlamentares nem classificou o problema como prioridade. “Nunca houve interesse por parte do governo local em resolver essa questão com a ajuda de deputados federais e senadores”, disparou.
Para o professor emérito do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer, os distritais não dão aporte financeiro para reverter a crise hídrica porque isso não é eleitoralmente vantajoso. “Enviar dinheiro à Caesb vai beneficiar todo mundo em geral. Para nenhum parlamentar isso é interessante”, afirma.
Shows, festas e eventos com dinheiro público
Enquanto a torneira das emendas parlamentares ficou seca em relação à crise hídrica, jorrou dinheiro destinado a bancar festas e shows ao longo de 2017. O Natal Monumental, por exemplo, foi realizado graças a uma indicação do deputado Cristiano Araújo (PSD).
Além de pagar a estrutura do evento, o recurso de R$ 1,7 milhão garantiu atrações musicais e iluminação para a Torre de TV. Se apresentaram na festa Os Paralamas do Sucesso (cachê de R$ 120 mil), Jammil (R$ 70 mil), Teatro Mágico (R$ 16,9 mil), Frozen (R$ 25 mil), Patrulha Canina (R$ 25 mil) e Scalene (R$ 15 mil), entre outros.
Já a Convenção de Música e Arte (CoMA) foi beneficiada por Cláudio Abrantes (sem partido). Os cachês do evento somaram R$ 226,3 mil, segundo a Secretaria de Turismo do DF – entre os artistas contratados, estavam Lenine (R$ 45 mil), Emicida e Fioti (R$ 37 mil) e Clarice Falcão (R$ 22,5 mil).
Até um show realizado no auditório da CLDF, em 30 de novembro do ano passado, foi alvo de emenda: Luzia de Paula (PSB) viabilizou a apresentação de Ana Quézia e Banda, no Festival de Música Gospel, ao custo de R$ 25 mil.
Só a Subsecretaria de Cidadania e Diversidade Cultural, subordinada à Secretaria de Cultura, executou R$ 3,8 milhões em emendas parlamentares. No total, 27 eventos foram beneficiados. Entre as festas custeadas, estão: o XVII Encontro de Violeiros (R$ 350 mil), financiado por emendas de Ricardo Vale (PT) e Luzia de Paula (PSB); a Feira Cultural de Ceilândia (R$ 300 mil), que contou com aporte de Chico Vigilante (PT); e o Projeto 10 anos de Samba (R$ 100 mil), o qual teve ajuda de Ricardo Vale.
Em números
Doutor em custos aplicados ao setor público e professor da UnB, Marilson Dantas explica que as indicações de emendas parlamentares devem se encaixar em programas de trabalho previstos no orçamento do Distrito Federal. Ainda assim, seria possível priorizar investimentos para minimizar os efeitos do racionamento.
Justificativas
A reportagem procurou cada um dos 24 deputados distritais. Entre aqueles que responderam, houve quem defendesse que as prioridades foram outras, não a crise hídrica; alguns alegaram que não havia necessidade de enviar dinheiro para a Caesb; e outros passaram a responsabilidade para o GDF, afirmando não terem recebido solicitação de reforço do Legislativo.
Confira abaixo as respostas dos deputados. Até a última atualização desta matéria, as assessorias de Agaciel Maia (PR), Liliane Roriz (PTB), Sandra Faraj (SD), Wellington Luiz (PMDB), Chico Leite (Rede) e Chico Vigilante (PT) não haviam retornado o contato.
Cofre aberto
Os R$ 139,6 milhões liquidados em emendas parlamentares no ano de 2017 cresceu 57% em comparação a 2016 e é 80% maior que o liberado em 2015.
Segundo o Portal da Transparência, foram mais beneficiados os ramos de infraestrutura e urbanização, com ao menos R$ 46,6 milhões, seguidos por educação, com pelo menos R$ 32,8 milhões. O setor cultural também contou com aportes robustos: R$ 21,4 milhões destinados a investimentos nessa área.
O aumento da liberação de emendas parlamentares por parte do Executivo coincidiu com um período no qual o GDF conseguiu aprovar projetos importantes para o Palácio do Buriti, como o da reforma do Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal (Iprev) e o de mudança administrativa no Hospital de Base do DF, que virou instituto.
Por meio de nota, a Secretaria de Comunicação do GDF negou que o aumento na liberação de emendas parlamentares individuais tenha sido usado para conseguir votos favoráveis na CLDF. “O critério para liberação depende de comunicação oficial do próprio parlamentar”, afirma. A pasta ainda salientou que o Legislativo “tem autonomia para definir as áreas das indicações”.
Fonte: METRÓPOLES
Foto: RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLES