Espelho mágico, espelho nosso…

Por Percival Puggina (*)

Não é incomum que um “remédio” mal indicado mate o paciente. Isso também pode acontecer com as leis humanas. Lei errada pode produzir efeitos piores do que os males a combater.

Um verdadeiro mostruário disso está disponível no PL Nº 2630, mostrengo jurídico que recebeu nome glorioso: “Lei brasileira da liberdade, responsabilidade e transparência na internet”. Deveriam os tambores rufar, os sinos repicar e as clarinadas ressoar, mas o nome não colou. A esquerda já foi bem mais competente em batizar suas criaturas. O petismo 2023 não criou até um “Arcabouço fiscal”? Dividiram-se, então, os apelidos para a nova criatura, predominando “PL da censura”, na voz da oposição e “PL das Fake News”, na voz do governo.

Dizem por aí, bons e maus autores, que o parlamento é um espelho da sociedade. Ora, nós sabemos que no Brasil saído das urnas a sociedade é massa informe, contida, intimidada, receosa e submetida a prudente silêncio. Como poderia seu espelho refletir algo diferente? Sempre que se permitir a um poder, civil ou militar, o direito de mandar sem jamais ser contestado, sempre que não houver freios nem contrapesos, sempre que a Constituição for usada como lojinha de conveniência, o resto será exatamente isso: resto.

Felizmente, assim como na sociedade, há uma parcela de seu espelho que resiste com bravura e recebe eloquente louvor dos representados. São congressistas pelos respectivos estados, mas se tornam nacionalmente conhecidos. Não obstante, nós e eles estamos reduzidos a uma condição minoritária.

Foi por estarem as coisas nesse pé, que a Câmara dos Deputados, a toque de caixa e por ampla maioria, aprovou regime de urgência para votação do empacotado e volumoso PL da Censura, recheado de jabotis. Quem pedisse tempo para lê-lo ouvia de seu líder “Não, não, não. Lê depois!”.

Por que deu chabu na hora de votar o pacote inteiro? A sociedade, percebendo que, a pretexto de impedir abusos, avultavam os meios de repressão e censura, gritou a seu espelho: “Espelho mágico, espelho meu, olha o que vais fazer!”. Verdade que as plataformas entraram na campanha, ajudaram a propagação, incomodaram os plantonistas do arbítrio, mas o pacote só retornará se aberto, esmiuçado, desossado. E o que mais incomoda os brutamontes empacotadores: fatiado, para que só as fatias aproveitáveis sejam utilizadas. Contanto que a sociedade faça sua parte e a magia do espelho funcione, claro.

Em meio a tanta notícia horrível, algo dissidente, diferente, deve ser saudado, estudado e aproveitado como experiência.

(*) Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

*Artigo de responsabilidade do autor.

Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o Brasília In Foco News

Foto: Reprodução

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