Investigada, Via Engenharia recebeu R$ 45 milhões na gestão Rollemberg
Empreiteira que é alvo da PF e do Tribunal de Contas acaba de “abocanhar” contrato para construir duas estações de metrô na Asa Sul
Não foi apenas a Polícia Federal que colocou a idoneidade da Via Engenharia sob suspeita. O Tribunal de Contas do DF (TCDF) fez pelo menos três auditorias que apontaram supostos desvios de recursos em várias etapas da edificação do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha.
Apesar de enrolada em níveis federal e local, a empresa continua a gozar de prestígio com o Governo do Distrito Federal (GDF) e foi a vencedora da licitação para concluir as obras das estações do Metrô-DF nas quadras 106 e 110 da Asa Sul. Com relação à segunda, o processo que corre no TCDF ganhou status de sigiloso por causa de denúncia protocolada por cidadão referente às obras do transporte subterrâneo. Pelo serviço nas duas unidades da Companhia do Metropolitano, a empreiteira levará R$ 39 milhões.
Este não é o único contrato com cifras milionárias vigente entre a Via Engenharia e a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB). Desde o início do mandato, o socialista repassou R$ 45 milhões à empreiteira. A maior parte desse valor refere-se às intervenções no Trevo de Triagem Norte, que promete desafogar o trânsito na Saída Norte. Somente em janeiro deste ano, o grupo incorporou R$ 4,6 milhões ao seu patrimônio. Os dados constam no Portal da Transparência do Distrito Federal.
Uma das auditorias do TCDF constatou superfaturamento de R$ 291,1 milhões na Etapa 3 da construção do Mané Garrincha. A investigação abrangeu o período entre julho de 2011 e dezembro de 2012. A inspeção das fases 1 e 2 – que examinou contratos da arena de julho de 2010 a junho de 2011 – já havia apontado prejuízo ao erário de R$ 67,7 milhões. Em relação à Etapa 4, estima-se rombo de R$ 106 milhões.
Especialistas condenam contratação
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles cobraram pulso firme dos órgãos de controle e fiscalização das contas do Executivo local e até a anulação dos contratos. “O TCDF precisa ser acionado. O Ministério Público, inclusive, já deveria pedir a anulação do contrato”, defende o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) David Verge Fleischer.
Professor do Departamento de Administração da UnB e doutor em ciência política, José Matias-Pereira engrossa o coro de Fleischer e salienta que, em processos licitatórios, as comissões responsáveis devem avaliar todo o histórico das empresas.
“É estranha [a assinatura do contrato] porque se trata de empresa que tem histórico que precisa ser investigado”, reforça. Pereira também avalia o acordo como negativo para o GDF, cuja imagem, segundo ele, fica ainda mais maculada por causa dos contratos.
Sem impedimento jurídico
Apesar disso, ainda não há impedimento jurídico para a assinatura do contrato. A reportagem consultou o Ministério Público Federal no DF (MPF-DF), a Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF), a Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF) e o próprio Tribunal de Contas do Distrito Federal. Os órgãos foram unânimes: somente uma decisão judicial poderia invalidar o contrato, desde que a assinatura não desobedeça às determinações da Lei n° 8.666/93.
A matéria “estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”.
Dentro da legalidade, diz Metrô
Em nota, o Metrô-DF respondeu que a Via Engenharia venceu a licitação porque apresentou menor preço e qualificação. “O Consórcio CGE/CONVAP foi desclassificado porque deixou de cumprir as seguintes exigências do edital: apresentou preços unitários de valor zero, incompatíveis com os valores dos insumos e salários de mercado, e deixou de indicar entidades para subcontratação compulsória”.
Ainda de acordo com o texto, a direção do Metrô-DF enviou, entre os dias 20 de junho e 7 de julho, ofícios à CGDF, ao TCDF, ao Tribunal de Contas da União, ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, ao Conselho Nacional do Ministério Público e à Procuradoria-Geral do DF, informando o lançamento de licitações destinadas à contratação de serviços especializados para a conclusão das estações.
“Já que as maiores empreiteiras do país estão sendo investigadas por envolvimento em esquemas de corrupção, o Metrô solicitou apoio e orientação dessas instituições para que as licitações fossem asseguradas em termos de qualidade, zelando pelo correto uso dos recursos públicos e respeitando as disposições legais. Portanto, a Via Engenharia atendeu todas as condições exigidas no edital e, de acordo com a Lei nº 8.666/93, está apta para participar de licitações”, conclui.
A Companhia do Metropolitano do Distrito Federal finalizou lembrando que, no edital em questão, há uma cláusula anticorrupção, a qual “exige a assinatura, pela empresa vencedora, do Termo de Compromisso de Conduta e Ética e de Combate à Corrupção”.
Ao ser questionado sobre a contratação da empreiteira, Rollemberg disse que não existe “medida legal que impeça a Via de participar da licitação”. “No entanto, neste contrato do Metrô, nós estamos inovando com uma cláusula de exigência para que a empresa ganhadora, seja ela qual for, possa ter processos internos de combate à corrupção e de transparência total”, argumentou o governador, sem qualquer constrangimento.
Operação Panatenaico
Com base em laudos, depoimentos e dados obtidos em buscas e apreensões, a Polícia Federal indiciou 21 pessoas na Operação Panatenaico, integrantes de uma organização responsável pelo suposto superfaturamento criminoso de R$ 559 milhões nas obras do Estádio Mané Garrincha. Orçadas, em 2010, por cerca de R$ 600 milhões, as obras na arena – que é presença marcante na paisagem da cidade – custaram ao fim, em 2014, R$ 1,57 bilhão.
A Via chegou a ter os bens bloqueados, e um de seus fundadores, o empresário Fernando Queiroz, foi preso e depois indiciado. As denúncias, agora, estão sob análise do Ministério Público Federal (MPF), que ainda não se manifestou sobre as investigações da PF.
Além do Mané Garrincha, a construtora brasiliense participou de outras duas grandes obras citadas por delatores como focos de desvios de recursos públicos e financiamento ilegal de campanha, via caixa dois: o BRT Sul e o Centro Administrativo do GDF.
A empreiteira candanga fez parte dos três consórcios responsáveis por executar essas obras e foi mencionada nas delações premiadas de João Pacífico, Ricardo Ferraz e Alexandre Barradas, todos ex-executivos da Odebrecht. Citada como integrante da “segunda divisão” do chamado Clube VIP de construtoras que comandavam as fraudes em licitações da Petrobras, a Via ressurge no cardápio das obras públicas do Distrito Federal pelos trilhos do Metrô-DF.
As delações dos ex-executivos da Odebrecht apontam a Via tanto como beneficiária de acertos entre empresas durante fraudes em licitações quanto como autora de pedidos de cobertura de propostas – ou seja, para que “concorrentes” apresentassem projetos fictícios, de valor maior, a fim de beneficiá-la.
Todas as vezes em que foi acionada para comentar as denúncias, a Via Engenharia negou quaisquer irregularidades.
Fonte: Metrópoles
Foto: GIOVANNA BEMBOM/METRÓPOLES