Investigados no Buritilão mantinham tentáculos na CLDF e no TCDF
Servidores ligados ao deputado Rodrigo Delmasso e ao conselheiro Manoel de Andrade aparecem nas investigações da polícia e do MPDFT
As relações entre suspeitos de tráfico de influência no Governo do Distrito Federal (GDF) investigados na Operação (12:26) ultrapassam os limites do Palácio do Buriti. As conversas e tratativas incluíam servidores da Câmara Legislativa (CLDF) e do Tribunal de Contas local (TCDF).
Nas 195 páginas do Inquérito 386/2018, estão explicitadas as conexões de três ex-assessores do deputado distrital Rodrigo Delmasso (PRB) – ex-líder do governo Rollemberg no parlamento – e um funcionário do conselheiro Manoel de Andrade, o Manoelzinho do Táxi, na Corte de Contas.
Os ex-assessores de Delmasso são Luiz Fernando de Souza Messina (foto em destaque) e Hermano Gonçalves Carvalho. O terceiro faleceu durante as investigações. Outro citado no inquérito é Wilson do Nascimento Araújo, chefe de gabinete de Manoelzinho do Táxi. Desse grupo, apenas Araújo não foi alvo de interceptações telefônicas no âmbito do Inquérito 386/2018.
Dentro da apuração policial, as afirmações são de que há um núcleo majoritariamente ligado a Delmasso e ao conselheiro Manoelzinho do Táxi. Porém, os investigadores alegam: “apesar dos interlocutores possuírem cargos vinculados a autoridades com foro especial por prerrogativa de função, não se restou provado, até o momento, que tais autoridades praticaram qualquer ato ilícito com violação do dever funcional”.
Segundo as investigações, Messina é um dos principais suspeitos de operar o suposto esquema de tráfico de influência, advocacia administrativa e organização criminosa que agia no Executivo.
Luiz Fernando de Souza Messina é ex-assessor de Rodrigo Delmasso e ganhava salário de R$ 18.820,73. Ele é apontado como mentor de uma negociação para sanar dívidas do GDF com o Hospital Home por serviços prestados entre 2010 e 2015, mas os quais estavam com pagamentos atrasados. De acordo com os investigadores, as apurações indicam que a unidade de saúde foi beneficiada irregularmente.
Antes da passagem pela CLDF, Messina foi subsecretário de Transportes no governo de Agnelo Queiroz (PT). Próximo ao coração de um suposto esquema de fraude em licitações investigado pela CPI dos Transportes, acabou sendo chamado a depor na Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Legislativa, em agosto de 2015.
Ele permaneceu no gabinete de Delmasso até maio deste ano, quando pediu exoneração. No mesmo mês, a filha dele, Ana Beatriz Fraga Messina, assumiu o posto – e o salário – do pai. Após a deflagração do escândalo revelado pela Operação (12:26), Ana Beatriz também pediu para deixar o escritório do deputado distrital.
O ex-servidor ligado a Delmasso aparece em boa parte das interceptações da Polícia Civil, feitas com autorização da Justiça, negociando cargos e o fechamento de contratos. Em alguns casos, diz a corporação, as reuniões ocorriam dentro da Casa Civil, próximo ao gabinete do governador Rodrigo Rollemberg (PSB).
Ainda de acordo com o Inquérito 386/2018, o principal contato de Messina era Leonardo Rocha de Abreu. O empresário é irmão de Guilherme Rocha de Abreu, chefe de gabinete do secretário-chefe da Casa Civil, Sérgio Sampaio. Leonardo e Guilherme estão entre os suspeitos de integrar a organização criminosa identificada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Medo do telefone
Em uma das conversas interceptadas pelos investigadores, surgiu o nome de Wilson do Nascimento Araújo, chefe de gabinete do conselheiro do TCDF Manoelzinho do Táxi. No diálogo, Wilson e Messina demonstram receio em falar pelo telefone.
A escuta foi feita em 13 de abril deste ano, quando os dois trataram de uma negociação e combinaram um almoço. Messina diz para Araújo que o “partido fez aquele movimento, que agora foi certo. Tem que ver o que vem de ‘repuxo’”.
Araújo responde: “Eu não vou falar isso por telefone, rapaz”. E Messina completa: “Eu sei que não, rapaz, não estou falando que você tem que falar por telefone, tem que dar uma cutucada nele”.
Conforme o inquérito ressalta, a dupla conversa por “códigos” e não faz menção sobre o que seria “aquele movimento” nem o “repuxo”. Embora seja citado, Wilson do Nascimento Araújo não está entre os alvos da Operação (12:26).
Reprodução
Intimação
Depois desse diálogo, Luiz Messina foi intimado a prestar depoimento nos autos do Inquérito Policial 386/2018. Messina não o fez e pediu exoneração do gabinete do parlamentar em 9 de maio.
A saída de Messina não foi suficiente para cessar a influência dele dentro do gabinete de Delmasso. Em 24 de maio, a polícia captou uma conversa entre Hermano e outro assessor de Delmasso sobre uma reunião na Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). “Vou almoçar com Messina e te informo por mensagem”, disse a Hermano esse assistente, que morreu no curso das investigações.
O ex-assessor do deputado ainda tenta articular a aprovação de um projeto de decreto legislativo de cidadão honorário com outro personagem tangente às investigações. “Messina se demonstrou grande articulador, tendo atuado de forma incisiva”, diz o inquérito.
“Salienta-se que Messina manteve diálogo falando de ‘acordinho’ e ‘comission’ [termo em inglês que significa comissão], a demonstrar que visava o recebimento de vantagem em troca de suposta influência”, acrescenta o documento policial.
Outro nome ligado a distrital
Assim como Messina, outro ex-assessor de Delmasso foi alvo de monitoramento na investigação da Polícia Civil em conjunto com o MPDFT: Hermano Gonçalves Carvalho.
Em um dos documentos anexados ao Inquérito 386/2018 – o Relatório 190/2018 da Polícia Civil –, Hermano é flagrado em dois períodos: entre 11 e 16 de abril e entre 23 e 28 do mesmo mês. Nas conversas, ele faz tratativas sobre a venda de um terreno para um possível loteamento e chances de regularização pelas empresas responsáveis dentro do GDF.
Em interceptação de 18 de maio, Hermano comenta com um homem chamado Luciano de Castro Coutinho sobre a fazenda de um “cara”. “Fica em Planaltina e o dono da área é o Léo. Eles querem comprar para fazer loteamento. Ele tem 400 hectares, mas não vai querer vender tudo. Temos que ver a possibilidade de regularizar”, diz.
Cinco dias depois, em nova conversa, Hermano avisa que ocorreu uma reunião, em 22 de maio, na Infraestrutura [referindo-se à secretaria do GDF] e “houve novo entendimento de que a Terracap [Agência de Desenvolvimento do DF] deve entrar no circuito para alterar o projeto e votar”. “Não sou bom de mexer nisso. Agora é esperar acontecer a próxima reunião. É bom trazer o Sanchez para o circuito”, diz.
Segundo o Inquérito 386/2018, em pesquisa na Administração Regional do Guará, verificou-se que Sanchez André Vieira Cursino era diretor de Obras. Hermano tinha contato estreito com os funcionários do órgão porque seu chefe à época, Rodrigo Delmasso, era o responsável por indicar o administrador e os funcionários de lá.
Hermano ainda se reuniu com integrantes da Novacap e da Secretaria de Infraestrutura. Um homem não identificado pela polícia questiona, durante a ligação, como está o andamento daquele “processinho”, e Hermano diz que “ainda não andou”.
Encontro em shopping
Messina, Hermano e Wilson encontraram-se pessoalmente em 3 de abril de 2018, na Faculdade Processus, localizada na 908 Sul. No dia seguinte, os três e outro assessor de Delmasso fazem reunião em um shopping no Lago Norte. Logo depois, comentam em ligação que devem ficar atentos sobre as conversas por meio de telefonemas.
Araújo chega a reclamar de uma mulher que não teria medo de se comunicar por telefone. “Ela disse que não vê problema nenhum em discutir ‘isso’ por telefone”, diz Araújo. “É porque ela não sabe o tamanho… Ela só acha que… Ou ela é muito burra ou se faz de burra”, responde Messina.
Guto Rollemberg e a Lava Jato
Nas interceptações telefônicas, um irmão do governador Rodrigo Rollemberg, Carlos Augusto Rollemberg, mostra ter relação próxima com Hermano. Guto, como é conhecido, conta de uma festa na qual estavam juntos.
“No próximo churrasco, Léo e Marcos estarão com as crianças, vou mostrar os cavalos. Foi legal neste: mostrei os cavalos; Hermano, que tem fazenda, montou”, disse o irmão de Rollemberg. Guto é apontado pela polícia como “força motriz” da suposta organização criminosa que atua no GDF.
Ainda durante as interceptações, Hermano comenta com a mulher sobre o bloqueio de seus bens, em referência à época quando foi secretário de Desenvolvimento Econômico na gestão de Agnelo Queiroz, e afirma estar tentando dar um jeito na situação.
Em delações de ex-executivos da Odebrecht feitas no escopo da Operação Lava Jato, Hermano foi citado como responsável pelo suposto recebimento de valores de empresas e seus respectivos repasses a Agnelo Queiroz (PT) e Tadeu Filippelli (MDB), ocupantes do governo à época.
O outro lado
Diante das investigações e das suspeições que pairam sobre seus ex-subordinados, o deputado Rodrigo Delmasso protocolou nessa segunda-feira (13/8) ofício na Polícia Civil, no MPDFT e na 4ª Vara Criminal de Justiça, colocando as dependências, os computadores e demais equipamentos eletrônicos do gabinete dele na CLDF à disposição das autoridades.
“Meu gabinete está aberto para eles. Exonerei o Hermano assim que soube das investigações. A filha do Messina pediu exoneração”, afirmou o distrital ao Metrópoles. “Espero que isso venha a ter um desfecho o mais rápido possível, que tudo possa ser esclarecido. Quem cometeu crime que responda, e quem não cometeu que seja retirado dos autos. A Justiça é que vai definir isso”, acrescentou o deputado.
O criminalista Eduardo Toledo assumiu, na quarta-feira (15), a defesa de Luiz Messina. O advogado explicou que ainda analisa os detalhes das acusações. “Não descartamos, ainda, nenhuma linha de defesa. Contudo, ainda estamos estudando o que foi colhido durante a operação”, disse.
O conselheiro Manoelzinho do Táxi, o chefe de gabinete dele, Wilson Araújo, e Hermano Gonçalves não atenderam as ligações da reportagem.
GDF nega irregularidades
No último dia 7, data na qual foi deflagrada a Operação (12:26), mesmo sem ainda ter conhecimento da íntegra das investigações, o GDF emitiu nota para esclarecer pontos específicos divulgados até então pela Polícia Civil e pelo Ministério Público.
No documento, o governo nega as acusações feitas pelos investigadores sobre prática de advocacia administrativa e tráfico de influência.
Fonte: Metrópoles
Foto: Bruno Pimentel