Iphan alerta GDF para não licitar, sem seu aval, viaduto que caiu
Projeto de reconstrução traz mudança nos pilares que sustentarão nova estrutura, descaracterizando conceito arquitetônico da área tombada
Brasília completou 58 anos com uma ferida aberta no coração da cidade. O viaduto da Galeria dos Estados, que desabou no dia 6 de fevereiro, continua interditado. E corre o risco de permanecer escorado por um tempo além do planejado pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB). O projeto de reconstrução – previsto para ser concluído em setembro, antes das eleições – traz uma mudança arquitetônica nos pilares de sustentação da nova estrutura. Quem chama atenção para isso é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A preocupação é tanta que o órgão enviou recomendação ao GDF para não licitar a obra sem o seu aval. De acordo com o superintendente do Iphan no DF, Carlos Madson Reis, o relatório técnico do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) chegou ao instituto no último dia 12. O prazo para análise é de 45 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. Mas, uma “alteração significativa” no perfil arquitetônico do viaduto, localizado na área tombada de Brasília, já foi detectada.
“Pode haver uma descaracterização, sim. Estamos estudando a questão com responsabilidade e técnica. O novo projeto não pode alterar o perfil arquitetônico, a volumetria, o desenho, a plástica”, explica. Consultas foram feitas aos departamentos de Engenharia e de Arquitetura da Universidade de Brasília (UnB), além de outros especialistas, em busca de subsídios.
Para Reis, a segurança da estrutura é de fundamental importância. Porém, como guardião do tombamento da capital do país, ele atua para não deixar qualquer mancha no título de Patrimônio Cultural da Humanidade conquistado por Brasília. “Não há de se falar em questão política, eleitoral. O que prevalece é uma solução para durar 200 anos. E vamos com cautela”, afirma.
“Esse projeto não é o único possível. Não podemos deixar que o estrago fruto da falta de manutenção, da omissão de vários governos, fique ainda maior” Carlos Madson Reis, superintendente do Iphan-DF
Pelo novo projeto, os oito pilares do viaduto serão ampliados. Dessa forma, justifica o governo, seria eliminado o balanço do elevado, ou seja, o vão entre o pilar e a lateral da laje. “Com isso, garantimos a estabilidade de toda a estrutura e aumentamos a segurança”, disse o diretor-geral do DER-DF, Márcio Buzar, diretor de Edificações da Novacap até o desabamento.
Confira o projeto do GDF:
Ao Metrópoles, Buzar informou aguardar apenas a conclusão do projeto executivo, em elaboração pela Novacap, e o orçamento da obra para licitar. Segundo ele, o governo entende a importância do Iphan. “O instituto se preocupa com a paisagem e os condicionantes urbanos. Mas é óbvio que vamos continuar dialogando”, ponderou.
Em nota, a Associação dos Engenheiros do DER-DF (Assender), divulgada no dia 18/4, os servidores do órgão informaram que não participaram, direta ou indiretamente, de qualquer análise, elaboração de orçamento ou deliberação sobre a obra do viaduto, apesar de ter um corpo técnico de reconhecida qualificação.
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O problema é que os pilares foram utilizados sem coerência com a concepção arquitetônica de Brasília, dizem especialistas ouvidos pela reportagem. Mais distribuídos e menores, garantem a democratização da circulação. Mesmo conceito utilizado nos pilotis dos prédios residenciais no Plano Piloto. A disposição cria generosos espaços livres, permitindo a visualização da cidade. Pela nova proposta, será impossível enxergar sequer o outro lado da via.
“Império Romano”
“Trata-se de uma seção transversal retangular, com a largura quase igual à da pista superior. O conjunto lembra as pontes de pedra do Império Romano. É uma brutal intervenção ao Patrimônio da Humanidade. Ave César, Ave Rodrigo”, dispara o engenheiro e professor aposentado da UnB João Carlos Teatini S. Clímaco, ao criticar a forma como o governador vem conduzindo o processo.
O GDF optou pelos grandes pilares porque preferiu não demolir o viaduto, indo contra sugestão de uma comissão formada por especialistas da UnB. O projeto “híbrido”, como chama a equipe do Buriti e que tem a chancela do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), prevê a instalação de uma laje maciça de 28mx198m, sem juntas de dilatação, sobre a atual estrutura de concreto armado.
Como é hoje:
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Como vai ficar:
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Teatini considera a proposta temerária. De acordo com ele, a estrutura que será mantida está totalmente degradada e com muitas nervuras não concretadas em trechos desconhecidos. “Ou seja, haverá um aumento enorme do peso com os pilares monstrengos, tudo isso levando a um reforço de fundação de custo muito elevado”, explica o engenheiro.
A insistência em manter a laje deteriorada pode resultar em futuros aditivos a um contrato estimado em R$ 15 milhões. Ou em novas obras depois de algum tempo da liberação para uso pela carga de veículos.
Responsabilização
As polêmicas envolvendo o viaduto, entretanto, vão além do tombamento e do “projeto híbrido” escolhido pelo GDF. A exoneração de Henrique Luduvice da presidência do DER-DF um dia após desabamento não encerrou os embates sobre quem deve ser responsabilizado. “Estamos analisando o passado, o presente e o futuro”, ressalta a procuradora distrital de Direitos do Cidadão, Maria Rosynete de Oliveira Lima.
Ela está à frente de uma comissão criada no Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT) para analisar se houve inação e/ou omissão de agentes púbicos em não realizar serviços de manutenção e reparação da estrutura, uma vez que avisos de problemas não faltaram.
Em 2006, a UnB divulgou um estudo alertando para a situação precária de pontes e viadutos do DF. O da Galeria dos Estados estava entre os mais graves. Em 2009, o Crea divulgou estudo com avaliações semelhantes. Em 2011, foi a vez do Tribunal de Contas do DF (TCDF).
“Os gestores devem se preocupar com a manutenção do que já está pronto, e não apenas pensar em fazer obras nova” Procuradora Maria Rosynete de Oliveira Lima
Em entrevista ao Metrópoles, a procuradora diz que ainda não recebeu do GDF o novo projeto para o local. “Quando chegar, vamos analisar com cautela. Aguardaremos a posição do Iphan e ficaremos atentos à questão da economicidade da proposta. A escolha deve atender aos interesses da administração pública”, aponta.
Da mesma forma, a procuradora – em conjunto com as promotorias de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep) e da Ordem Urbanística (Proub) – aguarda documentos que possam ajudar o MPDFT a identificar os culpados pelo desabamento.
Versões e fatos
“Inquestionavelmente, desde 2011, por determinação do governo à época, a restauração e ampliação da Galeria dos Estados, incluindo a restauração dos viadutos do Eixão Sul, Eixo L e Eixo W, bem como das instalações e área de vivência, estavam sob a responsabilidade da renomada empresa Novacap, conforme demonstram inúmeros documentos públicos”, alega Henrique Luduvice, ex-DER.
Já o presidente da Novacap, Júlio Menegotto, afirma que o viaduto está na área de competência do DER: “Nossa empresa só atua por demanda. Basta abrir o Plano de Ação do departamento referente aos anos de 2012/2015. A estrutura está lá. Consta como projeto deles”.
Os documentos divulgados até agora, entretanto, mostram que os assuntos referentes ao viaduto da Galeria dos Estados eram tratados pela Novacap desde 2011. Foi ela quem assinou convênio (n° 138) com a Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) para elaboração de projetos de execução e recuperação de 12 pontes e viadutos.
Também foi a Novacap quem contratou, em 2012, a empresa SBE Soares Barros Engenharia para a elaboração de estudos e projetos de restauração e ampliação da Galeria dos Estados, envolvendo os viadutos sobre ela.
Embora contratado na gestão do então governador, Agnelo Queiroz (PT), em outubro de 2105, já na gestão Rollemberg, o serviço da SBE chegou a ser prorrogado, quando a empresa e a Novacap assinaram o 11º termo aditivo. Na época, o próprio governo admitiu que estava com faturas pendentes e a ampliação do prazo seria necessária para a execução dos serviços.
Em agosto de 2014, um documento técnico da Novacap já alertava para a necessidade de obras imediatas no viaduto. Em 2017, outro relatório da empresa (confira a íntegra abaixo) novamente chamava atenção para o problema. O texto, assinado pela servidora Nádia Hermano Tormin, trazia todo o histórico do projeto da obra na estatal, que deveria ser tratada com “nível de prioridade nas ações de governo”.
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Ao terminar o documento de nove páginas, ela destacou: “A não efetivação de intervenções essenciais pode ocasionar eventos de consequências irreparáveis”. Quase nove meses depois, o viaduto desabou. Milagrosamente, não houve mortos nem feridos.
O próprio presidente da Novacap não sabe explicar o fato de o documento não ter chegado em suas mãos ou nas do então diretor de Edificações, Márcio Buzar, atual chefe do DER. Mesmo assim, mais de dois meses após o desabamento, ele não abriu qualquer procedimento de investigação interno na empresa. “Vamos aguardar a conclusão dos trabalhos da comissão do MPDFT”, justificou.
Relembre o momento da queda do viaduto:
Colaborou Gabriela Furquim
Fonte: Metrópoles
Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles