Jorge Castelo: ‘Estão enfraquecendo as associações de classe, essenciais para o debate das ideias’

O site Justiça em Foco realizou uma entrevista exclusiva com o presidente da Comissão de Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Jorge Castelo, para avaliar o atual cenário jurídico na área trabalhista. Com anos de atuação na seara trabalhista, o entrevistado ressaltou a importância da manutenção da Justiça Trabalhista, sendo um dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito. 

A seguir, trechos da entrevista:

Justiça Em Foco: Sobre a extinção do Ministério do Trabalho, protocolado por meio de decreto, ataca a atuação do agente estatal nas relações trabalhistas? 
Jorge Castelo:
 A constituição do Ministério do Trabalho representou um compromisso histórico de um padrão mínimo civilizatório nas relações de trabalho. Quando o coloca no Ministério da Economia, se estabelece uma mudança de paradigma e uma significativa mudança de valores. Na prática diz que o trabalho perdeu a centralidade que se lhe atribuía entre os valores dominantes. Ao inserir as questões trabalhistas no Ministério da Economia está sendo emitida a mensagem de que o valor do trabalho e dos trabalhadores é o mesmo que o objeto, um item do mercado de consumo qualquer. É como se não houvesse uma distinção entre o trabalho humano e uma mercadoria.

Justiça Em Foco: Seria um ataque a ética do Trabalho?
Jorge Castelo:
 Sem dúvida. É a ética do trabalho, da estruturação do capitalismo social e do próprio Estado de Direito. A ética do trabalho diz a mensagem para as pessoas de um compromisso social de longo prazo. Quando você diz para as pessoas que essa ética do trabalho não vale mais, que vale a ética e a estética do consumo, é algo muito sério. Em suma, você está passando para as pessoas uma mensagem de descompromisso. Tal fator é gravíssimo para o aspecto do trabalho e para a sociedade como um todo, pois fragiliza e as relações do trabalho e laços sociais que tem como base a ética do trabalho.

Justiça Em Foco: Como que o senhor avalia a possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho?
Jorge Castelo
: Sobre a possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho, ainda não é um projeto concreto, pois foi um comentário realizado durante uma entrevista pelo presidente. Devido a repercussão negativa houve recuo, mas a polêmica está instalada. De antemão asseguro que a supressão da Justiça do Trabalho fere Cláusula Pétrea na Constituição Federal (CF). A estrutura do Poder Judiciário, no seu núcleo central concebida pelo constituinte originário, não pode ser objeto de Emenda Constitucional, pois diz respeito a separação dos poderes.

Essa especialização da Justiça Trabalhista tem ligação com uma estruturação maior, que está relacionada ao trabalho. O Artigo 1º da CF estabelece que o Estado Democrático de Direito está estruturado no valor social do trabalho e na dignidade da pessoa humana. Em função disso o poder constituinte originário cuidou de maneira especial e individualizada dos Direitos Trabalhistas, porque estes estão inseridos no título segundo da Carta Magna, que trata dos direitos e garantias fundamentais, por isso se trata de Cláusula Pétrea. Então, a Justiça do Trabalho foi idealizada para garantir a manutenção desses direitos definidos como direitos fundamentais do cidadão e da estrutura do próprio Estado Democrático de Direito. Sua supressão incidiria na violação da Cláusula Pétrea no que tange a separação de poderes.

A Justiça Trabalhista é o setor responsável por cuidar dos Direitos Trabalhistas. Caso seja desativada, haverá redução de garantias nos direitos do cidadão e na efetividade do funcionamento da Justiça como um todo. Ou seja, a extinção da Justiça do Trabalho não daria mais efetividade de atendimento de prestação jurisdicional.

Justiça Em Foco: O senhor acredita então que a extinção da Justiça do trabalho ataca a população mais vulnerável? 
Jorge Castelo:
 Com toda a certeza, pois cerca de 75% dos processos na área trabalhista hoje é referente a verbas rescisórias não pagas.  Ao todo, mais de 50% da população recebe até um salário mínimo e mais de 75% dos brasileiros recebem até três salários mínimos. Quando se fala de verbas rescisórias que compõe 75% dos processos, quer dizer que o indivíduo sequer vai ter o acesso à justiça para receber verbas rescisórias, caso se extingue a Justiça do Trabalho. Se essas pessoas não tiverem mais o atendimento dos seus direitos violados será uma mensagem de abandono, de negação de direitos para a população mais vulnerável. 

Justiça Em Foco: Sobre o tempo, existe um debate de se migrar os processos para a Justiça Comum. Por qual motivo as ações judiciais vão tramitar com menor velocidade?
Jorge Castelo:
 Segundo dados emitidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2017, uma sentença trabalhista dura algo em torno de 11 meses em primeira instância. Na Justiça Federal, por sua vez, a tramitação de um processo dura cerca de 04 anos. Se não tivesse impacto, a vinda dos processos trabalhistas para a Justiça Federal, já teria um alongamento do tempo do processo em 04 vezes. Certamente que a migração dessa montanha de processos vai implodir a Justiça Federal porque tem estrutura menor que a Justiça do Trabalho. 

Justiça Em Foco: Nas últimas semanas o governo editou uma Medida provisória (873/2019) que dificulta o recebimento do pagamento sindical através do desconto em folha salarial. Como o senhor avalia a situação dos sindicatos atualmente? 
Jorge Castelo: 
As entidades sindicais estão na defensiva, pois as notícias são claras que eles passaram a ter basicamente 10% da arrecadação que tinham antes da Reforma Trabalhista. Os sindicatos patronais também sofreram um certo abalo. E ao que tudo indica do ponto de vista jurídico, essa norma traz consigo traços de inconstitucionalidade. A primeira é em relação ao Processo Legislativo, pois a edição de uma Medida Provisória é feita em casos de urgência e relevância. Não é possível ver nenhuma situação do tipo a justificar a edição dessa MP.

Além disso, parece que há uma clara interferência no que é chamado de autonomia e liberdade sindical. Existe dispositivo constitucional que destaca, como no artigo 8º que “é livre de associação profissional ao sindicato”. E no inciso 1º diz: “vedada ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”. E no 4º, por sua vez diz: “a assembleia fixará a contribuição que se tratando de categoria profissional será descontada em folha”. 

Justiça Em Foco: Essa é uma demonstração de clara intervenção do Estado na atividade sindical?    
Jorge Castelo:
 Na hora que você intervém no modo como a associação estabelece a sua organização financeira, interfere expressamente no funcionamento dela. Porque uma coisa é a questão da liberdade de você contribuir, pois você não pode ser obrigado a contribuir com o imposto sindical, a ser associado. Até aí tudo bem.

Mas querer entrar na organização interna sindical para dizer como ele deve cobrar a mensalidade que já é facultativa, é como se o cidadão se associasse a um Clube Esportivo e depois vem o Estado e diz que o indivíduo não tem autonomia para negociar com o clube. O sindicato funciona como uma associação, mas de caráter profissional. Conforme exemplificado, não se interfere apenas na autonomia privada-coletiva da entidade sindical, mas uma outra que é mais grave: na autonomia individual de decidir como estabelecer o relacionamento com uma entidade privada, sem uma justificação plausível. 

Ao que tudo indica, parece que os sindicatos foram escolhidos como inimigo a ser abatido. Não somente as unidades sindicais, mas as associações civis que trazem consigo uma ideia de pertencimento do cidadão a uma sociedade. Primeiro foram os sindicatos, agora parece que querem acabar com a contribuição anual dos advogados em relação a Ordem dos Advogados do Brasil e demais Conselhos Federais. Estão enfraquecendo as associações de classe da sociedade civil, essenciais para o debate democrático das ideias.

Justiça em Foco: Como o senhor avalia o cenário à frente da Comissão de Trabalho da OAB-SP?
Jorge Castelo:
Esta é uma Comissão plural, composta por professores das diversas universidades, por diversos matizes de entendimento jurídico sobre a matéria, numa tentativa de que a abordagem seja a mais acadêmica possível. Com tratamento científico e estatístico, inclusive das questões relacionadas ao trabalho no Brasil e no cenário internacional para estabelecermos um comparativo e obtermos uma análise concreta e real acerca do tema e viabilizar informações efetivas para a sociedade.

Pretendemos fazer notas técnicas, eventos, congressos com a finalidade de trazer uma voz no cenário de um debate sobre uma questão central da democracia: o valor do trabalho. E sempre buscando entender que o capitalismo é o melhor caminho, mas um capitalismo temperado, um capitalismo social. É preciso dentro do funcionamento de um Regime Capitalista que gera renda e produtividade, não esquecer do compromisso social que se deve ter com as pessoas, principalmente o trabalhador.

Fonte: Da redação (Justiça Em Foco) – Por Mário Benisti

Foto: Mário Benisti  

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