LGPD e o presente do futuro: Seus dados, meus bens!

Por Marcelo Bulgueroni (*)

Quatorze de Agosto de 2020 é a data em que usuários e empresas de internet farão escolhas talvez sem volta. Entra em vigor a Lei 13.709/18. Lei essa que não é só número, tem nome e sobrenome, chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Basta acrescentar uma informação (nome), e o dado outrora desinteressante (número) ganha outro valor, outra atenção, pois sabe-se que falamos da lei que obrigará empresas a revisarem todo o tratamento de dados pessoais que esta obtém e processa.

Se os dados pessoais quando isolados já são por sua natureza intrinsecamente ligados às nossas percepções de privacidade e intimidade, a associação destes entre si pode gerar efeitos surpreendentes em tempo de Big DataDeep Learning e Deep Fakes. “Profunda” e “grande” define bem a medida da penetração da linguagem das máquinas e suas redes neurais no comportamento e nos interesses humanos, utilizada na sugestão da nossa próxima série televisiva favorita, passando pela agenda inteligente que nos avisa do trânsito antes de chegarmos a um compromisso recorrente, mesmo que este não esteja anotado em uma agenda (digital ou não), à sugestão automática do texto de resposta a um e-mail profissional que acabamos de receber.

Viver no futuro é ter um despertador que toca sem termos que programá-lo, pois este “sabe” que temos um compromisso às 8h. Entrar em um carro autônomo sem precisar tirar o celular do bolso para chamá-lo, tampouco para informar o destino, graças à nossa face armazenada em seus servidores. A mesma face que é utilizada para destravar os mais recentes smartphones – e os aplicativos bancários que temos instalados neles também.

A face, a voz, a retina e as digitais de um indivíduo, dados biométricos que permitem identificá-lo de forma única, serão cada vez mais utilizados em sistemas neurais, que trarão todo tipo de facilidade moderna a essa pessoa, assim como tornarão seus gostos, comportamentos, deslocamentos, relacionamentos e conta bancária cada vez mais rastreáveis, mapeáveis e previsíveis. O valor de oferecer um pacote de fraldas com descontos para um pai de primeira viagem recém-saído da maternidade é tão alto quanto o pacote de viagens oferecido estrategicamente três, quatro meses antes das férias programadas daquele profissional.

Nenhum dos cenários descritos acima é perfeitamente correto ou completamente errado. Depende do acordo que o usuário faz com o prestador de serviços de tecnologia da informação. Poderá pagar pelo serviço e pedir máxima confidencialidade de seus dados pessoais, com restrições severas ao compartilhamento dessas informações com terceiros, ou poderá utilizar o serviço sem desembolso financeiro, remunerando o prestador de serviços exatamente com as informações pessoais que lhe entregou, autorizando-o a utilizar esses dados para seus mapeamentos e desenvolvimento de produtos, bem como compartilhamento com terceiros, desde que informe com clareza ao usuário desses usos. O almoço grátis seguirá não existindo, com a LGPD ou não. E, bem contratado, o processo é positivo para ambas as partes.

A virtude principal da LGPD é trazer uma obrigação severa, no mesmo (rígido) nível europeu, de que todo aquele que coleta, armazena ou trata informações pessoais, especialmente sensíveis, deve seguir padrões mínimos de segurança com relação a tais informações, bem como deixar extremamente claro ao usuário em suas políticas de privacidade e termos e condições de uso como utilizará e com quem compartilhará tais informações.

Mas de que vale a carta amorosa que nunca foi lida pela musa de correspondida admiração?

A defesa que mais toca ao usuário final, esse indivíduo cuja biometria e gostos pessoais a LGPD tenta proteger, dependerá exclusivamente dele, e não da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, pois é ele que terá o poder de aceitar, ou não, as políticas de utilização de dados pessoais oferecidas por seus aplicativos favoritos. Estará pronto para a partir de 14 de agosto de 2020 ler cuidadosamente cada atualização de termos e condições dos serviços de seu interesse, parando de utilizar aqueles que informem que farão uso indesejado de suas informações?

A alegação de que tais serviços operam no formato de adesão, sem possibilidade de negociação, é válida enquanto apenas um usuário discorda. Nenhum serviço quer perder milhares de usuários, uma das principais métricas para sua cotação na bolsa e sorrisos de acionistas, por conta de uma política de privacidade inadequada.

Cabe à sociedade retomar, ou passar a adquirir, hábito valioso: a leitura crítica. Por mais que avancemos nos dispositivos inteligentes, ler os termos já é, e será ainda mais, a única certeza de que teremos que o carro inteligente do futuro seguirá nos levando para casa, e pela rota mais eficiente, sem paradas desnecessárias pelos pontos comerciais do proprietário do serviço.

* Marcelo Bulgueroni é doutor em Direito Digital pela USP. Sócio fundador do escritório Bulgueroni Advogados

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Fonte: M2 Assessoria de Comunicação – Por Márcio Santos – Foto: Divulgação

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