Língua portuguesa ainda é vista como periférica, dizem professores

 

Entre os livros didáticos de português publicados no Brasil, muitos ignoram aspectos culturais de outros países lusófonos

Embora seja falada por mais de 260 milhões de pessoas em quatro continentes, a língua portuguesa ainda é tratada como um idioma periférico. Isso ocorre inclusive na Espanha, país que divide com Portugal uma fronteira de mais de mil quilômetros. Essa é a avaliação da maior parte dos especialistas que estiveram no Encontro de Professores de Língua Portuguesa, suas Literaturas e Culturas (Epllic), realizado em Barcelona nos últimos dias 3 e 4 – o Dia Internacional da Língua Portuguesa foi celebrado em 5 de maio.

O evento reuniu dezenas de acadêmicos, especialmente da Europa, mas havia também representantes da África e do Brasil. Prevaleceu uma avaliação geral de que um dos principais entraves para o fortalecimento da língua é o fato de suas diversas variantes se moverem de maneira quase autônoma, como se tratassem de idiomas distintos. Na maioria das universidades europeias, são oferecidos cursos de “português europeu” e “português brasileiro”.

Entre os livros didáticos de português publicados no Brasil, muitos ignoram aspectos culturais de outros países lusófonos. Por outro lado, o Instituto Camões, financiado pelo governo de Portugal, costuma resistir à contratação de professores que não sigam a vertente europeia da língua.

“Por que não há distinção entre as variantes do espanhol e do inglês?”, questiona Tatiana Matzenbacher, professora na Universidade de Sorbonne Paris 3. “No momento em que um professor brasileiro se vê diante de uma turma mais interessada no português europeu e vice-versa, há um grande despreparo e, sobretudo, muito medo. Atuam como se tivessem que ensinar uma língua completamente estranha e não percebem que as diferentes normas do português pertencem ao mesmo sistema.”

Entre o português de Portugal e o do Brasil, há distinções na fonética, no vocabulário e na sintaxe. No Brasil, por exemplo, fala-se “você”, “me dá um abraço” e “estou cozinhando”; em Portugal, costuma-se dizer “tu”, “dá-me um abraço” e “estou a cozinhar”.

Para Matzenbacher, é preciso promover aulas de um “português geral”, sem distinção de suas variantes. “Este idioma está estreitamente ligado ao campo sócio-cultural, diferentemente do inglês, em que dois terços dos falantes não são nativos e, portanto, a língua passa a ser um instrumento prático de comunicação.”

A desinformação dos países lusófonos sobre a cultura dos seus pares é visível mesmo entre professores universitários. Uma das palestras que mais chamaram a atenção no Epllic foi a da doutoranda moçambicana Josefina Ferrete, que expôs os desafios no ensino de português em um país onde há mais de 20 línguas nacionais e cerca de cem dialetos. Embora seja a língua oficial de Moçambique, o português é falado por apenas metade da população do país.

De acordo com ela, o material didático geralmente utilizado deixa de lado aspectos das tradições e do dia a dia de Moçambique. A julgar pela falta de unidade que se observa nos dias de hoje, o espanhol Ignácio Vasquez, da Universidade da Beira Interior, em Portugal, diz não duvidar “que, em duas ou três gerações, as variantes brasileira e portuguesa passem a ser entendidas como duas línguas distintas”.

Há até quem considere que este fenômeno já tenha ocorrido, como é o caso do linguista brasileiro Marcos Bagno. Ele reiterou esse ponto de vista em passagem recente pela Espanha. O distanciamento entre as variedades do português também é percebido no mercado editorial, segundo Andreia Moroni, doutora em linguística aplicada pela Unicamp e em sociolinguística pela Universitat de Barcelona (UB).

Normalmente, são contratados tradutores distintos para os livros destinados aos mercados de Portugal e do Brasil. Em geral, as editoras que se encarregam da distribuição são diferentes, uma situação peculiar quando comparada a outras línguas globais. “Isso mostra como não conversamos o suficiente”, diz Moroni.

Muitos professores espanhóis que participaram do Epllic fizeram um espécie de mea culpa, indicando que o país esteja de costas para Portugal. Devido a acordos bilaterais, a língua portuguesa pode ser ministrada dentro do currículo escolar espanhol, mas a maioria das comunidades autônomas a apresenta como uma matéria optativa -isso quando a oferece.

No momento, a região espanhola que efetivamente considera o português como uma língua prioritária é Extremadura. A Galícia e a Andaluzia também têm a língua portuguesa dentro de seu currículo escolar. Quanto às comunidades de Navarra, Catalunha e Castela e Leão, o português é ministrado como língua estrangeira em apenas alguns centros, de acordo com Filipa Soares, coordenadora do ensino de português na Espanha do Instituto Camões e na Embaixada de Portugal em Madri.

Diferentemente do que acontece na Espanha, o governo austríaco financia aulas de português para seus 150 alunos de origem lusófona. Como explica Tatiana Mazza-Surer,  que é professora de português nas escolas primárias de Viena, o programa como um todo destaca 230 professores para ensinar 22 línguas a 17.609 alunos inscritos.

NEGÓCIOS

Considerando o tom geral do encontro dos professores, o fato de 4% da população mundial falar português ainda não convenceu o mundo e nem a própria comunidade lusófona de que esta é uma língua de grande valor cultural e econômico. Mas o crescimento -ainda que inconstante- das economias dos nove países que têm o português como língua oficial pode mudar o cenário.

Na Espanha, o ensino de português dirigido ao mercado corporativo tem aumentado, segundo Luciana Castelo Branco, fundadora da Language Services for Business (LSB), escola de português sediada em Barcelona.

“Este é um setor instável e muito movido por ciclos econômicos, mas os executivos espanhóis estão cada vez mais propensos a usar o português como língua de referência.” Para o catalão Daniel Compte, executivo de multinacionais há quatro décadas, a língua dos negócios é a língua do cliente. Em atuação hoje na Câmara de Comércio Hispano Portuguesa, ele afirma que o fato de ter aprendido português lhe permitiu “desenvolver relações pessoais que facilitaram relações políticas”.

A catalã Paula Mèlich, membro da equipe de Smart Cities da Fira Barcelona, deve à língua portuguesa uma de suas proezas profissionais. Por conta da fluência no idioma, foi chamada pelo consórcio público-privado de Barcelona para coordenar um congresso sobre cidades inteligentes em Curitiba (PR).

A repercussão do congresso foi tamanha que a delegação da União Europeia no Brasil pediu à Fira Barcelona que organizasse outro evento, desta vez em Brasília. Mas a motivação de Mèlich para aprender português não foram os negócios. Na adolescência, ela se encantou pela música brasileira e pela capoeira.

“Tem gente que condiciona seu aprendizado a fatores econômicos. Mas é preciso lembrar que a economia é cíclica e o conhecimento fica”, afirma. Com informações da Folhapress.

 

Fonte: Notícias Ao Minuto

Foto: Maurício Santos/ Unsplash

 

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