Médico preso na Máfia das Funerárias vira pediatra na rede pública
Agamenon Borges foi indiciado por fazer parte de esquema apurado pela Operação Caronte, que investigou a falsificação de atestados de óbito
Preso pela Polícia Civil (PCDF) e acusado de integrar a Máfia das Funerárias, o médico Agamenon Martins Borges responde a processo criminal em liberdade, mas isso não o impediu de ser aprovado em concurso público e nomeado pediatra na rede pública de saúde do DF. A nomeação foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) em 5 de junho de 2018.
Agamenon foi indiciado pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil e denunciado pelo Ministério Público por fazer parte do esquema desbaratado pela Operação Caronte, que investigou a falsificação de atestados de óbito no DF.
O grupo, desarticulado em 28 de outubro de 2017, contava com um exército de papa-defuntos que agia na cidade. Homens e mulheres tinham a mórbida missão de mapear mortes em hospitais, clínicas e até nas ruas. O objetivo era cobrar das famílias valores inflacionados.
A nomeação de Agamenon e de outros candidatos foi anunciada pelo secretário de Saúde, Humberto Lucena, durante reunião da Comissão de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e Turismo na noite de 28 de maio, no decorrer do evento. O médico foi aprovado em 202º lugar para uma das vagas destinadas aos profissionais especializados em pediatria.
Reprodução/DODF
Durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão na casa do médico, em 26 de outubro de 2017, no Lago Norte, a Polícia Civil encontrou diversas pedras que se assemelham a esmeraldas, joias e uma arma de fogo.
Expulso da PCDF
Antes de se envolver com a Máfia das Funerárias, Agamenon integrou, desde março de 1993, os quadros da Polícia Civil como médico-legista vinculado ao Instituto Médico Legal (IML).
Em 2006, licenciado da Polícia Civil, o médico se arriscou na carreira política e conseguiu ser nomeado administrador regional do Paranoá, durante o governo da tucana Maria Abadia. Mais uma vez, ele não passou incólume pelo cargo e foi condenado, naquele ano, por improbidade administrativa.
A decisão da 5ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) condenou-o a ressarcir o erário em R$ 35 mil, por contratar bandas musicais para o 49º aniversário da cidade, mediante dispensa de licitação, sem observar as regras previstas na legislação.
Agamenon foi expulso da corporação em 21 de setembro de 2009, após passar por processo administrativo disciplinar (PAD) conduzido pela Corregedoria-Geral da PCDF.
De acordo com a Polícia Civil, o médico foi demitido do serviço público por manter atividade empresarial paralela ao trabalho exercido no IML. Agamenon seria proprietário de uma funerária localizada na cidade de Formosa (GO), no Entorno do Distrito Federal. Após a demissão, o médico teria começado a trabalhar como legista para empresas funerárias, emitindo atestados de óbito.
Zombando das vítimas
Conforme os policiais identificaram no decorrer das investigações da Operação Caronte, Agamenon zombava de familiares de pessoas mortas que pagavam valores exorbitantes por serviços funerários.
Em conversas com os comparsas, gargalhava por conseguir vender atestados de óbito – documento público e gratuito –, comemorava o fato de um sobrinho sem qualquer formação assinar como profissional de medicina e determinava que as finanças da quadrilha se mantivessem organizadas (ouça abaixo).
A organização criminosa foi desarticulada pela Corregedoria-Geral da PCDF, com apoio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em 26 de outubro de 2017. À época, os policiais trataram o esquema como um mercado da morte. Foram identificadas duas células criminosas. Uma agia em Taguatinga. A outra em Samambaia. Elas eram concorrentes.
Segundo as investigações, as funerárias cobravam valores superfaturados das famílias. Diziam que o atestado de óbito sairia de graça, mas, na verdade, estava tudo embutido no preço do velório e do enterro. Os policiais cumpriram nove mandados de prisão temporária e 12 de busca e apreensão em Sobradinho, Samambaia e Taguatinga.
A denúncia chegou à Corregedoria da PCDF após suspeita da possível participação de policiais no esquema. Contudo, as investigações mostraram que o grupo utilizava o sistema de rádio do Instituto Médico Legal e chegava aos locais onde havia pessoas com morte aparentemente natural, antes do rabecão.
O outro lado
O Metrópoles procurou a Secretaria de Saúde para falar sobre a legalidade da nomeação do médico acusado de integrar a Máfia das Funerárias. De acordo com a pasta, o fato de Agamenon responder a processo criminal não impede a posse e o exercício de cargo efetivo.
“Para se caracterizar tal impedimento, seria necessária a condenação criminal transitada em julgado, determinando especificamente a perda ou o impedimento do exercício de cargo público”, explicou a secretaria em nota.
Ainda segundo a pasta, a situação decorre do princípio da não culpabilidade, previsto no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que possibilita ao candidato, mesmo respondendo à ação criminal, tomar posse e exercer cargo público.
A reportagem também tentou entrar em contato com o médico Agamenon Martins, por meio do Hospital Regional de Sobradinho (HRS). No entanto, ele não retornou as ligações.
Fonte: Metrópoles
Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles