No Pará, Belo Monte ameaça peixes raros do Xingu
Conclusão é de um estudo recém publicado por um grupo de oito pesquisadores brasileiros e estrangeiros na revista Biological Conservation
Quando entrar completamente em operação, a usina de Belo Monte, no Pará, pode provocar o desaparecimento de diversas espécies de peixes endêmicas – que só vivem em um trecho de corredeiras do Rio Xingu conhecido como Volta Grande. A ameaça pode ocorrer mesmo se o empreendimento cumprir condicionantes que foram estabelecidas no processo de licenciamento ambiental.
É o que alerta estudo recém publicado por um grupo de oito pesquisadores brasileiros e estrangeiros na revista Biological Conservation, que analisou a diversidade de peixes da região em três segmentos de Volta Grande afetados pela obras.
Antes do início dos trabalhos, foram coletadas espécies na área que hoje está alagada para a construção da barragem; em uma área entre a barragem e a principal casa de força, que terá uma redução da vazão de água; e em um segmento posterior com fluxo alterado pela descarga da casa de força.
O trabalho, liderado por Daniel Fitzgerald, da Universidade Texas A&M, observou que os dois primeiros segmentos são extremamente ricos em espécies altamente dependentes de hábitats de corredeiras, incluindo várias espécies ameaçadas de extinção, e muitas delas são restritas àqueles locais.
É o caso de um peixinho ornamental muito apreciado por aquaristas conhecido como acari zebra (Hypancistrus zebra), que não existe em nenhum outro lugar do mundo. Por estar criticamente ameaçado de extinção, sua pesca é proibida. Mas hoje, até por medo de ela desaparecer com o funcionamento da usina, ele vem sendo pescado e contrabandeado.
“Esperamos que nos trechos represados tenhamos perdido quase completamente a fauna das corredeiras, porque ela demanda muito oxigênio, água corrente, uma série de condições que não existem mais”, afirma Jansen Zuanon, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e um dos autores do artigo.
O temor agora é o que pode ocorrer com as espécies que vivem depois da barragem. Uma certa dose de perda de espécies já era prevista no estudo de impacto ambiental (EIA) do empreendimento e para tentar minimizá-la foi definido, em acordo com o Ibama e a Agência Nacional de Águas, o chamado “hidrograma de consenso”, primeira condicionante ambiental da licença de instalação.
Ele estabelece que ainda haverá uma vazão de água barragem abaixo, mas 80% menor do que se não houvesse a usina. “Ainda será um trecho de corredeiras, mas o que sobrou de área útil para ser usada pelos peixes é muito pequena”, diz Zuanon.
Defesa
Por meio de nota, a concessionária Norte Energia, responsável por Belo Monte, disse que desde 2012 monitora o recurso pesqueiro do Rio Xingu e não houve registro de desaparecimento de espécies. Disse também que estudos não indicam risco de extinção. Sobre o hidrograma, informou que os valores de vazão foram predefinidos no EIA, a fim de mimetizar a dinâmica de enchente e vazante do rio e reduzir as interferências na biota aquática e nas condições de vida das comunidades ribeirinhas e indígenas.
O Ibama disse que quando o hidrograma começar a funcionar – previsto para o ano que vem, quando todas as 18 turbinas estiverem em atividade – será em fase de testes. Um monitoramento vai mostrar se essas condições de fato estão sendo mantidas. Se não estiverem, poderão ser revistas.
Índios relatam impactos
Apesar de Belo Monte ainda estar em fase de testes e o hidrograma de consenso ainda não estar em pleno funcionamento, comunidades ribeirinhas e indígenas que vivem na região da Volta Grande relatam já estarem sentindo impactos da usina sobre a oferta de peixes, em especial os alimentícios, como o pacu, apreciado na região.
A espécie se alimenta de frutos de árvores que ficam na beira do rio e normalmente frutificam com a cheia. Mas hoje, explica o biólogo Leandro Sousa, da Universidade Federal do Pará, em Altamira, e outro autor do trabalho, o pulso d’água no trecho abaixo da barragem não está muito previsível, de modo que o fruto pode acabar caindo em área seca em vez de dentro d’água – e os peixes não terem o que comer. “Além disso, se o pulso vem de uma vez, o peixe entra na lagoa, mas se o pulso para depois e o local fica seco, os peixes podem morrer. Não dá tempo de fechar o ciclo de vida”, afirma.
Relatos de peixes muito magros foram feitos por índios juruna da Aldeia Miratu, que fica na Volta Grande. Essa comunidade tem participado de um monitoramento independente feito desde 2013 por pesquisadores locais com auxílio do Instituto Socioambiental (ISA) e da UFPA. O trabalho observou que, até 2015, peixes eram a principal fonte de proteína animal – mais de 50%. Desde 2016, quando, além da obra houve uma seca intensa promovida pelo El Niño do ano anterior, os indígenas passaram a consumir mais alimentos comprados na cidade, como frango de granja e enlatados. No ano passado, só 30% da proteína veio de peixe.
Segundo a bióloga Cristiane Costa, que lidera o trabalho, o cenário com o hidrograma de consenso pode ser ainda pior que o observado em 2016 em decorrência do El Niño. “Aquele ano já mudou o comportamento dos indígenas e foi um alerta de um cenário que pode se estabelecer a partir de agora.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Notícias Ao Minuto
Foto: DR