Nove em cada 10 juízes e membros do MP no DF recebem auxílio-moradia
Gasto anual do TJDFT, MPDFT, TRT-10 e MPT-DF com o benefício chega a R$ 43,5 milhões. Tema é alvo de polêmica
Nos últimos dias, o auxílio-moradia para membros do Judiciário e do Ministério Público (MP) se tornou o foco de uma grande polêmica. Em todo o Brasil, juízes, desembargadores, promotores e procuradores recebem, além de salários que geralmente passam dos R$ 20 mil, um auxílio de R$ 4.377,73 para arcar com despesas de moradia. No Distrito Federal, a realidade não é diferente: nove em cada 10 integrantes do Judiciário e do MP local recebem o benefício. O gasto anual é de R$ 43,5 milhões.
O Metrópoles analisou contracheques de membros do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), do Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF), do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) e do Tribunal Regional do Trabalho do Distrito Federal (TRT-DF). Em todos, foi possível constatar que a maioria esmagadora dos togados engorda o salário com os mais de R$ 4 mil mensais, inclusive os presidentes dos tribunais e os chefes do Ministério Público.
O maior gasto é do TJDFT (imagem abaixo). Questionada, a Corte não enviou os dados oficiais solicitados pela reportagem, mas a análise dos contracheques de juízes e desembargadores indica que 365 dos 392 magistrados recebem o benefício. Ou seja, 93,1% do total.
Entre os beneficiários estão o presidente do tribunal, desembargador Mário Machado Vieira Neto, os dois vice-presidentes, desembargadores Humberto Adjuto Ulhôa e José Jacinto Costa Carvalho, além do corregedor da Corte, magistrado José Cruz Macedo.
TRT-10
Na Justiça trabalhista, o gasto é menor, também por conta do número reduzido de integrantes. O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) atua no Distrito Federal e em Tocantins. Na capital, trabalham 103 juízes e desembargadores, dos quais 98 recebem o auxílio-moradia – o que representa 94,3% do total. O gasto mensal é de R$ 429.017,54 e, por ano, chega a R$ 5,1 milhões.
Entre os beneficiários, também estão o presidente e a vice-presidente da Corte, desembargadores Pedro Luís Vicentin Foltran e Maria Regina Machado Guimarães. Segundo o TRT-10, os cinco magistrados que não recebem o benefício utilizam imóvel funcional ou são casados com outro servidor já contemplado com o auxílio-moradia.
Imóveis funcionais
Todos os juízes e procuradores do Brasil têm direito ao benefício. No entanto, a regulamentação do tópico pelos conselhos nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) veda o pagamento do auxílio a servidores ativos casados com algum outro funcionário público que já o receba ou ocupe imóvel funcional.
No DF, o TRT-10 tem à sua disposição quatro apartamentos funcionais na Asa Norte, de propriedade da União. Um deles está em reforma, e outros três encontram-se ocupados, sendo dois por juízes do Trabalho. Conforme manda a lei, nenhum dos magistrados acomodados nesses imóveis recebeu o auxílio-moradia nos contracheques de novembro e dezembro.
Já o TJDFT conta com 10 apartamentos funcionais, localizados na Asa Norte e na Asa Sul, também de posse da União. Em 2016, nove estavam ocupados por juízes e desembargadores. Dados mais recentes não foram fornecidos pela Corte até a última atualização desta reportagem, mas os nove magistrados residentes em imóveis funcionais no ano de 2016 não receberam auxílio-moradia, segundo os dois últimos contracheques do ano passado.
Confira a distribuição do auxílio-moradia nos órgãos analisados
Desde 2016, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios tem trabalhado para reduzir custos, adotando medidas como desligamento automático de computadores, redução na lavagem de carros oficiais, uso de elevadores alternados e até restrições na utilização de ar-condicionado. No entanto, destinou R$ 19 milhões ao pagamento de auxílio-moradia à cúpula da Corte no ano passado.
Auxílio fica, estagiários saem
No Ministério Público, a proporção se mantém. Dos 395 promotores e procuradores que atuam no MPDFT, 364 (ou 92,1%) engordam o contracheque com o auxílio-moradia. Por mês, o gasto do parquet com o benefício é de R$ 1,5 milhão e, por ano, R$ 18 milhões.
O Ministério Público do Trabalho no DF, por sua vez, possui 28 procuradores ativos, dos quais 23 recebem o auxílio (82,1% do total). O dispêndio mensal é de R$ 100,6 mil, e o anual, de R$ 1,2 milhão. A lista de beneficiários também conta com os nomes do procurador-geral do MPDFT, Leonardo Bessa, e do procurador-chefe do MPT-DF, Erlan José Peixoto do Prado.
O pagamento do auxílio-moradia tem sido alvo de críticas, principalmente, por causa do contingenciamento de gastos que atinge o Judiciário. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por exemplo, decidiu demitir 224 universitários que estagiavam no local, a fim de reduzir custos. Apenas 29 aprendizes continuaram a trabalhar no órgão, ou seja, 11,4% do total.
Segundo o MPDFT, o corte dos estagiários era medida necessária para liberar recursos e finalizar a construção do prédio da Coordenadoria das Promotorias de Justiça. Em 2017, foram destinados R$ 5,13 milhões para a obra. Já com auxílio-moradia, o MP pagou R$ 18,39 milhões.
Outro lado
Em notas enviadas ao Metrópoles, o MPT-DF, o TRT-10 e o MPDFT afirmaram que o benefício foi regulamentado por instância superiores e que alterações no pagamento não podem ser feitas pelos órgãos. “O benefício foi regulamentado por portaria do Ministério Público da União (PGR/MPU nº 71, de 9/10/2014). Por ser um ramo do MPU e não ter autonomia financeira e orçamentária, o MPDFT não pode decidir sobre esses pagamentos, apenas deve efetuá-los”, diz a nota do Ministério Público local.
Já o MPT-DF afirma que “o auxílio-moradia é pago conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), não cabendo ao Ministério Público do Trabalho (MPT) a decisão sobre alterações no benefício”.
O TRT-10 explica: “O benefício não pode deixar de ser pago porque consta da Lei Complementar nº 54, de 22 de dezembro de 1986, que alterou a Lei Orgânica da Magistratura (Loman)”.
Por fim, o TJDFT alega que obedece rigorosamente ao limite do teto constitucional para elaboração de sua folha de pagamento. “O servidor e/ou magistrado que, por ventura, receba valores mensais superiores àqueles delimitados como teto constitucional, terá em sua remuneração e/ou subsídio a incidência da retenção por teto constitucional – que é a parcela da remuneração e/ou subsídio mensal retida por exceder o teto remuneratório constitucional, conforme disposto na Resolução CNJ nº 102, art. 3º, VI, § 2º, IX”, diz trecho da nota encaminhada. A Corte afirma ainda que o auxílio-moradia não está sujeito ao teto constitucional.
Decisões
O pagamento do auxílio-moradia a juízes de todo o Brasil foi permitido em 2014, por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. À época, a medida foi comemorada por entidades representantes de juízes e membros do Ministério Público, e contestada pela Advocacia-Geral da União (AGU), que a classificou como “ilegal”.
No fim do ano passado, o ministro Fux liberou a ação sobre o auxílio-moradia para análise no plenário do STF. Ou seja, os ministros da Corte Suprema vão analisar se mantém a decisão ou se suspendem o pagamento do benefício. A previsão é de que o tema seja julgado em março. No entanto, no último dia 7, a Associação de Juízes Federais (Ajufe) apresentou pedido ao STF para que a análise seja adiada.
No Senado Federal, tramita proposta, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que prevê o fim do benefício para autoridades. Em uma consulta pública no site da Casa, até a noite deste sábado (10/2), 1.080.675 participantes tinha se manifestado pela extinção do auxílio e 5.598, contra.
Em 1º de fevereiro, membros da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) – que inclui entidades representativas de magistrados, promotores e procuradores do Brasil e do DF – fizeram ato no STF pela manutenção de benefícios. Em carta aberta dirigida à presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, o grupo atribuiu as críticas ao auxílio-moradia como retaliação.
“Não pode a Suprema Corte, em especial, fechar os olhos para o ignóbil uso da política de remuneração como estratégia de retaliação ao desempenho autônomo, independente e altivo das funções do Poder Judiciário e do Ministério Público”, afirmaram as entidades.
Fonte: Metrópoles
Foto: RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLES