O Brasil, o Estado e o dia que não acabou…

 

Convencionamo-nos celebrar nossa independência no dia 7 de setembro. Reza a lenda que nesse mesmo dia (porém, em 1822), D. Pedro I bradara em terras tupiniquins o grito de “Independência ou morte!”. Antes tarde do que nunca, vale fazer justiça à figura da Imperatriz Leopoldina (felizmente, bastante lembrada pelos jornais no último feriado). Fora por suas mãos, e diante do cargo interino que ocupava à frente da corte no Brasil (já que D. Pedro I estava viajando), que se assinara o Decreto de Independência – o qual, de fato, dera início à cisão com as terras portuguesas. Contudo, é o grito de rebeldia do jovem monarca português às margens do Ipiranga que tem destaque, até hoje, na história oficial.

Divergências históricas e de gênero à parte (com ou sem o berro heroico do dia 7 de setembro), cortamos nosso cordão umbilical com Portugal, para, então, criarmos nossa própria corte, libertando a nobreza brasileira da Coroa Portuguesa. Sim, a nobreza!

Mas, e o povo? São outros quinhentos!

Passados 196 anos, pouca coisa mudou. Sim, criamos um Estado brasileiro com nossas cores e nosso jeitinho de administrar, mas é inevitável, pelo menos para mim, ao assistir as calamidades diárias de má gestão pública marinar o sentimento de que aquele dia 7 de setembro (o de 1822) ainda não acabou. Não estamos mais às margens do Ipiranga, tampouco elas são plácidas. Pelo contrário, são turvas. Rompemos com Portugal, mas não com a estrutura de corte, de privilégios, com o pensamento mesquinho e corrupto que permeia “o meu, o seu e os nossos”. Os senhores da colônia escondidos sob os títulos de nobreza ainda circulam aqui e ali.

O Brasil de hoje é uma república-monarquista. Uma pura e jocosa contradição que só pode existir aqui no país da piada pronta (perdoe-me Zé Simão!) e da tragédia anunciada. Um parlamentarismo disfarçado de presidencialismo, com um Poder Legislativo de péssima qualidade (mas que manda) que sustenta presidentes biônicos e falastrões.

Trocamos os barões, marqueses e duques por deputados, senadores e, por que não (?), vereadores. Trata-se de castas que há muito estão no poder e trabalham arduamente para lá se manter. Representantes da aristocracia carcomida do norte/nordeste e das elites de sul/sudeste que pouco ou nada fazem em prol de colocar as engrenagens deste país em movimento. Pelo contrário, para eles, a política é o fim e o meio para o enriquecimento, uma carreira vitalícia com direito a gordas mais-valias – engordadas com as intermináveis propinas e desperdício de dinheiro público que, por ser público no Brasil, não é de ninguém.

Vez ou outra entram novos ares, nomes novos, mas com o mesmo objetivo: enriquecer, fazer o pé de meia (que caberia em um Pé-Grande) e mamar em berço esplêndido.

Diante desse cenário, é clara a existência de dois Brasis. Um, pequeno em proporção, mas infinitamente grande nos gastos, privilégios e corrupção, ao qual as leis não chegam (ou que gravita em torno das próprias leis) e diante do qual nosso PIB míngua; e, outro, real, grande em dimensões, mas que gravita à margem do civismo.

Nosso povo, por cultura (e por não haver projeto de Educação que rompa os grilhões da herança colonial-imperial) nutre uma perigosa dependência “daquele povo do lado de lá” do poder. Enaltece-se quando ganha migalhas de atenção de um poderoso, quando aperta a mão de um político famoso, quando recebe, por meio de “bolsa”, cartão ou cesta básica, nacos ínfimos do que é seu por direito: comida na mesa, distribuição saudável de renda, emprego, saúde, segurança e educação. Espera do Estado a solução dos problemas (e são muitos), em uma funesta analogia ao Grande Pai, que tudo pode fazer pelo filho (este, pequeno, impotente e débil). Sonha em um dia estar do “lado de lá”, seja por meio da premiada loteria ou de um cargo público.

De fato, nós, brasileiros, somos débeis diante da atual estrutura política (que de atual, nada tem). Grupos partidários ajeitam-se para manter o status quo, vestem-se de esquerda ou direita, vermelho ou azul, mas o produto final das moscas já nos é conhecido (o ditado já nos conta). Entre o populismo “social” e do “Estado livre”, perdemos todos nós. Em uma nação cujo povo ainda está preso, em todas as classes sociais, aos grilhões da ignorância cívica e cuja maioria carece de necessidades básicas, que são superficialmente satisfeitas com esmolas do governo e churrasquinho de final de semana, fica difícil pensar, discutir e se planejar uma reforma no Estado.

A única esperança seria essa reforma ser feita pelos próprios poderosos numa espécie de despotismo esclarecido – o que, perdoem-me o pessimismo, está anos luz de ocorrer. Então, ficamos assim. Esperando algo acontecer, um salvador da pátria com discurso inflamado aparecer que a consciência pese sobre as coroas de nossos nobres políticos e que, ao final, a mudança venha.

Até lá, continuamos a lembrar e a comemorar o 7 de setembro, o dia que ainda não terminou.

Sobre o autor: Paulo Stucchi é psicanalista e jornalista. Atuou como redator, jornalista responsável e editor em jornais impressos e revistas. Também foi professor e coordenador de curso de Comunicação. Atualmente, divide seu tempo entre o trabalho como assessor de imprensa e sua paixão pela Literatura, História e Psicanálise. 

Com edição física esgotada a última obra do autor, Menina foi lançada na Amazon como e-book em 2018. Dois de seus livros estão disponíveis para serem baixados gratuitamente. Leia O triste amor de Augusto Ramonet e Natal sem mamãe clicando aqui.

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Fonte: LC Agência de Comunicação – São Paulo/SP

Foto: Reprodução

 

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