O herói e mártir que um dia abracei

Por Percival Puggina (*)

A notícia que li meio por acaso na página SWI (Swissinfo) do dia 1º de março me emocionou. Congressistas democratas e republicanos dos Estados Unidos apresentaram projeto de lei para homenagear o falecido opositor cubano Oswaldo Payá (1952-2012) dando seu nome à rua fronteira à Embaixada de Cuba em Washington. Diz a informação:

“Mudar o nome da rua em frente à embaixada de Cuba em D.C. vai homenagear os bravos mártires do movimento cubano pela liberdade. Também será um lembrete permanente de que, graças ao trabalho de bravos ativistas como Oswaldo Payá, os dias do regime estão contados e o povo cubano será livre”, disse o congressista republicano Mario Díaz-Balart em um comunicado.
 
Além de Díaz-Balart, os defensores do projeto de lei “Oswaldo Payá Way” são os deputados republicanos Carlos A. Giménez, Nicole Malliotakis e María Elvira Salazar, além da democrata Debbie Wasserman Schultz.

A versão do Senado deste projeto de lei foi apresentada pelos senadores Ted Cruz, Marco Rubio e Rick Scott, republicanos, e Bob Menendez, Dick Durbin e Ben Cardin, democratas.
 
Quem leu meu livro A Tragédia da Utopia sabe que Oswaldo Payá foi, até sua morte, o principal, o mais lúcido, corajoso e moralmente inatacável líder oposicionista cubano. Minha experiência com a vida em um regime onde a liberdade é concessão do Estado a quem se comporta como o partido determina começou em 2001 quando, chegado em Havana, telefonei para ele e para a também dissidente Marta Beatriz Roque.
 
Falar com dissidentes não é um desses comportamentos tolerados. Menos ainda se quem os procura é estrangeiro. Então, passei a ser seguido e perdi imediatamente minha liberdade. Não via a hora de voltar para o Brasil, onde, à época, havia liberdade. Agora também aqui isso acabou.
 
Nosso encontro, marcado para um jantar que sucessivamente mudou de endereço até que ele se sentisse seguro, foi um desses momentos que ficam para a vida. Conheci um homem curtido por longos anos de sofrimento sob um regime ao qual se opôs desde jovem, ao ponto de ser levado para uma UMAP (campos de concentração que atendiam pelo nome de Unidades Militares de Ajuda à Produção). Ali padeceu por dois anos e, posteriormente, cumpriu outros dois na prisão da ilha de Pinos.
 
Católico e militante anticomunista nunca lhe permitiram cursar a universidade. Contudo, sua vocação política e seu anseio pela redemocratização fizeram dele um redator de manifestos, um publicista muito além dos estreitos limites impostos pelo regime. Criou o MCL (Movimento Cristiano de Liberación). Tentou  concorrer a deputado, mas os nada democráticos processos de formação das candidaturas em Cuba jamais lhe facultaram essa possibilidade nas assembleias de postulação. Em 1991 sua casa foi invadida, ofensas foram pintadas nas paredes e seu telefone, então grampeado, ainda permanecia assim quando telefonei para ele em 2001.
 
Durante um bom jantar, que afortunadamente tive a honra de lhe proporcionar e no qual tive a honra de desfrutar de sua companhia, Payá me forneceu anotações e documentos elaborados pelo MCL entre os quais seu Projecto Varella, para a restauração da democracia em Cuba. Ao despedir-nos, ele me agradeceu por transmitir ao Brasil o sofrimento do povo cubano. O abraço que nos demos foi fraterno e sólido. Fraterno na fé e sólido nas convicções comuns.
 
Quando voltei a Cuba em 2010, quis retomar contato. O caminho seguro passava por seu irmão que vive na Espanha e me deu um telefone para o qual eu poderia ligar quando chegasse em Cuba.  Payá seria avisado e marcaria local e hora para nosso encontro. Ligações para lá e para cá, ficou acertado que me buscaria no hotel. Em algum momento, porém, essa ligação foi interceptada porque a porta do hotel Mercure Sevilla amanheceu policiada e não conseguimos nos encontrar.
 
Menos de um ano depois ele foi morto num “acidente” de carro, a caminho de Santiago de Cuba, em companhia de Harold Cespero, outro líder do MCL, também morto. A bordo, ainda, um jovem do Partido Popular espanhol e um sueco. Na 2ª edição de A tragédia da Utopia conto essa história em detalhes.
 
Por todas essas razões, alegrou-me o espírito saber que o endereço da embaixada cubana talvez carregue, para o túmulo do regime, o nome de Oswaldo Payá – herói e mártir que um dia abracei.

(*) Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

*Artigo de responsabilidade do autor.

Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o Brasília In Foco News

Foto: Reprodução

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