O INDIVÍDUO E A MULTIDÃO
Por Percival Puggina (*)
Amanhecia em Porto Alegre e eu saía em viagem que me levaria a um compromisso no sul do estado. Quando me aproximei da ponte que faz a travessia do Guaíba, a porção levadiça estava erguida para a passagem de uma embarcação. Quando isso ocorre, forma-se um grande acúmulo de veículos em ambos os lados da travessia. Reaberto o fluxo, retomei a marcha e fui observando simétrico movimento na pista em sentido oposto. Subitamente, um longo trecho dela ficou sem trânsito e uma aglomeração ficou visível mais adiante. Imaginei tratar-se de um acidente, mas me enganei. Havia um carro parado no meio da pista, com o motorista aparentando dormir. Os veículos que vinham atrás, tentando de algum modo ultrapassá-lo, acabaram obstruindo completamente a via. Fui em frente, rindo e pensando sobre o que acabara de ver: se uma pessoa parada tranca uma multidão, uma pessoa em ação mobiliza uma multidão.
É uma experiência simples, empírica, mas verdadeira, que nos leva a recear das situações – e são muitas essas situações – em que o não fazer, o desistir, o arriar braços fecha a pista para a necessária mobilização social e a obtenção dos consequentes efeitos políticos.
Essa mobilização independe de gostar ou não de política. Aliás, gostar da política que temos não é sinal de muito bom gosto. Ela não se torna um imprescindível espaço da cidadania por ser agradável, charmosa, atraente (mulheres são assim, a política não). A política se faz necessidade imperiosa porque seu substituto soma violência e caos. Ademais, ela influencia nossa vida antes do nascer e segue influenciando o que de nós restar após a morte. Gostar ou não é irrelevante e apenas serve para estabelecer formas e níveis de participação. Quem se sente atraído ou vocacionado atuará nos partidos, será candidato ou apoiará candidaturas; quem não se sente atraído deve impor a si mesmo a obrigação de informar-se e ser um eleitor esclarecido.
O não gostar nunca foi suficiente para justificar o “afastamento horizontal” de quem conhece e sente a responsabilidade que recai sobre os membros de uma sociedade política. Nada se resolve com a desistência, o abandono da causa, o evanescer dos sonhos, o dirigir xingamentos e desaforos à pátria comum, como se ela fosse causa de nossos problemas e nós inocentes em relação aos problemas dela. Nada melhora agindo como se o ato de desistir nos fizesse subir um centímetro que seja na escada da moralidade. Seríamos a pior geração da história se desistíssemos, entregando uma partida ganha para quem a perdeu em 2018 e, em momento algum, contando com a nossa tibieza, cometeu o erro de desistir.
Você percebeu o volume das ações desencadeadas contra o governo nos últimos meses? Os autores disso tudo perderam a eleição… Imagine o que farão se e quando retomarem o poder.
(*) Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o Brasília In Foco News
Foto: Nadia Raupp Meucci