O MECANISMO
Miguel Lucena*
Em um dos capítulos da série O Mecanismo, em exibição na Netflix, o delegado aciona a empresa de água e saneamento de Curitiba para resolver o problema de um bueiro em frente à sua casa, um funcionário vai até o local e diz que o conserto será feito em três semanas, mas tudo poderá ser resolvido em um dia se o doutor contratar os serviços de Seu João, pagos por fora.
João vai até a casa do delegado, cobra 600 reais pelo serviço e justifica o alto preço para o cliente: 80 reais são para o material, R$ 50 para o filho ajudante e R$ 150 são a diária dele. O restante vai para a pessoa que o indicou (o servidor da empresa de saneamento) e para o chefe do funcionário.
Esse lance acende uma luz na cabeça do delegado: a corrupção funciona como um mecanismo que engole as pessoas e os sistemas, e precisa ser entendido para que não destrua todos à sua volta, inclusive os que o combatem.
O mecanismo quase leva o delegado à morte. Incompreendido por seus superiores, desgastado por querer resolver as coisas a seu modo, acometido de transtorno bipolar, chegou a quebrar o computador da sala de audiências do juiz após um acordo que considerava malfeito estabelecido entre o Ministério Público e o doleiro Roberto Ibrahim (Alberto Youssef). Aposentado por invalidez, tentou se matar com um tiro na têmpora, mas bala acertou o osso e desviou, o que ocorre em uma a cada três mil tentativas de suicídio.
Trabalhando nas sombras, mesmo depois de aposentado, o delegado ajuda a Polícia Federal, o Ministério Público e o juiz a chegarem ao coração do mecanismo, mas uma parte do esquema tem foro privilegiado e certamente escapará no Supremo Tribunal, retroalimentando o mecanismo que se refaz, se reinventa e engole todos à sua volta.
Enfrentar o mecanismo não é para os fracos.
*Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista, escritor e colunista do Brasília In Foco News