O PODER DO AUTO-ENGANO
Miguel Lucena*
O Serviço Único de Saúde (SUS) é um caos, mas especialistas insistem em dizer que ele é uma referência para o mundo, embora tenham plano de saúde e não precisem ficar um mês com o braço quebrado esperando por uma cirurgia.
O policial civil WS teve de recorrer a um empréstimo porque, acidentado a serviço de um órgão público, ficou uma semana na enfermaria do hospital da cidade, inclusive ao lado de um criminoso, e não chegou sua vez de fazer a cirurgia. Correndo o risco de perder os movimentos da mão, recorreu a um empréstimo e fez a operação em um hospital privado.
Ele, no entanto, mesmo tendo sido vítima do sistema, defende mais verbas para o SUS, porque passou a vida de militante de esquerda aprendendo isso e defender esse ponto de vista é uma virtude. Minha comadre R., que Deus a tenha, ficou seis meses sem tomar o remédio para tratamento de câncer porque, apesar das astronômicas verbas que o sistema consome todo ano, não havia o medicamento na rede pública de saúde. Ela morreu defendendo o SUS.
A cabeleireira C. conseguiu ser atendida seis meses depois que marcou a consulta, mas ai de quem falar mal do SUS perto dela. A professora N., em cinco anos de carreira, já apresentou 10 atestados médicos, mas se considera uma excelente educadora, diz que a educação é um sacerdócio e nasceu para essa missão.
Os servidores públicos adoram festas de confraternização, mas nunca marcam para o sábado. O evento tem de coincidir com o horário de trabalho, porque ninguém é de ferro. O mês de dezembro é praticamente perdido em comes e bebes, mas todos se acham indispensáveis ao mundo.
As pessoas passam o tempo todo enganando as outras e se auto-enganando. Até certo ponto isso é positivo, porque ninguém suportaria viver a realidade nua e crua, mas torna-se farsa quando a vida se transforma numa completa ilusão.
Para Eduardo Giannetti, “O problema é que as mentiras que nos contamos não trazem seu nome verdadeiro estampado na fronte. É preciso, por isso, analisar os caminhos que nos levam até elas: encontraremos aí a origem de grandes conquistas e alegrias, mas também dos sofrimentos que muitas vezes causamos a nós mesmos e às pessoas que nos cercam”.
*Miguel Lucena é Delegado da Polícia Civil do DF, jornalista, escritor e colunista do Brasília In Foco News