‘O Rio do Samba: resistência e reinvenção’: fique por dentro da exposição

 

Com quase 900 itens, a exposição é um verdadeiro mergulho na formação cultural do país

Rio de Janeiro – Nunca antes na história deste país se juntou no mesmo espaço/tempo tantas informações históricas e estéticas sobre um tema tão familiar e corriqueiro ao brasileiro simples, do povo: o samba. Para se comemorar os cinco (5) anos de existência do Museu de Arte do Rio (MAR), a direção da instituição, com o auxílio luxuoso do historiador-sambista, cantor e compositor Nei Lopes, decidiu montar a exposição O Rio do Samba: resistência e reinvenção. Está bombando.

A mostra, com quase 900 itens, entre documentos, filmetes, fotos, fantasias e quadros; é uma verdadeira aula sobre a formação cultural do povo carioca e a constituição do samba como identidade máxima da cultura brasileira. É praticamente impossível ao visitante absorver em uma única visita tantas e tão valiosas informações sobre essa entidade que transpassa segmentos da nossa cultura – ritmo, canto, dança, vestimentas, culinária, indústria fonográfica, cinema, tv, artes plásticas, etc. Por isso, quem vai uma vez quer voltar, pois a cada nova visita, maiores são os aprendizados.

O Rio do Samba ficará por um ano no MAR e vem recebendo caravanas de escolas, comunidades e centenas de agremiações ligadas à musica e ao carnaval. Neste período, estão programados uma série de atividades teóricas, musicais e recreativas no próprio espaço do MAR. Afinal, o samba, cantou Caetano Veloso, “é o pai do prazer, o filho da dor, o grande poder transformador”.

À frente do projeto, como diretor cultural do MAR e curador da exposição, está o mineiro Evandro Salles, artista plástico com grande atuação em Brasília, quer como artista, criador da Fundação Athos Bulcão ou como secretario-adjunto de Cultura do DF no governo Cristovam Buarque. Salles que é batuqueiro de mesa de bar – “disso eu gosto”, diz -, mas não se considera sambista militante, desse de frequentar rodas ou quadras de escolas. Ele conta que teve a ideia de montar a exposição durante “um encontro do povo do samba há um ano”, quando se deslumbrou com as fantasias, o ritmo intenso da bateria e a alegria dos passistas, cantores e compositores. “Daí nasceu a ideia de fazer uma exposição sobre a história social do samba, algo além do carnaval”, explica ele.

De cara, fez um convite a um mestre do samba carioca, o escritor-historiador Nei Lopes. Outros curadores e auxiliares se agregaram ao projeto que teve o apoio da prefeitura do Rio e da Fundação Roberto Marinho. A abordagem começa na longínqua África de onde vieram os primeiros escravos para a América, trazendo  seus deuses, batuques, lágrimas e danças. Ela passa pela velha Bahia dos descendentes de iorubas, mas concentra-se mesmo no Rio de Janeiro do início do século (chegada do Modernismo ao Brasil) até os dias atuais.

Essa história é contada por intermédio de obras de Candido Portinari, Di Cavalcanti, Heitor dos Prazeres, Guignard, Ivan Morais, Pierre Verger e Abdias do Nascimento; fotografias de Marcel Gautherot, Walter Firmo, Evandro Teixeira, Bruno Veiga e Wilton Montenegro; gravuras de Debret e Lasar Segall; parangolés de Hélio Oiticica, e uma instalação de Carlos Vergara desenvolvida com restos de fantasias. O prato de porcelana tocado por João da Baiana e joias originais de Carmem Miranda são algumas das raridades em exibição.

Algumas obras foram encomendadas especialmente para a exposição. A convite dos curadores, Ernesto Neto e o carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, criaram uma instalação interativa, que tem lugar de destaque na Sala de Encontro. Jaime Lauriano fez uma intervenção logo na entrada do museu, gravando nas pedras portuguesas do chão dos pilotis os nomes das etnias africanas escravizadas no Brasil. A passarela que leva o visitante à sala de exposições foi tomada por letras de música que falam sobre o próprio samba e ambientada por uma peça sonora criada pelo músico Djalma Corrêa, inspirada na batida do coração. Gustavo Speridião ocupa uma parede com uma obra inspirada na geografia do samba no Rio e João Vargas apresenta uma videoinstalação sobre o samba enquanto dança do corpo individual e coletivo.

Rio de Samba é totalmente voltada para o mundo criado pelos escravos negros no Rio de Janeiro, mas procura, segundo Evandro Sales, “não vitimá-los, mas sim destacar sua força de trabalho, sua religiosidade e a cultura trazido do solo africano”. O curador destaca a região portuária também chamada de “Pequena África”, onde fica a Pedra do Sal. Nesse “Rio Negro”, onde foram criados os primeiros sindicatos como o de Estivadores, além da zona portuária, há focos também na festa da Nossa Senhora da Penha e na Praça XI, onde morou Tia Ciata, casa de uma mãe de santo onde consta que ali nasceu o samba.

Outra ênfase apresentada em vários painéis: o samba nasceu da mão pesada do negro (mãos cheias de sensibilidade e axé) trabalhando no campo, na plantação, na agricultura. O visitante conhecerá objetos usados pelos negros na lavoura, como o pão de açúcar – utilizado para carregar o produto e que, por seu formato, deu origem ao nome do famoso ponto turístico da cidade. Também entram em cena as festas rurais e religiosas: ao mesmo tempo que os instrumentos do candomblé se confundem com os do samba, manifestações como jongo e congada são encenadas em festejos como a Folia de Reis.

Mas esse Rio de Samba não para de correr para o MAR e as informações não cessam. O curso é intenso mesmo. Fala-se do samba de roda e das bandas militares, de onde vieram os taróis e a aceleração do ritmo; da importância da Rádio Nacional e do lançado de Pelo Telefone, primeiro samba comercial; da entrada de Vila Lobos na roda; da vinda de um estúdio de Hollywood para gravar nossos sambas; Carmem Miranda, Chiquinha Gonzaga e as chanchadas cinematográficas. Há espaço para a Bossa Nova, Vinícius, Tom, Nara, João Gilberto e a garota de Ipanema; a modernização das grandes escolas – Mangueira, Portela, Vila Isabel, Beija-Flor, Estácio, Império Serrano. Tudo isso recheado por obras do MASP, Museu de Belas Artes, Arquivo Nacional, Museu Afrobrasileiro da Bahia; Casa Roberto Marinho.

Enfim, como definiu na exposição o mestre Muniz Sodré, “o samba é dono do corpo”. Mas quem não gosta de samba, completou Caymmi, “bom sujeito não é/ é ruim da cabeça ou doente do pé”.

 

Fonte: Correio Braziliense

Foto: Reprodução/Internet

 

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