“O STF formou maioria”.
Por Percival Puggina (*)
Assustador, não é mesmo? Sempre que esse anúncio aparece no jornal, a matéria suscita em mim a versão cívica de um horripilante alerta meteorológico. Não busco refúgio num abrigo porque não existe algo assim para sinistros desse tipo. A sociedade brasileira, como tenho reiterado à exaustão, está totalmente desprotegida do Estado; invertendo os papéis, é ele que age para contê-la com os fartos meios e poderes à sua disposição. No Brasil, o Estado mata a galinha e a saboreia numa canja, gasta-lhe o ouro e faz travesseiro com suas penas.
A expressão “o STF formou maioria” é uma das muitas arapucas construídas pelas militâncias das redações. Ao afirmar que o STF formou maioria, elas sutilmente sugerem referir um processo democrático. Afinal, foi uma decisão “da maioria”, não foi?
Que maioria é essa? Maioria de onze, noves fora, dois? Placar contado antes da partida? Maioria de um colegiado que se declarou no exercício de função contramajoritária? Por que nunca é contramajoritária em relação à maioria que ele mesmo forma? Ah, pois é. Seria tão bom.
O Supremo, então, formou maioria para definir a quantidade de maconha que distingue o consumidor do traficante. O mesmo com as regras sobre armas e munições, com a “contribuição” que o sindicalizado não quis e não quer pagar, e por aí vai. Deve ser muito prazeroso poder decidir sobre quaisquer temas da sociedade, sair das “quatro linhas”, atravessar as arquibancadas, descer a rampa, estender o poder pelas praças e esquinas do país levando o apito no bolso. Aqui, tudo e todos “dependência” da Corte.
Agora, o STF está formando maioria (já está em quatro a dois), para transformar o Brasil numa concessão indígena aos invasores brancos. Pergunto-me porque, até hoje, ninguém propôs a concessão do título de Primero Invasor e patrono do MST a Pedro Álvares Cabral.
Não vou me debruçar sobre as óbvias consequências nem sobre as obscenas razões pelas quais o Congresso Nacional engole tantos sapos quantos lhe são enviados por seus vizinhos pelo lado direito. Basta olhar o mapa da Praça dos Três Poderes para entender qual o centro do poder. De um lado da praça, o Judiciário; de outro, o Executivo; no centro dela e na perspectiva do Eixo Monumental que atravessa o coração da república, erguem-se, acima de todos, as torres do Congresso Nacional. Este, segundo certo livrinho que talvez ainda circule por aí, é a representação da soberania popular e, se não me engano, tem certa relevância no processo político. O livrinho não fala em ingestão ou digestão de sapos.
Se pulo as consequências óbvias, não me furto de abordar as menos óbvias. O Brasil é um país de fronteiras abertas, solidário, acolhedor. Por suas divisas acolhe, aos milhares, venezuelanos, haitianos, colombianos, bolivianos, uruguaios. Todos são bem-vindos a esta terra de promissão. Sabe quem não é bem acolhido no Brasil, na perspectiva que orienta decisões sobre terras indígenas? Os brasileiros, os desalmados invasores do paraíso perdido. Especialmente os que não subscrevem nem compartilham as teses da esquerda. As mesmas, aliás, que influenciam os vitoriosos placares no STF.
(*) Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
*Artigo de responsabilidade do autor.
Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o Brasília In Foco News
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