Onda de violência, mortes e roubos deixam brasilienses reféns do medo
Moradores do DF estão mudando o jeito de viver para enfrentar a insegurança, enquanto governo Rollemberg comemora queda na criminalidade
Um dos crimes que mais chocaram a capital do país na última semana foi o assassinato de Alexsandro Vieira da Silva, 31 anos. O funcionário do Supermercado Três Irmãos, localizado na Praça do Bicalho, em Taguatinga, foi baleado e morreu na frente dos filhos e da esposa, após reagir a um assalto. Dois dias depois, o menino Gabriel dos Santos Teixeira, 11, teve a vida interrompida por uma bala perdida. Ele voltava da escolinha de futebol, em Planaltina, quando levou um tiro no peito.
Investir em equipamentos de segurança, como cercas, grades, alarmes e câmeras, não é mais o suficiente na capital do país. Reféns do medo, os brasilienses são obrigados a mudar a rotina na tentativa de se livrarem da violência.
Os pais se assustam e temem pela vida dos filhos. Um passeio ou um encontro com os amigos pode acabar em morte, como ocorreu com o adolescente Victor Martins Melo, 17 anos. O rapaz foi espancado até morrer por mais de 20 pessoas no Parque da Cidade, durante uma festa eletrônica. Um ato de pura selvageria, no centro de Brasília.
Apesar de o Governo do Distrito Federal celebrar a criminalidade em queda, nas ruas, residências e nos estabelecimentos comerciais a sensação de insegurança só aumenta. O Metrópoles percorreu sete regiões administrativas em uma semana e ouviu relatos de pessoas aterrorizadas e indignadas.
“Estamos vivendo em uma sociedade de encarcerados. Os bandidos à solta e nós trancafiados. Aqui é como no Big Brother, só que não tem prêmio, apenas desafios”. O desabafo do comerciante Antônio Benjamim de Morais (foto de destaque), 56 anos, tem um motivo. Um, não. Vinte. Após ter seu estabelecimento furtado 18 vezes em 2017 e mais duas este ano, Samuca, como é conhecido, passou a morar em sua loja, em regime de confinamento.
A loja de materiais de construção fica na Quadra 216, de Santa Maria, às margens da Avenida dos Alagados. A medida drástica foi tomada há aproximadamente dois meses. Ele admite que a solidão e a saudade da mulher, dos três filhos e cinco netos machucam. Mas esse foi o caminho encontrado para reduzir danos financeiras e psicológicos.
“Você se vê obrigado a trabalhar 24 horas por dia para proteger o que é seu. Precisei tomar essa medida radical, que não resolve, mas inibe a ação dos assaltantes” Samuca
Agora, quando não está trabalhando, ocupa um quartinho de 15m² construído por dentro da loja. No local, há dois sofás, geladeira, macarrão instantâneo, biscoitos, loção de barbear, roupas penduradas e a esperança de não ser mais importunado pelos bandidos.
Histórias reais:
A 50 quilômetros de Santa Maria, no Itapoã, a realidade não é diferente. A auxiliar de serviços gerais Doralice Pereira, 45 anos, chegou ao desespero ao ter a casa assaltada cinco vezes em um período de apenas uma semana. “Não aguentava mais e fui obrigada a mudar de endereço, pois estava trabalhando apenas para pagar o prejuízo com os assaltos”, conta.
E não foi apenas a casa de Doralice que ficou à mercê da bandidagem. Há duas semanas, ela foi cercada e agredida por um grupo de jovens na descida da estação do metrô, na rodoviária do Plano Piloto: “Me deram um soco no rosto, pegaram o celular que estava no meu bolso e fugiram. Nem perdi tempo registrando ocorrência, pois não adianta”.
Também na área central de Brasília, a 5 quilômetros do Palácio do Planalto, a filha da servidora pública Odete Santana, 52 anos, foi assaltada. Em plena luz do dia, dois adolescentes abordaram a jovem de 18 anos, quando ela chegava na 302 Sul para visitar uma amiga. Encostaram uma faca na barriga dela. Assustada, entregou tudo. Os bandidos não levaram apenas a bolsa dela. Roubaram-lhe a paz de espírito.
“Ela ainda está em pânico. Se não superar o que houve, teremos que buscar ajuda profissional de um psicólogo”, diz a mulher, sentindo-se desamparada pelo Estado. “Vamos ter que alterar toda a nossa vida para que ele recupere a sensação de estar segura”.
Em Brazlândia, uma padaria localizada na Quadra 10, no Setor Norte, já foi alvo de bandidos pelo menos cinco vezes nos últimos dois anos. A dona, Rosimeire Silva Passos, 38, conta que os criminosos agem, na maioria dos casos, à luz do dia. Sempre em dupla e armados.
“Para afastar os bandidos, preferimos vender cigarros de marcas desconhecidas porque não chama tanto a atenção deles. Além de câmeras e grades com cadeados, também contratamos um segurança para ficar aqui em frente observando a movimentação”, explica.
Vítimas constantes de assaltantes, os motoristas de ônibus que circulam diariamente pelo DF colecionam histórias sobre violência. Um deles é Luís Carlos de Oliveira, 38.
Ele conta que os criminosos desenvolveram novas técnicas para lucrar o máximo possível nos assaltos a coletivos. “Agora, eles monitoram as filas que se formam antes de o veículo deixar o terminal. Ficam de olho no número de pessoas que estão com celulares caros nas mãos e, aí, sobem no ônibus”, revela.
O rodoviário engrossou novamente número nas estatísticas criminais na última semana, quando já passava das 23h. O ônibus circulava pelas últimas quadras do Jardins Mangueiral quando o assalto foi anunciado: “Levaram todos os celulares que estavam no radar deles, inclusive o meu”.
Hadson Pereira Rêgo, 49, é gerente de uma lotérica na Asa Sul e já enfrentou oito roubos. No episódio mais traumático, ele e a esposa foram sequestrados por um grupo de homens armados.
“Nos trouxeram até a lotérica de madrugada e levaram cerca de R$ 18 mil. Depois, me deixaram no Recanto das Emas, e minha esposa em Valparaíso (GO). Fiquei um tempo afastado do trabalho, me recuperando psicologicamente. Hoje, temos câmeras e todo um aparato para tentar garantir a segurança do local”, relata.
Estudioso do impacto da desigualdade social na segurança pública, o consultor Emerson Oliveira acredita que a violência no DF deixou a periferia há alguns anos. “Os criminosos se deslocam onde estão as pessoas com patrimônio, com bens e dinheiro. Por isso, os registros são pulverizados. Nas áreas mais pobres, temos o tradicional acerto de contas. Nas nobres, assaltos, muitas vezes seguidos de morte”, lamenta.
De acordo com ele, à medida que surgem novas forças de proteção, como sistemas modernos de segurança, os bandidos mudam o seu modus operandi. Na avaliação do especialista, é o consumo e tráfico de drogas que movimentam boa parte da criminalidade no DF. “A maioria dos bandidos, adolescentes ou adultos, rouba para manter o vício. Muitas vezes, não têm nada a perder”, completa.
Para o especialista em segurança pública George Felipe Dantas, no caso do DF, a violência está desigualmente distribuída em regiões urbanas marcadas por um processo de intensa urbanização.
“Fica patente a exclusão social de grandes contingentes das populações locais. É emblemático o quanto regiões administrativas e municípios do Entorno estão desconectados, em termos sócio-econômicos, das regiões centrais consideradas as mais nobres do DF” George Felipe Dantas, especialista em segurança pública
Dantas esclarece que essa desconexão vai desde a dificuldade de transporte público à precariedade de serviços públicos dos mais diversos, incluindo a falta de mecanismos de controle social. “Esse cenário favorece o surgimento e a manutenção de áreas de gangues e quadrilhas, sem deixar de citar a inexistência ou enfraquecimento crônicos de instituições sociais, como a família”, ressalta.
As estatísticas oficiais
O outro lado
Questionado pela reportagem sobre a violência, o secretário de Segurança Pública e da Paz Social, Cristiano Sampaio, tentou explicar o abismo entre as estatísticas da pasta e a percepção nas ruas do DF:
“Índice de criminalidade é um aspecto objetivo e a sensação de segurança é um aspecto subjetivo, de cada pessoa. O crime está em queda“
Diante da descrença das pessoas em registrar ocorrência nas delegacias de polícia, Sampaio alerta: “É extremamente importante que as pessoas continuem registrando os crimes e que os dados cheguem a nós, porque eles orientam todo o planejamento das forças”.
De acordo com ele, os BOs ajudam no mapeamento permanente das manchas criminais, que revelam onde há maior ou menor incidência de assaltos, e a escala do policiamento preventivo nesses locais.
Já o diretor-geral da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), Eric Seba, destaca que as polícias trabalham exaustivamente, mas a legislação permite a soltura dos criminosos de forma rápida.
Fonte: Metrópoles
Foto: JP Rodrigues/Especial para o Metrópoles