Os dois 8 de janeiro e suas lições
Por Percival Puggina (*)
É a dimensão pedagógica dos acontecimentos que fornece alguma utilidade para estes dias de padecimento cívico. Se nada aprendermos deles, então, sim, o pontapé da fatalidade e do arbítrio terá posto abaixo os sentimentos mais nobres da alma nacional.
Aprender dos fatos! E o que nos dizem os dois sucessivos dias 8 de janeiro? O de 2023 foi proporcionado por populares. Eram pessoas simples, pacatas, que amam o Brasil, leem a Bíblia, rezam e cantam hinos. Talvez não houvesse ali um único conhecido meu, mas como eu conheço o que ia na alma da imensa maioria deles! – desesperança que faz pedir socorro, sensação de abandono, tristeza, medo. Um caldo de sentimentos que não se recomenda às multidões porque as faz vulneráveis a infiltrações enganosas.
Para efeitos de comparação, e ainda no balanceamento dos movimentos de massa, é bom observar que os “populares” da esquerda são executores de tarefas: black blocs para quebra-quebras, MST para invasão e destruição de propriedades alheias, sindicalistas para juntar gente. Pessoas assim não são pacatas.
Vejamos, agora, o evento colarinho branco do último dia 8 de janeiro. A turma chegou de carro oficial. Os que vieram de fora, tiveram passagens, diárias e reservas providenciadas por alguém. Alguns senadores presentes haviam impedido o adequado funcionamento da CPMI que pretendeu desvendar os mistérios do 08/01/2023. Manter a névoa e o sigilo é o melhor modo de reforçar a narrativa oficial. Ela inclui o “golpe” vapt-vupt das 15 h às 17 h, sem tropa nem comando; as culpas compartilhadas sem individualização dos agentes; tudo sem anistia, claro, porque ninguém roubou coisa alguma.
Acho que nada expressa melhor os absurdos do último dia 8 do que a frase da jornalista da Globo, para a qual quem politizou o evento foram os governadores que não compareceram… A culpa dos ausentes e a inocência dos presentes tem sido uma constante nos acontecimentos destes tempos enigmáticos. No ângulo desde o qual os observei anteontem, eu vi ali uma parceria política entre membros de poder que deveriam preservar seu recato. Vi o incentivo retórico à radicalização política, promovido por quem condenava aquilo que fazia enquanto falava, arrancar ruidosos aplausos e erguer indignados punhos ao ar.
Os predadores de bens públicos no 8 de janeiro de 2023 e os manifestantes da praça e portões dos quartéis, eram pessoas do povo. Os do dia 8 de janeiro de 2024, prometendo e aplaudindo anúncios de choro e ranger de dentes, são autoridades do Estado. Compõem a elite da oligarquia que governa o país sobre destroços das instituições republicanas que conhecíamos.
(*) Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
*Artigo de responsabilidade do autor.
Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o DF In Foco News
Foto: Reprodulção