Panatenaico: Arruda, Agnelo e Filippelli desviaram R$ 16,6 mi do Mané

 

Dinheiro, segundo MPF, foi repassado em doações partidárias para igrejas, compras de bebidas, ingressos da Copa e em espécie

Os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), além do ex-vice-governador Tadeu Filippelli (MDB), teriam recebido R$ 16,6 milhões em propina na obra da reforma do Estádio Mané Garrincha. A informação consta das três denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF) decorrentes da Operação Panatenaico, deflagrada em março do ano passado, a partir de delações premiadas de ex-executivos das empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht.

Agnelo Queiroz, de acordo com o MPF, teria embolsado R$ 6,495 milhões. A fatia de Arruda seria de R$ 3,92 milhões. Já Filippelli, teria recebido R$ 6,185 milhões. O dinheiro, segundo as investigações, foi repassado em diversas formas. Em doações partidárias para igrejas, compras de bebidas e ingressos da Copa do Mundo de 2014 e em espécie.

Os três foram denunciados juntamente com mais nove pessoas (veja lista abaixo), que devem responder por organização criminosa, corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude à licitação. O acerto para o superfaturamento do Mané Garrincha teria começado em uma reunião na residência oficial de Águas Claras. Na época, Arruda era o governador. O detalhamento dos valores foi publicado em matéria do Correio Braziliense, nesta quinta-feira (12/4).

As três denúncias foram apresentadas na semana passada à 12ª Vara da Justiça Federal no DF, conforme revelou o Metrópoles.

Divisão da propina
Segundo os procuradores da República no DF, a propina para Agnelo teria sido intermediada por dois operadores: Jorge Salomão (10 repasses no total de R$ 1,75 milhões) e o advogado Luís Alcoforado (cinco repasses que somaram R$ 660 mil). O petista também teria sido beneficiado com doações de R$ 300 mil ao partido e à Paróquia São Pedro. Parte do dinheiro ainda financiou a compra de bebidas, ingressos da Copa, contrato com empresa de mídia digital, bufê para camarotes em jogos no Mané Garrincha e até camisas para um clube de futebol.

Para Filippelli, ainda segundo a denúncia, foram feitas doações para campanha no valor de R$ 2.485 pela Andrade Gutierrez e R$ 3,7 milhões pela Via Engenharia. Além disso, ele teria amealhado 1% em propina referente ao valor do contrato firmado com o consórcio para a reforma da arena brasiliense.

Já o ex-governador Arruda, teria embolsado R$ 2 milhões em seis parcelas, por meio de seu operador Sérgio Lúcio de Andrade, mais R$ 1,8 milhão em quatro pagamentos intermediados pelo advogado Wellington Medeiros, e duas doações no valor total de R$ 120 mil à Paróquia São Pedro.

Veja fotos da Operação Panatenaico

 

Onde tudo começou
Nos depoimentos que originaram a Operação Panatenaico, Clóvis Primo, ex-executivo da Andrade Gutierrez expôs detalhes do conchavo que resultou, segundo a Polícia Federal, em desvios de recursos públicos durante a construção do novo Mané Garrincha.

Segundo Clóvis Primo, a empreiteira havia estudado a realização de uma Parceria Público-Privada (PPP) com o então governador Arruda para erguer o Mané Garrincha. Como essa proposta não foi à frente, a opção passou a ser uma obra pública e, por isso, a empreiteira acabou se vinculando à brasiliense Via Engenharia para execução do projeto. Isso mesmo antes de haver licitação ou proposta de formação de consórcio.

Conchavo de Águas Claras
Para acertar os detalhes, Primo diz ter vindo a Brasília em 2009. Durante um encontro promovido por Arruda na Residência Oficial de Águas Claras, estiveram presentes, além do delator, o superintendente comercial da empreiteira no Centro-Oeste, Rodrigo Lopes, e o gerente comercial da Andrade Gutierrez para o Governo do Distrito Federal, Carlos José.

Clóvis Primo abriu os trabalhos informando haver conflito de interesse entre a empreiteira que representava e a OAS: ambas queriam trabalhar no Mané Garrincha, sendo que a Andrade Gutierrez já estava em parceria com a Via. Diante do impasse, Arruda se prontificou a resolver de imediato: passou a mão no telefone e ligou para o diretor da OAS José Lunguinho Filho, pedindo que ele recebesse os representantes das concorrentes.

Lunguinho atendeu o pedido. No mesmo dia, diz Clóvis Primo, ele e um representante da OAS participaram de reunião na sede da Via Engenharia em Brasília, na qual foi pactuado que a OAS estava fora do projeto Mané Garrincha. Via e Andrade teriam o negócio: um acerto fechado em 2009, sendo que o projeto só foi licitado em 2010, durante o governo-tampão de Rogério Rosso (PSD), que substituiu o cassado José Roberto Arruda.

No acerto com as supostas concorrentes, afirmou Primo, OAS e Odebrecht apresentariam apenas proposta de cobertura na licitação do Mané: ou seja, um projeto fajuto, com menor preço, para garantir a vitória das outras empreiteiras. Em contrapartida, as vencidas nesse certame sagrariam-se vencedoras em um projeto futuro, de qualquer outra obra de relevância no Distrito Federal. Todos de acordo, o então governador do DF foi comunicado do encaminhamento da questão. No depoimento a seis investigadores da Lava Jato, Clóvis Primo destacou que a ideia dessa composição entre as empreiteiras foi do próprio Arruda, que teria dito: “Procure a OAS, que juntos vocês são mais fortes”.

Empreiteiras fizeram o edital
Os primeiros depoimentos dos diretores da Andrade Gutierrez evidenciam que as portas da Residência Oficial de Águas Claras estavam abertas à barganha do poder econômico. Também mostram que as empresas ficavam à vontade nas rodas do governo e tiveram importante participação em decisões da gestão. Segundo o delator Clóvis Primo, Andrade Gutierrez e Via Engenharia montaram junto com o GDF o edital que as duas empresas consorciadas venceram para a construção do Mané Garrincha. As empreiteiras também contribuíram na elaboração dos projetos que embasaram o certame.

Nas palavras do delator, a concessão dessas benesses aos futuros construtores da arena teve um preço. Segundo ele, antes da formação do consórcio, havia um acerto com a Via Engenharia para pagamento de 1% do valor do projeto ao então governador Arruda.

Aos promotores, Clóvis Primo afirmou que ele e o gerente comercial da Andrade Gutierrez para o GDF, Carlos José, foram informados sobre esse percentual pelo próprio dono da empreiteira brasiliense, Fernando Queiroz, preso na manhã desta terça durante a Operação Panatenaico.Fernando Queiroz, dono da Via: que também foi preso em março do ano passado, foi ele quem informou à Andrade Gutierrez que Arruda teria 1% do valor do projeto em propina.

Cobrança retroativa
Clóvis Primo encerra os relatos sobre o Mané Garrincha aos promotores da Lava Jato informando que o processo licitatório seguiu seu trâmite. A partir de 2015, quando o petista Agnelo Queiroz assumiu o Governo do Distrito Federal, ele passou a cobrar pagamentos eventuais do consórcio vencedor, não tendo sido estabelecido um percentual fixo para a propina a ser paga pelos empreiteiros.

Carlos José, então subordinado ao superintendente no Centro-Oeste da Andrade, Rodrigo Lopes, teria seguido como interlocutor do esquema junto ao governo de Agnelo Queiroz. Dentre os pagamentos pedidos pelo novo governador, alguns recursos teriam sido direcionados ao PT, de acordo com o relato de Clóvis Primo à Lava Jato.

Mesmo após ter sido cassado e ter passado dois meses, em 2010, preso na superintendência da Polícia Federal em Brasília, José Roberto Arruda teria cobrado do presidente da Via Engenharia, Fernando Queiroz, pagamentos acertados ainda em 2009.  Segundo Primo, Fernando Queiroz afirmou que não queria pagar, mas não deixou claro se chegou a honrar a dívida assumida com Arruda: o delator também não soube informar aos procuradores se a Andrade Gutierrez passou recursos a Arruda após ele ser apeado do Palácio do Buriti.

O que Clóvis Primo afirmou com segurança foi que o vice-governador na gestão petista, o peemedebista Tadeu Filippelli, teria passado a cobrar também 1% da Andrade e da Via para irrigar os cofres de seu partido: à época, Filippelli era presidente regional da sigla no DF. De acordo com o ex-diretor da Andrade Gutierrez, seu superior hierárquico, Rogério Nora de Sá, tinha conhecimento de todo esse conchavo, mas não em detalhes.

Foi Clóvis Primo quem sugeriu aos promotores falar com Flávio Machado, que, em sua opinião, estaria mais inteirado dos acertos em torno da obra do Mané Garrincha por ser diretor de Relações Institucionais da companhia.

Metrópoles tenta contato com as defesas dos denunciados.

Confira a lista dos denunciados:

Agnelo Queiroz – Ex-governador do DF
Tadeu Filippelli – Ex-vice-governador do DF
José Roberto Arruda – Ex-governador do DF
Maruska Lima de Sousa Holanda – Ex-diretora de Edificações da Novacap e ex-presidente da Terracap
Nilson Martorelli – Ex-presidente da Novacap
Fernando Queiroz – Proprietário da Via Engenharia
Jorge Luiz Salomão – Operador de Agnelo
Sérgio Lúcio Silva de Andrade – Operador de Arruda
Afrânio Roberto de Souza Filho – Operador de Filippelli
Luiz Carlos Alcoforado – Ex-advogado de Agnelo, teria recebido propina destinada ao petista
Wellington Medeiros – Ex-desembargador e advogado, teria recebido propina para Arruda
Rogério Nora de Sá – Ex-presidente de Construção Brasil da Andrade Gutierrez e ex-presidente da AG América Latina

 

Fonte: Metrópoles

Foto: Igo Estrela/Especial para o Metrópoles

 

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