Parlamentarismo mete o pé na porta
Tancredo Neves: “o primeiro-ministro de um governo de paz em meio a tempestade dos anos 60, entre os governos tumultuosos de Jânio quadros e João Goulart”.
O parlamentarismo vem aí. De verdade ou disfarçado, este regime predominante nos países civilizados e politicamente estáveis entra pela porta dos fundos. É notório, pois os grandes chefes políticos já disseram, em alto e bom som, que a principais forças eleitorais do país estão investindo na formação de grandes bancadas nos parlamentos, desinteressadas dos executivos. Isto não é parlamentarismo de fato?
As duas consequências: o novo presidente já começa seu governo de mãos atadas, submisso a um congresso integrado por, pelo menos, 35 legendas. O mesmo vai acontecer os estados com os governadores; em segundo lugar, as câmaras vão mandar no país. Isto é muito comum, mas para funcionar deve ter um arcabouço institucional adequado. É aí que mora o perigo: em meio a uma crise política e econômica sem precedentes, a população vai eleger um mandatário que não terá pode para manejar nenhum desses elementos: sem poder não controla a política; sem comando não tem como enfrentar a crise. O País pode ficar à deriva.
A menos que se tome uma providência salvadora, adequando as instituições a essa realidade.
O que pode ser feito? Uma saída alardeada seria restabelecer o presidencialismo de fato, fortalecendo substancialmente o poder do presidente e do ministério. Para isto será necessário decapitar mais da metade dos partidos políticos com representação parlamentar, impondo uma cláusula de barreira, ou seja, criar um mecanismo que acabe com a farra dos partidos.
Dizem que se a degola for para valer, ficam cinco ou seis agremiações. Resolve? Há dúvidas, pois tanto faz trinta como cinco ou seis partidos. O regime presidencial só deu certo, para valer, num país, os Estados Unidos. Característica política: o presidencialismo só funciona bem em sistemas bipartidários.
Na América Latina os países vivem em golpe arrás de golpe. Quando conseguem alguma estabilidade é porque estão sob sistema de partido único. Assim foi no México, com o PRI. Ou no Brasil da República Velha, com o Partido Republicano. Depois de 1930, até 1964, havia um bipartidarismo de fato: os getulistas na coligação PTB/PSD, e a oposição na UDN.
O mesmo ocorreu no regime militar. A Nova República inovou criando um pluripartidarismo fragmentado num sistema presidencialista. No início a dupla PT/PSDB se revezou no poder, ambos partidos nascidos do mesmo ventre, o antigo grupo autêntico do MDB, com políticos tinham origem no velho Partido Comunista, que formou a atual esquerda brasileira.
Com a implosão do PT, desfez-se a fórmula e o presidencialismo de coalizão naufragou.
Já o parlamentarismo deu certo no Brasil durante o Segundo Império. Também houve a experiência do parlamentarismo dos anos 1960, tão execrada, mas que, diga-se, enquanto vigorou o Brasil teve um hiato de paz naqueles tempos golpistas. Mal o plebiscito derrubou o regime, voltou a crise que acabou como todo o mundo sabe: o PTB de João Goulart, que derrubou o regime parlamentar, acabou enxotado pelos militares e seus líderes foram passar duas décadas o exílio.
Agora o parlamentarismo volta por ele mesmo, com as próprias pernas. Não há como extinguir os pequenos partidos, pois são organizações municipais. No Brasil não há mais partidos nacionais, basta vera salada as alianças eleitorais em cada estado. Então as câmaras, estaduais e federal, vão adquirir vida própria e o regime parlamentar vai entrar porta à dentro, queiram ou não queiram. Faltam três meses para a gente assistir a este filme.
Outro detalhe: os quatro ou cinco grandes partidos nacionais (MDB, PT, PSDB, PP e PSD) terão no máximo, se conseguirem alcançar suas metas, cerca de 200 deputados na Câmara. Ou seja, sem maioria, não passa nada que prejudique os médios, pequenos nanicos.
Essas minis-agremiações são estigmatizadas e fortemente pixadas na mídia e pelos políticos dos partidos hegemônicos. Entretanto, a força dessas siglas vem de suas participações nos municípios, onde são instrumentos para romper com a oligarquias e arejar a política nos chamados grotões (ou nem tanto, pois o Partido Humanista tem o prefeito de Belo Horizonte).
A expansão dessas legendas para os níveis estadual e nacional é que desvirtuam e contaminam sua importância na parte sadia da política. Portanto, é necessário que se crie um sistema partidário municipalista, que possa acomodar todas as forças nas comunidades, tanto as tradicionais como abrindo espaço para os emergentes.
Contudo, a municipalização da política no Brasil, que foi a base da formação histórica do País, desde a Colônia (a primeira câmara de vereadores foi eleita em São Vicente, em São Paulo, em 1553) não comporta um regime centralizado. Aí entra o parlamentarismo, que vem nessa função desde João Sem Terra, na Inglaterra, abrindo o caminho para a pacificação daquelas ilhas. Jorge Caldeira, em seu formidável livro “A História da Riqueza no Brasil”, aponta essa particularidade histórica.
Fonte: Blogedgarlisboa / Agência Digital News
Foto: Reprodução